terça-feira, 11 de maio de 2010

se tu, se ele, se nós

se cada um fosse o anjo ou o monstro que diz ser,
não precisava de o dizer.
o auto-retrato é matreiro,
quando surge a necessidade de pintar a própria imagem
algo foge ao sentido ordinário.
os outros sabem o que somos,
quando não o sabem nós dizemos,
quando nós dizemos mentimos,
quando mentimos é porque não o sabem,
não o sabem porque não é verdade.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

não vou dormir

hoje não vou dormir.
não vou, tão pouco quero!
hoje receio o acordar,
preciso de continuar a sentir,
este amor que temo efémero,
por isso hoje, eu não quero sonhar.

se quiser descansar, não permitas.
se fechar os olhos, berras e gritas!
hoje a realidade não vou deixar fugir
e por isso hoje, eu não vou dormir!
vou aguentar até a vida se esgotar,
vou até cair e o coração parar.

hoje eu descobri, que cruel, a saudade!
tão bela de apaziguar, tão temível de suportar.
hoje, eu fui e desvendei a verdade!
tão pura e fiel, mas tão fácil de enganar.
tentado sentimento, aliciado a mentir.
eu sei a verdade, a verdade é crua,
por isso hoje, eu não vou dormir.

domingo, 9 de maio de 2010

sentir é assim

escrevo em texto livre,
talvez em verso, talvez em prosa.
ainda nem me decidi às palavras
que tanto anseio representar.
não sou de forma alguma detective,
mas não iludas que és uma rosa,
com pétalas perfurantes, espadas!
esbeltas essas, só e abandonadas!
se a mim presentearam o dom de sonhar,
a existência repleta de flores de jardim,
reneguei a todas ao primeiro olhar,
ignorei a todo o universo sem fim.

para concluir, nada tenho a acrescentar
e um ponto final nem me atrevo a usar!
um aperto tão forte que perdurará eterno,
sem sentir medo daquele, o próprio inferno.
no final dos finais, resta a linha encantada,
vem dos contos de fadas sempre trauteada.

sábado, 8 de maio de 2010

chave e trevas

de cabelo ao vento vais andando
sem saber o que encontrar, quem te espera,
p'ra onde te vai o tempo empurrando —
coração que bate enclaustro em esfera.

sem pensar, corro, não desisto mais,
não cesso sem conseguir encontrar
a chave que abra, não outras que tais,
mas a tua, que a alma faça soltar.

as trevas mais tenebrosas me esperem,
p'lo meu peito mil chagas se atravessem,
sou feiticeiro de poções vazias.

deixai-os conspirar a meu favor
e que as suas facas, em mim, causem dor
p'ra eu te ter entre as flores vadias.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

ilhéus de pescada

em vida não somos mais do que ilhéus de pescada,
atracados no mesmo porto, à deriva sem procurar.
sem fogo na caldeira, somos um e mais nada,
sem rota a seguir, sem farol ou a luz do mar.

que servem a bússola, o astrolábio, o compasso
num mundo sem cartas de marear? estão por traçar.
para que quero este pequeno barco onde o peixe é escasso?
tenho fome, sede, desejo e o escorbuto está-me a matar.

será errado ao mar comparar o amor,
atribuir-lhe a culpa da sua imensidão,
de não sermos humanamente atentos observadores?

não me interessa se os oceanos desconheçam a dor,
sejam ignorantes às noites estreladas na solidão,
no fundo todos só queremos ser bons pescadores.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

apetece-me um beijo

apetece-me um beijo,
o mais simples de todos os beijos,
sem abraços,
sem desejos,
de mãos atrás das costas,
em bico dos pés.
apetece-me um beijo,
o mais natural de todos os beijos,
o mais corriqueiro,
o mais ordinário,
o mais sem graça.
será aquele que se pensa,
muito antes de o experimentarmos.
quero um beijo teu,
dá-mo agora!
nestas coordenadas do espaço-tempo,
aqui, aqui,
eu quero esses teus lábios nos meus,
quero que fiquem assim,
imóveis,
mas que se tocam bem de leve,
tão suave, deliciosamente.
e tão simples!
o difícil, aguentar esse beijo,
a vontade que dá,
que roí, corrói, moí, tritura,
só apetece ir mais além,
ao mais profundo,
juntar o abraço que esmaga os teus seios no meu peito,
invadir a tua boca e fazer da tua língua amigo de passeio,
juntas e valsam numa pirueta de desejo,
desejo crescente de te possuir!
mas não!
não!
não quero tal coisa!
não!
isso não é a minha vontade!
o que eu procuro,
o meu apetite é aquele simples beijo,
apenas um, rápido e de passagem.
só um, interminável,
sem cobertura,
sem recheio.
quero simplesmente por uma vontade incessável,
insaciável.
olhei-te e as sinapses nos neurónios,
as hormonas na libido acenderam o meu desejo de te beijar.
mas eu controlo-me,
porque eu quero um beijo tão simples,
a simplicidade de um toque de lábios e nada mais.
arrepia o nervosismo de não saber o passo seguinte,
espera-se, aguenta-se, sustenta-se o tom.
mas eu não quero esperar,
não posso esperar,
não admito que desapareça!
quero aquele beijo fim de almoço às duas horas,
antes de levantar a mesa,
antes de lavar os dentes,
antes mesmo da sobremesa,
tu comeste cebola e eu engoli alho,
bebeste limonada e eu cerveja,
o teu cabelo tem cheiro de batata frita,
o meu de grelhado.
sim, é mesmo isto que eu quero,
a simplicidade de um beijo teu.
só um,
daqueles bem bonitos,
só um,
inocente,
só um,
só meu.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

a sonhar

da criança ao idoso,
a sonhar, a sonhar
algo bem precioso,
a sonhar, a sonhar.

acordar sobressaltado,
tremer, tremer de terror,
à beira do precipício,
aparece o tal senhor.

não faz sentido algum,
este sonho, este sonho,
mas e se fizesse?
não era mais um sonho.

quando é bem irreal,
mesmo, mesmo impossível,
este sonho, este sonho,
barreira intransponível.

faz da terra céu,
bem, bem azul,
faz da nuvem tapete,
navega para sul.

o dedo no barco,
empurra, empurra o menino,
pela fantasia,
estranho caminho.

suor da noite,
muito, muito quente,
sonha o pequenino,
sonha que é gente.

surge um beijo,
curto e curtinho,
é daquela menina
que dá um pulinho.

inconsciente está,
branco, branco o cabelo,
imagina que é rei,
rei no seu castelo.

nada faz mais sentido,
no sonho, no sonho,
tudo está perdido,
no sonho, no sonho.

sonho pilar da vida,
tudo, tudo de sonho,
nada mais de real,
um pouco medonho.

fantasia ao frio,
ao relento, ao relento,
em pleno inverno,
mostra algum talento.

tem pena e vai,
corre, corre longe,
vai e não vai,
fica e não finge.

rouba um doce,
é fácil, fácil,
guloso bebé,
tão, tão dócil.

aparece sorrateiro,
devagarinho, devagarinho,
escreve no letreiro
saudade e carinho.

vai agora embora,
ao luar, ao luar,
fica aqui e chora,
dói até passar.

tudo um sonho,
nada, nada mais,
tudo é sonho,
nada, nada mais.

terça-feira, 4 de maio de 2010

o embrulho

eu não sou um homem rico,
não te posso presentear o mundo,
não te posso impressionar com uma pedra,
não te posso levar àquele lugar quase perfeito,
ficaria completo com o teu cabelo a ondular o vento.

eu não sou um homem poderoso,
não te posso oferecer um crime,
não te posso mostrar um pequeno delito,
não posso fazer os teus problemas desaparecer,
apenas um pequeno abraço para ajudar a esquecer.

eu não sou um homem forte,
não te posso mostrar um corpo atlético,
não te posso conquistar com mestria anti-gravítica,
não te posso proteger contra uma inteira legião,
mas atirava-me à luta até cair morto no chão.

eu não sou um homem feio,
não sou um homem anormal,
não sou um homem ridículo,
sou perfeito na minha insignificância.

aquilo que vês à tua frente,
o embrulho que os teus olhos devoram
é todo o próprio conteúdo,
não precisas de abrir.

ofereço-te o meu paraíso,
tem uma árvore de fruta deliciosa,
um rio de leite bem cremoso
atravessa o jardim de bolacha estaladiça.

eu sou um homem simples,
o teu sorriso era mais que suficiente
para me fazer de feliz efervescente.

eu sou um homem dedicado,
faria de alma coração
para as tuas lágrimas não passarem de pura ilusão.

eu sou um homem tosco,
mas sei ocupar o meu pequeno lugar
e jamais te iria envergonhar!

eu sou um homem inteligente,
mas cravava o sol até a retina queimar,
se apenas tu estivesses disposta a deixar amar.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

a demanda

é uma fábula o que trago para contar,
tem demandas e heróis, monstros e fadas.
tem tudo o que mais desejei sonhar,
cem romeos trespassados por espadas.

explorando, vamos pelos perigos da odisseia,
trazemos no bolso a esperança e a bravura.
podendo só contar com truta, truta e meia,
lá vamos nós ao encontro da aventura.

para que finjo que o mundo é ilusão,
se ao acordar tenho nas mãos o coração,
vontade de enfrentar mais um dragão?

tudo quanto quero, tudo que mais desejo,
são estes sentimentos que nunca mais despejo,
este amor já sem qualquer perdão.

domingo, 2 de maio de 2010

o segredo

vou disfarçar um segredo,
disfarçá-lo entre nós,
com um vestido de medo,
feito à medida da voz.
se eu te confessar um crime
deixas-me seguir impune?

as palavras seriam cruéis
ditas com tal convicção,
do produto destas por seis
resulta o valor da desilusão.
se eu não contar a ninguém
condeno-te a ti também?

agora não, não me incomodes,
estou-me a tentar esconder,
vencer, iludir, enganar os holofotes,
conseguir apenas viver.
se me atirarem à fogueira
vêem-me queimar a noite inteira?

pensei que tu não julgavas,
de todos, eras imparcial.
eras tu que me cortavas
o terror até ao final.
se não puder confiar em ti
ou todo o amor perdi?

já revi as minhas equações,
corrigi os erros de cálculo.
não te passo as minhas aflições,
o meu fardo, aqui ganho calo.
se tu não me podes ajudar,
diz-me que com tempo não irá mais custar.

sábado, 1 de maio de 2010

como o universo é gigante

o universo é gigante,
tem pés de elefante.
o tempo é elegante,
leva a sua adiante.

o universo tem tem um irmão
que faz truques com a mão.
o tempo tem um sobrinho
que canta desde pequenino.

o universo mais bonito é o nosso,
há um peludo, um barulhento e um deles é grosso.
o tempo mais esquisito é este,
mexe aqui, mexe acolá, uma verdadeira peste!

o universo tem singularidades
mais curiosas que negros buracos.
o tempo leva as suas perversidades
ao acaso em apenas quatro sacos.

o universo está a fervilhar,
a fervilhar por aí de vida.
o tempo limita-se a observar
fazendo da nossa compreensão ferida.

o universo é um contínuo espectáculo,
por todo lado se vêem mortes, explosões.
o tempo diverte-se a correr sem obstáculo,
mas só até lhe falharem os travões!

o universo é mas uma infinita singularidade
de, talvez, um outro universo com tantas outras.
o tempo mantém a sua peculiar seriedade,
varre o espaço à procura de pequenas casotas.

o universo tem tanto que se lhe diga,
tanto que me ocorre, tanto que me intriga.
o tempo tem tanto de irreal,
tanto de incerto, tanto de paranormal.

o universo é mais que o que mostra,
aos nossos olhos é casca de ostra.
o tempo é a pérola no seu interior,
dali controla tudo em seu redor.

o universo anda a precisar de uma namorada,
algo que o faça estremecer-se todo.
o tempo vai avisar-nos da sua chegada,
vai contar as suas atitudes de bobo.

porque é que o universo é mesmo gigante?
abre os braços o máximo que conseguires.
vês? não o consegues abraçar,
só um bocadinho,
então ele é gigante.