segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

quem me quer?

tenho um feitio desgraçado,
um coração destronado,
uma colher de pau vazia
e cinco azeitonas e meia.

tenho um olhar cruel,
mais um amor infiel,
um sabonete de glicerina
e três gomos de laranja.

tenho uma mão pesada,
uma alma danada,
um lápis sem bico
e dois golos de leite.

tenho um dedo torto,
uma rapariga no porto,
uma guitarra sem cordas
e treze tremoços.

tenho um cabelo despenteado,
um beijo atrasado,
uma cama de casal vazia
e cinco tabletes de chocolate.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

o tic-tac do relógio sem ponteiros

o tempo que segue sem dar a cara,
passa por nós, nunca pára.
tic-tac - esse som perfurante,
um segundo - que nem é relevante.

a fera que gostavas de controlar,
o desejo - um sentimento acalmar.
é mais veloz do que a luz pensas tu,
ele corre, ele salta, é tempo nu e cru.

um dia quero ser o senhor dos porquês,
o velho que estudas com as palavras à vez.
quando o tempo do teu tempo dilata,
um fosso entre nós - a distância nos mata.

ofereço-te o meu relógio sem ponteiros,
despido dos mecanismos desordeiros.
o tempo é estático, já não é forte,
um passo em frente - para a certa morte.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

é demasiado

sinto por ti o que nunca sentiram por mim, é magnífico ou lamentável?

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

o lugar que acorda memória

hoje passei em frente à tua escola e olhei mil vezes em todas as direcções possíveis e imagináveis, da esquerda para a direita, de cima a baixo, em profundidade de campo e directamente para o sol. esperei ver-te ali, naquele exacto momento em que um lugar te catapultou para o meu consciente. parece relativamente, ou até completamente, idiota, não parece? eu sei que sim, sou o primeiro a admiti-lo, mas faço-o com algum agrado. não me lembro da nossa última conversa, de quando, de quê ou por quanto tempo, desconheço o teu horário ou se, inclusive, te encontravas nas imediações daquele edifício. contudo, ao passar por lá não fui capaz de conter o desejo de te avistar, um relance que fosse. porque nos acontece isto, eu não sei. apenas abraço este palpitar recorrente de cada vez que visito determinado espaço que mencione o teu nome, ainda que remotamente. gostava de combinar um café contigo, aceitavas? mesmo que não te apele a cafeína, a bebida é descartável, eu recorto-nos da página que contém uma mesa para dois e guardo na caixa de sapatos onde juntei todas as pequenas insignificâncias. certo dia abri-la-ão, estás espalhada, emaranhada e dispersa por todas as outras memórias das quais não serão capazes de filtrar. o segredo morre comigo, tu que estás lá sem ninguém dar por isso.

rapaz doce

olha só o que o teu pai te trouxe,
é um rapaz, um rapaz doce.
olha só o que a tua mãe te fez,
uma saia, e uma saia bem cortês.

olha só o que o teu pai te trouxe,
são mentiras, arreliou-se.
olha só o que a tua mãe te fez,
é um bolo, e um bolo inglês.

olha só o que mais ninguém te faz,
é história daquele rapaz audaz.
e não desdenha aquilo que é de teu irmão,
vai lá fora e no frio dá-lhe a mão.

e na volta, não te vá enfuriar,
aquilo que tu tens também é para dar.
se mais ninguém chegar p'ra te encontrar,
vai-te embora e começa a chorar.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

este mar

para que foste tu lutadora,
capturar a alma sonhadora,
marcada, chagada outra vez
e o tempo já vai no três.

para tremer, involutariamente querer,
vontade de ter vontade e fazer,
sair, largar tudo e partir,
nunca olhar para trás e sempre sorrir.

teme o sol, esconde-te do frio,
despe-te nua e mergulha no rio,
ponto de viragem no lugar da foz,
encontro com o mar - estamos sós.

engole o sal, na areia desidrata,
as tuas ilusões, expectativas relata
numa triste e melódica melodia,
segue o sumário do que foi um belo dia.

e eu que tento e quero tanto,
sem qualquer jeito, algum encanto,
para continuamente navegar
em águas desse aprazível olhar.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

força motriz

o estranho é que o mundo parou de girar,
nem pediu autorização - o mal criado.
será que não pensou nas pessoas?
na china será sempre noite,
nas américas sempre dia,
aqui será algum enfastiante meio termo.
vai ser tudo tão diferente,
só espero não ser a hora dos galos cantarem.
se for manhã, podemos eliminar as refeições,
teremos sempre pequeno-almoço.
ainda bem que não estamos mais longe,
não sou grande fã de lanche a meio da tarde.
e a lua, também ela parará?
que triste seria para as pessoas do outro lado,
nunca mais poderem ver a sua esburacada amiga.
mas e se a lua pára em frente do sol?
vês o que acontece quando desistes de sorrir?
tens de pensar nos outros - deixa-te de tanto egoísmo!
para o raio que parta com as depressões e tristezas,
se ocultas o esmalte o mundo irá encravar.
nunca, mas nunca - jamais deixes de ser feliz,
se tiver que ser, então finge, ilude, pinta!
és a força motriz que arrasta a dança do planeta,
a oscilação periódica que nos trás os aniversários.
tu és o motor do meu mundo,
enquanto encontrares a vontade de sorrir
para mim,
para ti,
para ele,
para quem for.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

o sonho que me mata

hoje acordei para a mentira, novamente. quando reparei que tudo não passou de um engano, proclamei as maiores blasfémias que o despertador já ouviu. consigo passear por tempos e tempos sem um leve pensamento de ti, mas há noites em que chegas daquela maneira repetitiva e deitas todo o meu suor e lágrimas a perder. gostava de te guardar na gaveta nostálgica que preparei, para poder olhar com carinho, um dia mais tarde, para tudo o que és, tudo o que já foste e tudo o que fomos. não, tens de continuar a invadir o meu repouso, tentar-me com as tuas danças. a verdade é só esta: hoje sonhei novamente contigo e quando acordei não estavas. é um daqueles sonhos recorrentes que me crava o peito, me arranha as costa e morde a orelha. não importa quem tu amas hoje, juntamos-nos em segredo no lugar dos teus lençóis azuis com cheiro a champô. o pecado é o mesmo, mas a vontade de parar apenas diminui. o perigo representa cada vez menos perigo, à medida que cresce em nós o medo da descoberta e culmina com o nosso aproximar do clímax. eu fujo pela janela de coração trucidado pelo comboio que me afasta, abandonando-te na plataforma. amaldiçoo a falsa realidade que surge neste mundo unicamente pela imaginação das palavras. um dia estaremos juntos uma última vez e eu te prometo que partes comigo, em vida, sonho ou morte.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

de momento a tempo que volta

e o tempo,
que jamais será tempo,
se não lhe for dado tempo,
tempo para ser tempo,
tempo para crescer e passar,
tempo para começar a ser tempo,
tempo para se cansar de ser tempo
e voltar a ser um momento.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

quando éramos pequenos #6

navego por devaneios que perpetram a minha visão consciente e me encantam por mundos fantásticos, onde o tempo não é mais o presente. costumava pensar que um dia, ao crescer e, principalmente, ao amadurecer, iria entender o magnífico ser que co-habita com o meu género: a mulher. somos o exemplo máximo da relação amor-ódio, mas não trago aqui uma dessas teorias redesenhadas com o intuito de se passarem como novas. não, apenas me recordo de um pequeno episódio peculiar que pertence às páginas da minha história. havia esta rapariga, naqueles tempos do secundário, com quem eu partilhei uma bonita amizade colorida. costumava colocar-me sobre o assento da minha veloz bicicleta e pedalar até à porta dela, fizesse chuva, fizesse sol. uma vez o boné soltou-se da cabeça com o vento duas vezes e eu caí da bicicleta duas vezes, mas nada me impedia. vou ter de admitir que, como qualquer rapaz adolescente que está a descobrir as maravilhas do corpo feminino, a minha cabeça tinha espaço para albergar pouco mais. eram filmes com beijos, lanches com beijos, trabalhos com beijos, risos com beijos ou apenas beijos com beijos. e no meio de tantos beijos, o rapaz soltava a sua mão na aventura que é aquela aliciante silhueta. no entanto, certos lugares estavam repletos de sinais luminosos, sonoros e até físicos onde se podia ler claramente a palavra 'proibido'. bom, mas homem que é homem não liga a sinais de proibição, não os vê, não os lê, são chatos e aborrecidos, pois não é um ser para barreiras! é alguém mais virado para brincadeiras e os seios são tão fofinhos, pensa ele. a verdade é que a brincadeira custava-me uma boa bofetada de todas as vezes, mas valia sempre o esforço. certo dia, os dois corações batiam aceleradamente, como que se quisessem irromper do peito e alcançar as estrelas nesse mesmo dia! quis medir a frequência que ressoava no peito dela, mas temia as represálias que se verificaram no passado. espanto, que ela conduz a minha trémula mão até àquele apetecível lugar e eu senti. senti as vibrações palpitantes e senti a mama dela, tão firme e tão suave. pergunto-me desde então, será que elas nos recusam a chave dos seus encantos porque a desejamos desalmadamente? que quando a intenção é inocente somos donos de um livre-trânsito. no fundo, nem interessa. é tão bom o desafio, é tão bom o descobrir enquanto são só coisas de miúdos.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

uma nova maneira de amar

no outro dia pensei que tudo no amor está feito, gasto, reescrito, sobreposto, usado, rasgado, remendado. e se inventássemos uma nova forma para o amor, uma inovadora maneira para amar? vamos abandonar os 'para todo o sempre', negar os votos de figas atrás das costas, renegar aos 'eu, tu e mais ninguém'. hoje, aqui e em sangue proclamo o nascimento de um novo conceito de amor, que em tudo tentará ser diferente do velho cansado. largo-te a mão, em amor novo encaramos o mundo individualmente. juntamos-nos em paixão e pouco mais, em segredo e talvez não. o universo somos nós e tu és somente a minha droga alucinogénica, transportando-me em fantasia extasiante pelos mais belos segundos da existência. sou o teu escravo ocasional, onde depositas as tuas mais odiosas mágoas. somos o refúgio do nosso mundo individual, somos verdadeiros em sentimento singelo que nos une sem laço físico. acima de tudo, somos livres das amarras do amor convencional, desobstruídos das tentações luxuriantes e hedonistas. somos a manifestação mais honesta do amor em segredo, esconde-se não para mentir mas para se não corromper pelos amores deturpados que vagueiam as ruas daí. em sonho somos amor que em vida nunca teremos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

a máscara do homem sem máscara

sente por verdadeiramente sentir,
quem gente é de gente ser,
lê palavras ainda por ler,
senhor da verdade e do não mentir.

o que mais encanta é o engano,
a verdade tem pouca graça,
mas quando esta se disfarça,
eles se amam por mais um ano.

desgraçado é aquele que lá nasceu,
com a falsidade em desavença,
a verdade é uma sentença,
larga, foge de tudo o que prometeu.

passa, passa que o passado é passado,
no futuro tentaremos mentir menos,
a fazê-lo será noutros termos,
em esperança de esconder o culpado.

a máscara do homem sem máscara,
que ilude a mais vil falsidade,
só fala para falar em verdade,
é a imagem de uma voz sem cara.