quinta-feira, 2 de agosto de 2012

a ilusão do tempo e um contador de histórias

imagine-se sentado numa sala sem janelas, uma lâmpada e uma mesa rectangular com dois livros em cima. cada livro encontra-se encostado numa das extremidades da mesa. a lâmpada apaga-se e, passados alguns instantes, reacende-se. ao observar o redor, nota-se que nada mudou. a posição da mesa e dos livros permanece inalterada. quanto tempo passou? podemos dizer que toda a experiência foram duas fotografias e que, entre cada uma, passou uma unidade de tempo. mas, se nada se alterou e ignorando a acção da lâmpada, podemos considerar que ambas as fotografias são idênticas e, portanto, a mesma.
repita-se a experiência anterior excepto que, ao reacender a lâmpada, observa-se que ambos os livros se encontram empilhados e encostados a uma das extremidades da mesa. não há dúvida que os momentos anterior e posterior, neste caso, são fotografias diferentes e, portanto, não podem ser a mesma. temos a noção de diferença entre um momento anterior e um momento posterior e à diferença, ou distância, de um ao outro chamamos de tempo.
deste modo, podemos considerar que o tempo é nada mais do que uma medida das diferenças entre universos estáticos. admitindo a existência de um número infinito de universos, um por cada combinação possível de toda a materia e energia que existe. a nossa consciência funciona como um organizador que continuamente atribui uma ordem cronológica a todos estes universos, de modo a criar uma história coerente e fluída, ou seja, sem mudanças drásticas.
na segunda experiência, claramente os acontecimentos não são fluídos e, portanto, representam universos que a nossa consciência não irá relacionar directamente. entre os momentos com os livros separados e empilhados, juntar-se-ão fotografias de alguém a entrar na sala e a empilhar os livros antes de se retirar. assim, a história faz sentido e tudo parece fluído.
o famoso paradoxo do gato de Schrödinger faz-nos questionar sobre quando o que nos rodeia é um facto e não uma superimposição de estados possíveis, descritos pela equação de Schrödinger. até se efectuar uma observação, existem vários estados que podem definir o mesmo sistema quântico. no entanto, quando uma consciência interage com esse sistema, os vários estados colapsam e um só subsiste - aquele que é observado.
todo o universo é composto por matéria e energia que, no seu estado mais fundamental, se resume ao modelo padrão. um electrão na terra é idêntico a um electrão no sol e, por sua vez, idêntico a um electrão na galáxia de andrómeda. de facto, não há maneira de saber a quem pertencem se observarmos os electrões fora de contexto. o que nos permite saber que um electrão pertence ao sol é a passagem do tempo em que este fez uma viagem no vento solar e atingiu algum detector na terra que estaria a estudar esse fenómeno.
temos a sensação que o tempo é contínuo porque a nossa consciência liga todas as fotografias, que constituem o filme da vida, em sequência. seja o tempo discreto, ou seja, por impulsos e a nossa maneira de observar o universo é em nada diferente daquela num eixo contínuo. tal como um osciloscópio digital, que apresenta um sinal aparentemente contínuo sem o ser, isto porque a amostragem é feita por impulsos. seguidamente, os algoritmos do osciloscópio juntam os fragmentos e suavizam as transições. o nosso cérebro faz algo semelhante a todo o instante, quando processa a informação audiovisual dos nossos sentidos. de facto, este tratamento é obrigatório para tornar a nossa percepção de imagem e som congruente, uma vez que a velocidade do som e da luz são muito diferentes, tal como as velocidades de processamento, por parte do cérebro, da informação sonora e visual.
em toda a verdade, estamos constantemente rodeados pelo passado e o presente é apenas uma sensação. toda a informação que atinge os nossos sentidos demora algum tempo para o fazer, dado que a velocidade de propagação não é infinita (para isso o tempo tinha de ser nulo). todas as imagens que vemos e todos sons que ouvimos foram produzidos algures no passado, ora muito distante no caso dos astros, ora menos distante no caso das pessoas com quem interagimos. o nosso universo individual é um vislumbre de tudo o que já aconteceu e a janela temporal aumenta com a distância a nós próprios. o brilho das estrelas no céu é uma fotografia de como elas eram há milhares de anos atrás, algumas das quais já nem existem. de certa forma, tudo é eterno. a imagem do nosso sol irá continuar a propagar-se pelo universo, muito depois da humanidade cessar de existir.
o tempo é uma consequência do aumento da aleatoriedade total, ou entropia, do universo. o facto de o número de estados possíveis para a matéria e energia aumentar, ou o número de universos parecidos com o nosso e que diferem na posição de um electrão, por exemplo, uns dos outros, faz com que seja necessário criar uma ligação. essa ligação é o que chamamos de tempo e é divergente, uma vez que, para cada estado possível de uma partícula, existem todos os estados possíveis das partículas que interagem com ela e cada consciência cria a o seu caminho através deste emaranhado de universos. contudo, consciências próximas devem influenciar-se mutuamente. se chover numa determinada cidade, varias testemunhas irão afirmar que esse fenómeno metereológico aconteceu a uma certa hora.
o que rege a evolução do universo tal como o vemos? um contador de histórias, um algoritmo num supercomputador, uma consciência global, uma entidade superior - um deus, em certas crenças religiosas, o puro acaso ou a tendência para o estado de energia mínimo. o tempo pode ser uma ilusão, pode ser multidimensional ou ainda mais bizarro. eu só sei que, se me faltasse, não divagava tanto.