segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

o rapaz sem sono

algures no mundo, um rapaz não conseguia dormir. pensou para si mesmo "vou escrever uma história sobre um outro rapaz que também não consiga dormir e, talvez, isso me traga algum cansaço merecido."
terminou de escrever o primeiro parágrafo, quando ouviu um ruído na janela do seu quarto. não deu para perceber o que era, de tão rápido que foi, mas chamou-lhe a atenção. nesse momento, parou de escrever e olhou atentamente em seu redor. tudo estava calmo e nada parecia suspeito. a escrita prosseguiu.
não foi preciso mais do que outro parágrafo e o estranho ranger à janela voltou a distraí-lo. o rapaz que não tinha sono, estava a ficar inquieto e nada parecia estar a ajudar. levantou-se, decidido a descobrir a fonte da sua perturbação. abriu a persiana e depois a janela e o que viu alterou a direcção do seu destino. era um pequeno corvo que debicava na sua janela.
o rapaz deixou o pássaro entrar no seu quarto. a pequena ave deu duas voltas em torno do candeeiro e deixou cair um pedaço de papel, antes de se empoleirar em cima do guarda-fatos. não há falta de emoções, agora é a vez da curiosidade. desembrulhou o emaranhado de papel e descobriu uma mensagem, escrita com uma letra cuidada e bonita — era uma mensagem de alguma rapariga, sem dúvida!
"desde o primeiro instante em que abandonaste o lugar ao meu lado, não houve um outro em que não me tenhas invadido a memória com a fúria de um tufão. sei que não aguentas muito daquilo que sou e pela milésima vez imploro o teu perdão. apercebi-me que uma vida sem ti é uma vida desperdiçada. por mais que tente fugir, as tuas memórias acabam por me apanhar. imagina a terra que anseia a chuva do outono após um verão abrasador. responde-me, é fácil para ti esqueceres tudo de mim?"
um silêncio de morte invadiu o coração do pobre rapaz que pensava ser impossível haver maior silêncio do que aquele que importunava o seu sono. não foi capaz de ignorar o apelo da pobre rapariga e escreveu-lhe uma mensagem de volta, fazendo-se passar pelo seu amante.
o truque funcionou, talvez a felicidade de poder ignorar o abandono a tenha cegado, mas nunca desconfiou que não se tratava do seu amor. era apenas um outro rapaz, um rapaz que nada tinha para fazer à noite além de esperar o sono. as suas noites continuaram em claro e o pássaro de negro continuou a transportar mensagens para trás e para a frente.
o rapaz sem sono apaixonou-se e a rapariga recuperou o amor que se havia perdido nos recantos esquecidos do seu coração. um dia, o rapaz pediu para se encontrarem. ia revelar a verdade, pois não conseguia mais viver sem o toque físico daquela pessoa que o havia mantido acordado tantas horas a fio. a rapariga ansiava tal pedido, mas nunca tomou iniciativa por medo de mais uma rejeição.
o dia chegou e o rapaz não pregou olho a noite inteira, chegou duas horas adiantado e o seu coração acelerava sem limite, contra as próprias leis da natureza! ninguém sabe ao certo o que aconteceu, quando ela chegou. formaram-se mitos e lendas em torno desse evento, mas eu vou partilhar aquele que eu sinto ser a versão mais próxima da verdade.
a rapariga chegou e procurou o seu amante. não o encontrou, apenas estava presente um rapaz de cabelo despenteado e com umas olheiras do tamanho do mundo. ele contou-lhe toda a verdade, desde a primeira noite em que o corvo o visitou. contra tudo o que ele esperava, a rapariga sentiu-se enganada e não aguentou a dor de um coração novamente quebrado. correu para a berma da ponte que une as margens do rio e atirou-se contra o fundo rochoso.
o rapaz ficou chocado com o que viu. não só rebentou o seu coração, como a culpa que sentia no destino da rapariga o consumiu como uma labareda infernal e também ele se jogou ao encontro da morte.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

caiu marota

senti um desejo crescente em mim,
como o brilho ténue de uma criança
que me lembra a razão porque vim
é pouco mais do que vã esperança.

se essa esperança for destroçada,
espero incessante que a noite durma
até que o primeiro raiar da alvorada
faça sumir de mim esta bruma.

a bruma instalada é espessa e fria,
que com um toque me gela o olhar
e só a luz do teu sol em demasia
me guia até ao teu trono lunar.

a própria lua não te é fiel em beleza
e pouca justiça faz ao teu nome.
não me galardoarás com gentileza
um só beijo para saciar a fome?

tanto melhor, se o beijo for cruel,
que me encha o coração de medo.
como servo sempre te serei fiel
e como amante um eterno segredo.

sábado, 2 de novembro de 2013

soubesses

não quis que soubesses, que o que eu sei é vergonha para mim e mais ninguém.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

eu, quanticamente falando

achei engraçado, agora que ando nisto de aprender mecânica quântica, tentar descrever-me usando a notação de Dirac. ou seja, em termos dos \( \mid ket \gt \) e dos \( \lt bra \mid \).
em toda a verdade, o que eu quero tentar provar é que a minha vida é miserável, porque a projecção da função de onda que descreve o universo em mim assim o implica.
um exemplo primeiro, para começar: se uma função de onda for \( \mid \Psi \gt = a \mid 0 \gt + b \mid 1 \gt + c \mid 2 \gt \), então a projecção desta em \( 0 \) é \( \lt 0 \mid \Psi \gt = a \).
se pudermos descrever a função de onda da pessoa \( i \), numa determinada base \( \{ \mid Sorte \gt , \mid Azar \gt \} \), tal que: \[ \mid \Psi_{pessoa_i} \gt = \sqrt{p_i} \mid Sorte \gt + \sqrt{q_i} \mid Azar \gt \] onde: \[ p_i = probabilidade\:da\:pessoa\:i\:ter\:Sorte \] \[ q_i = probabilidade\:da\:pessoa\:i\:ter\:Azar \] temos que, no caso de uma pessoa qualquer: \[ \lt Sorte \mid \Psi_{pessoa_i} \gt = \sqrt{p_i} \] \[ \lt Azar \mid \Psi_{pessoa_i} \gt = \sqrt{q_i} \] e as probabilidades respectivas são \( p_i \) e \( q_i \), tal que \( p_i + q_i = 1 \).
vamos então calcular o que se passa com a minha pessoa, cuja função de onda é: \[ \mid \Psi_{João\:Pestana} \gt = 0 \mid Sorte \gt + 1 \mid Azar \gt \] a probabilidade de eu ter sorte: \[ \mid \lt Sorte \mid \Psi_{João\:Pestana} \gt \mid^2 = 0 \] e a probabilidade de eu ter azar: \[ \mid \lt Azar \mid \Psi_{João\:Pestana} \gt \mid^2 = 1 \] espero ter conseguido demonstrar que a minha vida é miserável, porque a função de onda assim o obriga. vamos apenas admitir que \( \mid \Psi_{João\:Pestana} \gt \) é um postulado, sucessivamente comprovado pela experiência.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

tu primeiro

não me respondeste, outra vez,
àquela pergunta que te não fiz.
e assim passou um outro mês
sem te dizer o que sempre quis.

foste saudada e paquerada,
por todos com quem te cruzaste
e desses olhos de bela amada
nem uma lágrima choraste.

quero que sejas bruxa vidente
e que te refugies numa gruta,
onde afugentas toda a gente
que te ama sem dar luta.

eu sou orgulhoso de natureza,
jamais direi que te amo
sem muito antes ter a certeza
que vens quando te chamo.

terça-feira, 23 de julho de 2013

homem morto

há tempo que passa sem passar,
como quem chega à meta
sem largar o lugar da partida,
é um olhar sem olhar
para esse passado atleta
que nos alcança sem guarida.

eu sou já um homem morto,
por nada ter que me garanta
um lugar por entre o vivo,
nem esse cálice de vinho do porto
que me escorre pela garganta
até ao peito já sem cultivo.

vale-me esse amor que tenho,
por nada mais haver para dar
além deste corpo já não meu,
é só mais um entre o rebanho
que imita esse dom de respirar
de outro alguém, que não o seu.

a noite tarda em tardar,
por chegar bem antes do convite
no vestido negro remendado,
talvez esteja já eu a sonhar
com o beijo da morte me levite,
essa rainha do meu reinado.

terça-feira, 21 de maio de 2013

coisas que ela diz (e eu gosto) #6

(enquanto me encontrava longe)
- sim, tudo custa mais sem ti aqui.

domingo, 19 de maio de 2013

sobre mim

há algumas coisas que, talvez, ainda não sabes sobre mim. gosto de árvores solitárias, porque se aguentam sozinhas no meio de nenhures. gosto das manhãs e madrugadas, com nevoeiro, de preferência. gosto que me chames amor, especialmente se o fizeres sem querer. gosto que te aninhes em mim, me abraces, mordisques e beijes. gosto que me beijes o pescoço, sim. à semelhança do nosso universo, há quatro pilares sobre os quais assenta a minha existência. são as coisas que mais prazer me dão: estar contigo, fotografar, cozinhar e matematicar. gosto do pôr-do-sol, da lua cheia, de churrascos, um dia de chuva passado em pijama e fogueiras. gosto de explorar o mundo urbano e rural, descobrir e redescobrir. gosto de fazer surpresas às pessoas que são importantes e de agradar os outros. gosto das letras minúsculas, de rock 'n roll e cabelos compridos. gosto de Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa e Lewis Carroll. gosto de rios e t-shirts, sapatilhas e tocar guitarra. gosto de cinema, história e arqueologia, política, economia e pensar. gosto de silêncio e vazio, fruta e bacalhau. gosto de fazer grandes viagens e planear e organizar, um bom negócio e aventuras quotidianas. gosto de me perder, ainda que seja difícil - tenho bom sentido de orientação - e de andar de comboio e bicicleta. gosto de muito que não me lembro, tal como sofrer por amor e ver sorrisos desconhecidos. no entanto, o que mais gosto - acima de qualquer coisa - é de amar.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

fica

eu sei que tens medo.
eu sei que queres fugir, deitar tudo a perder.
eu sei que sentes o mundo a desistir, o tempo a reduzir, a voz a partir...
eu sei que ontem já não volta e o amanhã está demasiado longe.
o que temos é o presente e pode sempre ser enfeitado com poemas, cantigas, sorrisos, olhares, partilhas, cumprimentos, agradecimentos, arrependimentos...
porque o dia dos outros é melhor contigo, fica.

domingo, 12 de maio de 2013

alucinação

tenho pouco tempo para isto,
nem sei bem o que dizer,
mas, no pescoço, cresce um quisto
que dói. dói apenas por doer.

não gosto de passado,
o que lá vai, lá vai,
sei que sou o primeiro culpado
dos buracos onde a mente cai.

não há mais e estou vazio
onde nunca houve muito sequer,
talvez seja um simples arrepio
ou a pétala de um malmequer.

não quero sair, não me forces,
que o faço pelo sacrifício em si
e não pelas palavras que torces
para que eu possa acreditar em ti.

às vezes, falo por falar,
quem não me conhece, sabe-o bem,
como uma bola de sabão no ar
que voa por aí e mais além.

há muito que isto não acontecia,
sem pensar, debito as palavras
- a minha insanidade em demasia,
pelos poemas que nunca acabas.

hoje, estou de tudo por tudo,
continuava até nascer o sol,
mas algo me chama, estou surdo
e vou-me como peixe no anzol.

espero que um dia seja amor,
esse que vejo e nunca provei,
quando souber esconder melhor
o nome da cor que nem eu sei.

isto é abstracionismo puro,
que nada tem a ver comigo,
como o outro lado de um muro
que me separa do perigo.

o tempo esgotou-se aqui agora,
ainda bem! digo-o como em miúdo,
porque o vazio roubou-me a hora
em que toquei o teu vestido veludo.

falei de mais e nada disse,
sabia bem que tal ia acontecer,
tal como a pequena alice
que sonhou para desaparecer.

domingo, 5 de maio de 2013

coisas que ela diz (e eu gosto) #5

(um sussurro à tarde, no jardim, durante um jogo de uno com amigos)
- tenho muita sorte em te ter.

sábado, 4 de maio de 2013

vamos falar de nada e coisa alguma

há dias em que escrevo muito, há dias em que escrevo pouco. há ainda aqueles dias em que escrevo puramente por escrever, sem nada ter para dizer, apenas pelo simples prazer de algo branco preencher. e eu pergunto para mim mesmo, será isso algo digno de se escrever? eu acho que sim. quem sabe, mais tarde, alguém não vai analisar e dissecar cada palavra meticulosamente, encontrando significados que nunca estiveram lá. é a arte de criar vazio e dele fazer surgir uma imensidão de ideias sentidas que nunca foram pensadas. talvez, só talvez, precisemos do vazio de outro para encontrar o nosso conteúdo. o que é um imenso nada para uns é, muitas vezes, tudo e mais do que tudo para um outro qualquer. tudo o que escrevi em tantas linhas, facilmente se resumia numa curta frase. no entanto, é no espremer da temática - quando se ataca um assunto a partir de todos os flancos possíveis - que se encontra, em alguma versão do mesmo, o significado. nem todos interpretamos de maneira igual e uns requerem um tipo de explicação mais pormenorizado e cheio de paciência, ao contrário daqueles a quem duas palavras mal marteladas são suficientes para explicar toda a essência de algo. olhem só para mim, quão fácil me ponho a divagar sobre coisa alguma.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

coisas que ela diz (e eu gosto) #4

(a passear pela cordoaria no porto)
- give me a kiss!

terça-feira, 30 de abril de 2013

o último poema

uma arma, é tudo o que tenho.
o que possuo não é meu
e o meu reflexo é-me estranho.
o que foi que aconteceu?

encosto à testa ou ao peito?
esse é o meu único dilema.
até para respirar perdi o jeito,
quanto mais para um poema!

as minhas últimas palavras
serão sempre para ela,
sobre essas noites passadas
entre o prato e a tigela.

eu sou louco e moribundo
e procuro algo melhor,
digo tanto adeus ao mundo
que quase o faço de cor.

tenho preso mais um beijo,
a entupir-me a traqueia.
lá no seu esconderijo,
nem parece que chateia.

estou sem ela para o libertar
e o tempo não perdoa,
não me peçam para ficar
quando ficar me magoa.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

coisas que ela diz (e eu gosto) #3

(uma mensagem inesperada)
- estou cada vez mais e mais apaixonada por ti. sim.

terça-feira, 16 de abril de 2013

meu nevoeiro envolvente

és o nevoeiro que tanto eu prezo,
esse fusco ser que anseio pela manhã.
envolves-me num abraço húmido e frio,
irritas-me a pele e estremeces-me por dentro.
ainda que me roubes o calor da noite,
ainda que turves a minha visão do infinito,
eu sei que te desejo com a vontade de um sonho.
apareces quando menos te espero
e eu corro empecilho para os teus braços,
entre trambolhões e faltas de ar,
nas piores vestes que possuo.
corro para ti com o suor dos pesadelos
e o fedor ao medo irracional do sol,
esse tirano que te diluirá para longe de mim.

tu és o meu nevoeiro permanente,
aquele que mil sóis não conseguem derreter.

terça-feira, 9 de abril de 2013

obsessão ou amor de perdição

estou obsecado, sim ou não?
perdi, de mim, toda a razão.
espero que tu o possas ver,
eu não sei e jamais quis saber.

neste amor de perdição doce,
sonho o que queria que fosse:
uma e uma só noite roubada,
acordar contigo de madrugada.

o silêncio dos teus olhos fere mais
que a ausência de palavras banais.
só tenho a dizer, em minha defesa:
o que mais me dói é a tua tristeza.

as minhas, tu conhece-las bem,
são as chagas de um zé ninguém:
um comprimido que custa engolir,
mas, quando cai, lá dá para sorrir.

estou obsecado, é possível que sim.
se não por ti, pelo teu cheiro em mim,
talvez ainda pelo calor da tua pele
ou quiçá esse teu leve travo a mel.

amor de perdição, penso ser isso,
encantado sob um eterno feitiço.
afasta de mim essa vil cura,
que de certo me empurrará à loucura!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

a noite que fugiu

a noite cobre-me o corpo lentamente, como a sombra de um objecto invisível que esconde o raiar do dia. nem dou por isso, apenas quando já é tarde demais. ouço o cintilar da escuridão e os murmúrios de um silêncio que invadiu a minha mente. fala como se fossemos amigos de longa data e relembra memórias que eu não partilho. invento uma desculpa qualquer, quanto mais ridícula melhor, para me afastar de uma conversa sem palavras. sou melhor a falar com os olhos. digo o que sinto na mais pura honestidade, mas esta minha fraqueza é facilmente escondida no sonho de um sono, sob o manto dessa senhora de negro que me abraça com um toque gélido. ainda agora chegou e diz que é para ficar e eu desejo profundamente que jamais parta. só que este afecto rouba-me o calor do corpo, sinto o sangue a engrossar e o pulsar da vida a desvanecer. quero algo quente, por mais efémero que seja, sem que ela abandone o meu lado. quero uma lembrança da outra vida, sem ter que a repetir. sei que quero o impossível, mas é isso mesmo que eu quero: o impossível. tenho todas as oportunidades ao virar da esquina e rejeito-as uma por uma, sem dó ou piedade. eu desejo a noite, essa mulher pálida que me esfria. uma vez mais, ela abandonou-me num desejo por consumar. sinto uma luminescência a beijar-me a face e sei que um dia inteiro terá que acontecer, antes de lhe soltar os meus olhos novamente. acordei.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

coisas que ela diz (e eu gosto) #2

(depois de lhe perguntar se gostava de conhecer arashiyama)
- vou a todo o lado contigo.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

um bom dia para si também

hoje, às 9h07 da manhã, recebi uma mensagem no telemóvel que dizia o seguinte:
Bom dia carolina sou eu a claudia olha tu tens possibilidades nao é que queira abusar mas tem possibilidades de trazer a cadelinha a alfeizerao?
transcrevo literalmente o que me chegou. não foi a primeira vez que recebi uma mensagem de um número desconhecido, mas hoje estava de muito bom humor. após uma pesquisa rápida, descobri que a freguesia de alfeizerão situa-se no concelho de alcobaça. decidi responder:
Bom dia, claudia. Não sou a carolina, o meu nome é joão.
pensei que, no lugar da outra pessoa, também gostaria de ser informado do engano ao invés de ficar à espera de uma resposta que nunca chega. a conversa continuou:
Mas deram me este numero? :o
com um ícone representativo de alguém estupefacto, claro. eu só consegui salientar o óbvio:
Talvez se tenham enganado num digito ou assim.
pelo que obtive uma nova resposta:
Secalhar fui eu qe me enganei! :s desculpe. Obrigado
uma vez que o assunto ficou resolvido e eu estava bastante feliz esta manhã, não me contive e quis partilhar o meu entusiasmo pelo começo deste novo dia:
Ora essa, não tem de quê. Tenha um bom dia.
e recebi um desejo semelhante do outro lado:
Obrigada e igualmente. Vou apagar entao este numero.
espero que a cláudia tenha conseguido contactar a pessoa certa e que a cadela esteja agora num bom lugar. se todos fossemos mais simpáticos uns para os outros, especialmente com desconhecidos, talvez os bons dias fossem mais comuns e menos gente tivesse medo de sair da cama de manhã para enfrentar o mundo.

sábado, 30 de março de 2013

boa noite

boa noite, dorme bem,
sonha com aquele — tu sabes quem.
acordas sem ele, mas ele não tarda
e, numa destas manhãs, está à tua porta.
nesse dia, tens cinco minutos para sair,
estejas bem vestida ou toda torta.
vais receber: um beijinho curioso, um pequeno-almoço,
um principe charmoso e muito guloso,
um abraço matinal, um beijinho sem sinal
e um "até já" no final.

boa noite, dorme bem.

domingo, 24 de março de 2013

um pouco de humildade

eu, esse ser mesquinho
que tinha por hábito
desprezar tudo o que existe,
vim a descobrir que
muitas são as vezes
em que realmente existe
o sonho, esse sonho
que jamais poderia ser
mais do que um sonho.

eu, esse ser arrogante
que tomava por certo
ser maior do que os outros,
dei por mim a sofrer
por algo tão comum
como sofrem os outros:
angústia, mágoa e tristeza...
...e o amor - por amor,
dói bem sofrer por amor!

quarta-feira, 20 de março de 2013

coisas que ela diz (e eu gosto) #1

(entre conversas sentimentais)
- tenho medo.
- tens medo de quê?
- tenho medo que me troques por um rapaz mais giro do que eu.
- se eu te trocar por outro rapaz, apenas por ele ser mais giro do que tu, não estás a perder grande coisa.

terça-feira, 12 de março de 2013

ter medo de ter medo

sei que as palavras ferem, mesmo boas,
que se esgota a paciência sem limite,
sei que este mundo onde me isolo é triste
e na minha frieza me amaldiçoas.

temo o dia que tomo por mais de certo,
escondo a cara da vergonha infame,
recuso aparecer a quem me chame,
temo perder-te depois de tão perto.

ainda as palavras apaziguadoras
ecoam p'lo negro fundo da minha alma,
já tanto me aflige o passar das horas.

nunca antes aclamado por ter calma,
desejei ter p'ra mim quaisquer melhoras
além do doce toque da tua palma.

domingo, 10 de março de 2013

prometo

vou viver todos os meus dias para te fazer feliz, até ficar sem dias para viver.

quarta-feira, 6 de março de 2013

rainha do meu coração

já não sei quem foi (ou o quê)
que me deixou neste estado lastimável,
se foi o tempo que passou (passou porquê?),
se foi a última palavra amigável.

os dias atropelam-me, um a um,
com a pressa de atingir primeiro o fim,
mas o fim chegará em dia nenhum,
o mesmo dia em que ela sairá de mim.

resta um só vestígio no fundo
dessa emulsão que dançava por aí,
nunca soube nada do mundo,
nem as gentes que tem eu lhe vi.

já sei quem foi, já me lembrei
da rainha do meu reino de mágoas
que, por um dia, me deixou ser rei
antes de me atirar ao abismo das águas.

as gotas atropelam-me, uma a uma,
com a pressa de me afogar em vão,
vem que o amor que aqui se assuma
não mais temerá implorar perdão.

sobra-me uma só réstia de esperança
que a morte me tenha em boa estima,
guardo no sótão da minha lembrança
essa paixão da qual fui vítima.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

saudade

nessa cabeça, mais de mil histórias
ficam por contar — perdem-se por aí —
nunca se puderam tornar memórias,
nem nunca a triste sombra eu lhes vi.

nesta minha cabeça, sei só eu
os fantasmas que falam em gentil,
um a um, sussurram "o tempo morreu"
anunciando a vinda de outros mil.

há esse teu sorriso que cura tudo
e me cobre de orvalho matinal,
quando chega em vestido de veludo.

enquanto a ferida não é fatal,
de tantos homens, sou o mais sortudo
porque a distância nunca foi real.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

como as outras, em nada igual

tens olhos, como todas as outras,
castanhos, envolventes e esbugalhados.
sei que os usas como as outras
e que choras com eles fechados.

penso usurpá-los enquanto respiras
para espantar de vez as minhas iras.

tens lábios, como todas as outras,
carnudos, apetecíveis e solitários.
sei que os usas como as outras
e que os guardas em sete armários.

quero conquistá-los todos os dias
e ouvir as histórias que deles dirias.

tens mãos, como todas as outras,
suaves, delicadas e pequenas.
sei que as usas como as outras
e que acreditas serem de penas.

vou acorrentá-las ao meu peito,
a liberdade já não lhes é por direito.

tens cabelo, como todas as outras,
liso, escuro e bom de cheiro.
sei que o usas como as outras
e que enfeitiças o feiticeiro.

a mecha que guardo leva-me à demência
e o coração suplica por clemência.

tens noites, como todas as outras,
gélidas, negras e assombradas.
sei que as usas como as outras
e que acordas em vestes rasgadas.

desses cortes, sou o único culpado
de empunhar o punhal dourado.

procurei, sem descanso, de monte em vale,
para te encontrar na madrugada
e ainda que, em tudo, sejas igual,
eu não te trocava por nada.

assim como são diferentes todas as mães,
igual é apenas o nome das coisas que tens.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

palavras ocas

já não sei sobre o que escrever. sinto que já escrevi tudo sobre tudo e ainda não disse nada, como se toda a história da humanidade pudesse ser moldada numa só palavra e essa pertencesse a um dialecto que ninguém entende. o que importa todo o fantástico embelezamento se ninguém percebe? por vezes, preferia ser rude. se eu fosse rude diria tudo sem papas na língua; ainda que pudessem odiar o meu calão e ridicularizar a minha ignorância, seria compreendido. ao invés, nasci com mel no coração, que me entope as veias com grumos de cada vez que bate mais acelerado. acontece-me todos os dias, várias vezes até, e eu tento explicar da melhor maneira que consigo. tem dias que nem eu me entendo e este é um deles.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

saberei, noutro dia que não hoje

sigo por sombras, com o medo atrás,
olho para trás e vejo sombras.
quero e não quero,
sei e não sei,
alguém me leve para longe daqui
e lá de longe, bem de longe,
me traga de novo aqui.

é um caminho tão certo quanto incerto,
sigo correcto ou nem lá perto.
acelerado e parado,
a fugir e a ficar,
a sombra pede-me para ficar
e o sol seduz-me à liberdade
que me implanta a vontade de ficar.

escuto vozes, ora doces, ora tenebrosas,
uma só a duas vozes.
encantam-me e espantam-me,
são amigos e inimigos,
planeiam a neutralidade sobre mim
e o meu peito desmilitarizado
desobedece à vontade em mim.

declaro guerra pela hora da alvorada,
hasteio o branco ao crepúsculo.
ganhar e perder,
morrer e viver,
digam-me o quanto me engano
e tudo o que vem é silêncio,
porque tudo é igual e um engano.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

a boneca de trapos

numa noite terrível, terrível noite de luar,
entre o pó do sótão eu estava a tramar
a derradeira armadilha à minha solidão.
talvez, um dia, os outros entenderão
que, por mais de vinte anos, esperei por ti
e o som da tua voz eu nunca ouvi.
fiz uma boneca de trapos, a partir de velharias —
esquecidas no sótão e já viram melhores dias.

"nunca mais só!", quantas vezes ao ar
eu repeti e repeti até arfar?
instaurou-se uma festa em todo o meu redor
e deliciei-me naquele cenário de horror:
a tempestade arrancava árvores pelas raízes
e o meu coração, carregado de cicatrizes,
ansiava pelo beijo da boneca sem vida,
que me fitava com uma expressão entorpecida.

a noite lá me trouxe um óptimo regalo:
relâmpagos intermitentes num fixo intervalo.
liguei os cabos ao ferro no telhado,
a chuva garantia que estava bem ensopado.
eu pensei e pensei, na minha lúcida demência,
ser capaz de criar uma artificial consciência.
no pescoço da boneca, acrescentei dois pregos,
enquanto me sobrevoava um bando de morcegos.

a corrente eléctrica fluiu do céu até mim
e eu esperneei-me num autêntico vil frenesim.
os sentidos abandonaram-me à própria desgraça
e a razão, por sinal, é também escassa.
o zumbido das palavras exclamadas em vão
desvanece para se tornar nada mais que ilusão.
resta-me a memória daquela boneca que fiz
e sinto que a vida se segura por um triz.

agora sim... finalmente, foi-se tudo!
não só fiquei cego, mas também surdo e mudo.
o sistema nervoso deixou de me responder,
tudo me dói, mas nem me sinto tremer.
desejei ter algo construído à tua imagem
para me conseguir acalmar e dar alguma coragem,
mas a boneca de trapos apenas me enlouqueceu
e tudo o que havia em mim... simplesmente... morreu.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

a minha primeira publicação

não tenho por costume sair de trás da cortina da ribalta, sou mais como o titereiro, a puxar as cordas na sombra e é assim que me sinto confortável. no entanto, acho que este facto merece alguma atenção. nem sei como hei-de catalogar esta mensagem, mas acaba por ser uma história do nosso quotidiano.
um dos contos em verso que escrevi, mais concretamente "o rapaz desmembrado" foi publicado na primeira edição da girazine. sugiro que procurem, na página 21, uma vez que está acompanhado de uma fantástica ilustração do Wilfred Hildonen. a publicação está disponível online e na íntegra aqui.


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

sou a tua sombra

estou só, em completa escuridão
e acabei de rever a tua imagem,
cheguei a temer pela própria vida!
por um triz, não se irrompeu o coração
para começar a eterna viagem
que termina na tua cara conhecida.

sou um homem que pede pouco.
permite-me libertar esta agonia,
já tanto me custa sair da cama...
só eu sei que não estou louco,
é esse teu sorriso em demasia
que me continua a alimentar a chama.

prometo jamais te importunar,
na rua trocarei o meu sentido
e os meus olhos nunca tocarão os teus.
o meu amor encontrará um lar
onde esperará para ser abatido,
quando a felicidade chegar no adeus.

eu amo-te a sussurrar ao vento,
da montanha mais alta do meu peito,
palavras feitas do mais doce mel.
esquecer é tudo o que em vão tento,
porque nem para morrer tenho jeito,
quanto mais para empunhar um anel!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

sentidos

as cores vestem-se de igual,
vejo padrões de curvas e rectas
dispostos de um modo banal,
como quem segue por setas.

as vozes não me dizem nada,
doces, graves ou imperiais,
oiço a paisagem estagnada
em silêncio a gritar por mais.

o toque é uma ilusão pura
na minha pele feita de aço,
não sinto calor ou frescura,
tudo o que sinto é cansaço.

o vil cheiro desta besta,
demónio na minha alma,
é o único aroma que resta
cuja doçura me acalma.

o gosto das tuas entranhas
não mais me há-de largar,
por mais vidas que tenhas,
serás açúcar no paladar.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

dúvida

eu tinha tantas certezas
das certezas que não tinha
e esta culpa, que é só minha,
arrasta-me entre tristezas.

o meu verso era mentira
embelezada sem esforço,
um prego atirado ao poço
nem da tábua se retira.

trago dúvidas na carteira
sobre o passado obscuro,
abro a mão do futuro
sem verdade derradeira.

só sei que a hesitância
se tornou mais um vício,
o meu único malefício
desde o tempo de infância.

novamente, uma criança,
quem me dera poder ser,
porquês fáceis de responder
e um olhar de esperança.