sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

mafalda

eis um homem que se esconde por gosto,
por medo, vontade e total fraqueza,
tem olhos indignos à tua beleza —
coração vítima de fogo posto.

é incapaz de abandonar o covil,
deixar entrar a luz da tua imagem —
os sonhos roubam-lhe toda a coragem
que, um dia, teve p'ra ser alguém gentil.

só tu és a musa da eternidade,
rainha sobre a minha paixão voraz —
condenas-me à devota castidade!

um dia, serei esse homem capaz
ou temo sucumbir à insanidade,
que a falta desse amor... me putrefaz.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

o porquê da relatividade

a teoria da relatividade de Einstein assenta em alguns postulados. um desses postulados simplesmente diz que existe uma velocidade limite para tudo no universo e essa velocidade é a velocidade da luz no vácuo. um consequência directa deste postulado surge quando algo, além da luz, tenta atingir essa velocidade. o que acontece é que o tecido do espaço vira contorcionista e contrai-se, enquanto que a linha do tempo também entra no jogo dos artistas de circo e dilata-se. porquê? bom, o espaço e o tempo comportam-se assim para impedir que a lei seja violada. é pura e simplesmente um truque sujo do nosso universo, que gosta de brincar aos polícias.
no entanto, é fácil encontrar uma desvantagens para a instantaneidade. imagine-se que a própria luz poderia viajar a uma velocidade superior, quiçá infinita. então, a luz de todas as estrelas do universo sufocar-nos-ia - na verdade, estorricava-nos!
eu vou partilhar um segredo, que mais ninguém sabe. existe, no nosso planeta, uma rapariga tão bonita, que todas as estrelas do universo atiram luz, constantemente e em todas as direcções, na esperança que cheguem até ela. o universo, por sua vez, para proteger este seu bem tão precioso, estipulou uma velocidade limite para os presentes das estrelas. todas podem contribuir com as suas ofertas, mas por ordem das que estão mais perto de nós para as que se encontram mais longe. desta maneira, ninguém lhe fará mal.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

deu-me um sorriso

hoje, nada mais importa,
como a vida me engana
ou o mundo se comporta
nesta vil paisagem urbana.

ia convencido, eu, das intrigas
que me asfixiam pela alvorada -
fazem-se passar por amigas
e esquartejam-me na almofada.

quando ela passou por mim,
passou por mim e sorriu
como quem cede, diz que sim
e, num instante, se sumiu.

devolvi-lho de volta,
não o dela, mas o meu,
afinal nada me falta
e a tristeza desvaneceu.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

a inércia do amor

por ser, quiçá, tão banal, ninguém pensa devidamente no assunto. tomam-no como um pilar do universo, que existe, tem a sua função e desde que a cumpra, ninguém se lembra sequer que está lá. a verdade é que o amor possui inércia e é directamente proporcional à vontade de amar. quanto maior for a nossa ansiedade, maior é a inércia que lhe diz respeito e maís difícil se torna de ultrapassar. é simples de entender, com um exemplo. quando existe alguém que não larga o nosso respirar, a nossa imaginação e constantemente invade os nossos sonhos, temos de nos obrigar a abrandar. se avançamos com toda a vontade do coração, atropelamos tudo e resta apenas um amontoado indiscernível de coisas pontiagudas no chão.
quando se gosta de alguém, tem de se dar a conhecer a essa pessoa. há que fazê-lo na dose certa e essa margem é extremamente pequena. se a quantidade usada for pouca, nunca pensará que é amor e, se a quantidade for excessiva, temerá tratar-se de obsessão. a verdade é que o motor de um amor queima sempre o mesmo combustível, o que difere é o quão bom somos a controlar o ruído que faz. deve ser suficiente para chamar atenção e plantar uma semente de intriga, não mais e não menos. isto é a inércia do amor, porque quanto maior for, mais difícil é de conter o ruído deste motor interno a que chamam coração.
é mundano fazer a corte a alguém, simultaneamente uma arte e uma ciência. há quem o faça bem, naturalmente como respirar e há quem nem saiba por onde começar. aquela margem que dita a dose certa de galanteios continuados é tão nítida para os primeiros, como uma fita negra sobre um fundo branco e tão baça para os segundos, como as ruas de uma cidade que nunca viram.
o mais cruel de tudo é ter de acorrentar o próprio coração e atirá-lo para a solitária, privar-lhe o sol e qualquer contacto humano. cinco minutos de liberdade por dia são o suficiente para manter a dosagem correcta. no fim, o que resta é esperar... esperar que o soltem para cometer os actos mais tresloucados de amor ou se esqueçam dele e o deixem para morrer.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

solidão

a solidão é o pijama da minha alma,
as vestes do maior conforto que possuo,
só a sua escuridão me acalma
quando, no medo de avançar, recuo.

o prólogo foi mais do que vago,
falou de mudo para surdo ouvir,
como um livro de gosto amargo
com palavras difíceis de engolir.

em verdade, é o epílogo que receio,
o funeral do valente herói
cuja valentia era só o paleio
de um coração que já não dói.

a culpa de toda esta amargura
atribuo ao indomável aleatório,
que arrancou de mim a alma pura
à troca de um triste velório.

escolho ouvir a escala menor,
rejeito o resto como ruído,
morrer será bem melhor
do que viver assim — contido.

a morte é um beijo de boa noite,
um aconchegar de cobertores,
o prazer elevado ao limite
da soma de todos os amores.

sábado, 8 de dezembro de 2012

o poeta

o poeta canta os seus azares
com a manha que lhe apetece
e, se vierem aos pares,
acima de catástrofes os enaltece.

o poeta é um homem amargo,
que sofre pelo prazer de sofrer,
a felicidade é só um embargo
à sua vontade de escrever.

o poeta é uma página branca
que anseia por inspiração
e, do lado de fora, tranca
o que lhe vai no coração.

o poeta não sabe sentir,
finge o que os outros sentem
e escreve bem, a mentir,
os sentimentos de outrem.

o poeta morre ignorante
numa poça da sua apatia,
sem saber que o importante
é ignorar a agonia.

o poeta tem uma valsa,
um ritual para escrever,
quando a tristeza é falsa
mais vale deixar morrer.

sábado, 1 de dezembro de 2012

beber para esquecer

lembrei-me da apagar os feitiços da cabeça,
depois de beber à saúde da condessa.
bebo em solidão, este trago amargo
arranha-me as entranhas e não o largo.

um pouco mais forte, duplo se puder,
espero levantar-me e cair para morrer.
não há uma alma que escape à miséria
e a minha só é mais outra galdéria.

o meu braço, de beber, já cansa,
para cima e para baixo nesta dança
que ecoará por toda uma vida.
oh, sorte! não haverá outra saída?

visão turva, os contornos distantes...
porque não fomos mais cedo amantes?
o mundo é belo envolto em nevoeiro,
um navio naufragado apresenta-se inteiro.

tive esta alegria ao ver-te cheio,
um trago, dois e já vais tu a meio.
senta-te comigo, bebe-te e escreve
a voz deste homem que tanto deve.

por dever ao mundo, afogo a memória
que, um dia, provei da fama e glória.
as lágrimas valem-se num copo fundo,
esvazio-as dentro deste corpo imundo.

um último, por favor, para a viagem!
quem sabe se até lá chega a bagagem...
com o bilhete na mão e o destino traçado,
só falta mesmo cair para o lado.

a garrafa ajudou por mais um dia,
amanhã espera-me a mesma agonia.
eu bebo e bebo para esquecer
que esta vida tem o dom de doer.