sexta-feira, 7 de outubro de 2011

o rapaz com o casaco de metal — capítulo IV: morte ao herói

anabela foi a primeira a acusar benjamim. alguém capaz de se separar do seu bem mais precioso, sem importar às consequências, mais ainda o seria de fazer a outros - por quem não nutre qualquer emoção. benjamim ouviu tais palavras pela grosseira voz de um polícia, aquando da sua detenção preventiva. de facto, não havia uma alma que não apontasse o dedo, com a certeza que a autoria dos consecutivos mórbidos crimes pertencia a mais ninguém do que o estranho rapaz do casaco de metal. os seus pais depuseram contra ele. assim o fizeram todos os que o conheciam directa ou indirectamente, desde os vizinhos, professores, colegas até aos próprios avós. como sempre se revelou um rapaz peculiar, fora do normal e emaranhado em atitudes obscuras, ninguém sofreu de surpresa pelas acusações que se abateram sobre ele. temiam a sua excentricidade, desde o momento em que começou a usar o seu fantástico casaco. não compreendiam a sua genialidade, nem o professor de matemática - que era doutorado. na verdade, benjamim era - e sempre o foi - um rapaz bastante humilde, honesto e bom. pode dizer-se que a fatalidade do seu destino se relaciona directamente com a bondade e ingenuidade que residiam no seu coração. pairava sobre a comunidade a pergunta "como foi capaz de remover o próprio coração?" e benjamim intrigava-se sobre "como nunca o foram eles, que proclamam amar cônjuges, familiares e amigos, capazes de ofertar a palpitação tangível desse amor?". as palavras significam o vácuo do universo, sem acções que as materializem - ele acreditava. sobre a sua imputação de culpa, nunca teceu qualquer comentário. os interrogatórios eram preenchidos por berros unilaterais e monótonos monólogos policiais. benjamim extrapolava-se para longe do seu corpo e observava todo o circo que o rodeava. chegou a achar tal situação bastante divertida, por vezes. a comunidade reuniu-se de emergência, face ao elevado número de corações em falta. condenaram-no bem antes de se iniciar qualquer discussão. a sentença era nada mais do que a própria vida. um dos guardas encarregues da vigia sobre benjamim participou em tal agregação. a revelação da sua condição de falso coração pela anabela selou a sequência dos acontecimentos que se seguiram. não decorreram duas noites e, pela calada da noite - nunca se descobriu quem, mas toda a gente sabia bem - alguém se aproximou de benjamim enquanto descansava. dormia e nem se apercebeu que lhe desligavam o coração. pensavam ter erradicado o monstro, mas os corpos continuaram a surgir e os corações a faltar. benjamim permanece, para a eternidade, culpado do crime de amar além das fronteiras do homem, fora do alcance da compreensão humana.