sábado, 25 de julho de 2015

putos

éramos uns putos cansados de amar
e víamos os mais velhos rirem-se de nós,
quando tudo o que queríamos era voar
e gritar c'o coração até perdermos a voz.

quando éramos putos, subíamos a montanha
que separava as casas — a minha e a tua,
encontrávamo-nos lá em cima e sentias-te estranha
quando eu te dizia que queria ver-te nua.

ainda éramos putos e dizias ter alguém,
enquanto me beijavas lá em cima ofegante,
chamava-se rui e cantava também
e tudo o que eu queria era ser teu amante.

dizias sermos putos e que isto era andar,
fingir ser namorados e treinar p'ra outro alguém,
com ele tu ias passear à beira-mar,
davas beijos com batom e comigo era sem.

chamavam-nos de putos, quando passavam à beira
e riam-se por querermos brincar ao amor,
mas nós já amávamos à nossa maneira
e até tínhamos lágrimas p'ra fingir sentir a dor,

éramos uns putos cansados de amar,
com corações vazios e cansados de bater,
ainda que achassem que era só a brincar
e que, por isso, não podia doer.

deixámos os putos e também de falar,
mas eu ainda subo a minha parte da encosta
na esperança de, um dia, voltar a encontrar
essa bela menina de quem o puto ainda gosta.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Celeste (V)

tu foste linda e jovem em demasia,
foste tudo o que eu podia querer,
razão do meu respirar, de viver,
levantar, sair e enfrentar o dia...

quem assim te fez era rei ou mago,
era deus próprio, se deus existisse,
só não te quis, quem antes não te visse
nos braços da paixão onde eu te trago.

salva-me às garras de insanidade
que me levaram à louca vontade
de rasgar c'os abraços que me deste.

enterrei o teu corpo no jardim
e, de súbito, regressou a mim
o som, esse dom, meu amor — Celeste!

Celeste (IV)

a sombra que lanço sobre os vidrais,
encobertos p'ra não se ver o dia,
cuja luz me traz tamanha agonia,
faz pena aos seres celestiais.

tanto tarda em chegar a madrugada
que o desespero se instaura agora,
pouco depois da fatídica hora
em que te encontrei suja e desgraçada.

esse sorriso era p'ra mim precioso,
tal como era o teu amor duvidoso
ou como no sonho em que, p'ra mim, vieste.

não sei como pude eu ser capaz
p'ra fazer o que a paixão nunca faz —
apagar esse teu nome — Celeste!

Celeste (III)

haverá quem, p'la voz da ditadura
ouse ditar-me fim ao sofrimento,
que tanto necessito e não lamento,
que se sente mais forte que a brandura?

no silêncio, os murmúrios do além,
em mim, a sombra fazem descender,
c'o lumiar que se parece estender
da vela que tanto arde por ninguém.

na quase escuridão só sobro eu
e tudo resto contigo morreu,
todo o bem, todo o mal que me fizeste...

nem o negro firmamento é tão frio,
o vácuo consegue ser mais vazio
que o lugar desse teu nome — Celeste!

Celeste (II)

nas noites de tormento e de trovão,
ainda oiço palpitar fortemente
os ecos desse coração latente
que se perdeu nas margens de plutão.

nem lá fora, o silêncio c'os seus uivos
consegue, em mim, causar maior terror
que aquele me fez, em tempos, o amor,
quando me perdi em teus cabelos ruivos.

vozes que vêm do porão são loucas,
as memórias que me restam tão poucas —
ínfimas como os beijos que me deste.

já só resto eu e o teu candelabro
neste momento sóbrio e macabro
em que lembro desse nome — Celeste!

Celeste (I)

longa era a sombra sobre o meu regaço,
em mim, lançada p'lo teu castiçal,
no tecto, a balançar como um sinal
da tua voz ou do álcool no bagaço.

de costas voltadas p'rá fraca luz,
o sal das lágrimas rasgou na cara
uma fissura que nunca mais sara
p'ra ver os demónios que nunca expus.

porque mantenho a janela fechada,
o dia ou a noite, p'ra mim, são nada
como o ar frio e gélido de oeste.

a morte é o meu estado corrente
e morrer seria sentir novamente,
no peito, ecoar o teu nome — Celeste!

domingo, 14 de junho de 2015

em segredo

p'ra que te pudesse ver p'la alvorada,
nas horas já se perdia longa a noite,
quando o meu peito sofreu o açoite
da tua boca que murmurava nada.

quanto da nossa noite mal amada
se fez estéril campo de batalha
p'ra que, lá do cimo da tua muralha,
permaneças imóvel e calada?

no teu jeito de criança abandonada,
p'ra ti, não passo de um mero brinquedo
que aquece numa noite mais gelada.

já nem sei se isto é hábito ou medo,
sou a tua companhia da madrugada,
porque tu só me queres em segredo.

sábado, 13 de junho de 2015

não tentar

não tentar é desistir por defeito,
é falhar tendo a vitória p'los ombros,
é contentar-se no meio de escombros,
porque a coragem nunca encheu o peito.

é querer e guardá-lo num segredo,
é sonhar que se grita, berra e canta
todas as frases presas na garganta,
ao menos, se não se tivesse medo.

é ter-te comigo sempre presente
como só cobarde conseguiria
p'ra nunca to dizer abertamente.

sonho contigo a cada noite e dia
que me lamento de estar tão doente
deste flagelo que é só cobardia.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

fizesse eu da imaginação realidade

não gosto de introduções. gosto de pensar que, entre nós, não é, nunca foi e jamais serão necessárias introduções. sonho que fomos dados a conhecer um ao outro bem antes de darmos o primeiro suspiro. tenho mil e uma teorias sobre como isso é possível contra todas as evidências de que não é. ainda assim, eu acredito. é nisto que eu acredito. é a minha religião, a minha força de viver, a minha vontade para sair da cama. abro as persianas à espera que o raiar do sol te traga de empurrão ou a gota de uma nuvem te carregue como uma embalagem preciosa. à noite, andas tu perdida a semear, em meus sonhos, alegrias. alegrias essas que se transformam em memórias que, por mais falsas que sejam, são o melhor dos meus dias. pudesse eu explicar-te a dor que sinto ao acordar e perceber que é tudo um sonho. um sonho carregado de outros tantos sonhos e cada um está ferrado com unhas e dentes em mim. como eu gostava de conseguir fazer entender que, por mais que magoem, a dor de os remover de mim seria excruciante ao ponto da morte. não a morte física, mas a morte da alma. a morte para a qual morrer é uma benção. tudo isto eu escrevo, tudo isto eu sonho, tudo isto eu conjuro e soletro símbolo a símbolo. deixo aqui um pouco do tu que há em mim. na verdade, sou eu. tudo isto sou eu e toda tu és minha, mas não no sentido que me traria prazer infinito. és a minha criação, a minha doce fuga da realidade, quando tudo o que eu mais quero é um pouco de coragem. só um pouco mais de coragem para sair da fantasia e correr para ti, onde tu estás de verdade, mas não esperas por mim. não me reconhecerias como eu te reconheceria, como se te tivesse visto horas antes. quiçá nem te lembra a minha existência e sou nada mais que uma pedra fora do lugar na calçada por onde passas uma vez, porque te perdeste pela cidade a pensar noutra coisa qualquer. quem me dera ser essa coisa qualquer, quem me dera ser a tua colher, quem me dera que pensasses em mim. eu só queria que pensasses em mim numa fracção de uma fracção daquilo que eu penso em ti. não acreditas, mas essa quantidade ínfima é um oceano que se estende para lá do horizonte que o horizonte tem. agora, vou adormecer uma vez mais e encontrar-te onde te guardei. espero o dia em que não te encontro nos meus sonhos, mas entre os lençóis que abro de manhã.

sábado, 16 de maio de 2015

bicho de mato

estava tão bem só, antes de chegares
no teu manto de incerteza e veludo,
que, com um beijo apenas, mudas tudo
e eu já me perdia p'los teus olhares.

preparo-me p'ra largar a armadura
e encontrar-me contigo no deserto
a rastejar de coração aberto
como quem nunca conheceu ternura.

eu, que me julgava bicho de mato,
precisei de espreitar o firmamento
reflectido em ti como azul inato.

só trago uma vontade, de momento:
envolver-te c'o meu coração lato
e cravar-te a sangue no pensamento.

sábado, 9 de maio de 2015

migalhas

vai p'la alma carregada d'um negrume
encher o peito em sopro de agonia
por quem sente dor e finge alegria
quando todo ele (coração) é lume.

os teus demónios enchem-me a cabeça
c'oa sombra da falsa misericórdia
que, entre palavras, só ouvem discórdia
sobre os sonhos que querem que me esqueça.

cansado trago o corpo de implorar
p'las migalhas da atenção que não tens
e nunca reservaste p'ra me dar.

se tivesse de vender os meus bens,
não encontraria em algum lugar
nem a vaga promessa que tu vens.

terça-feira, 5 de maio de 2015

lugar de recreio

na sombra da luz das velas eléctricas
ainda tento encontrar esconderijo
no cerne da alma onde tanto me aflijo
c'oa quantidade de ideias frenéticas.

quando o silêncio da noite enlouquece,
rasga-se, no meu peito, uma fissura
e eu não sei se isto é dor ou loucura
e eu não sei quem lembra, quem esquece...

se houve, em tempos, p'la alma da amargura,
quem da noite fez lugar de recreio
p'ra se esconder à luz da ditadura...

já não sei porque sinto tanto anseio
p'ra falar da doença que nada cura
que tanto desejo, que tanto odeio.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

a corda pura e santa

tanto esperas tu e me manténs refém
no leito da promessa desse amor
que vai além vergonha e além dor
guardar-se p'ró melhor que já não vem.

tanto vagueias p'las ruas do passado
que te esqueces de voltar ao presente
onde o teu respirar é suficiente
p'ra alegrar este coração danado.

tanto fazes por quem te perdoou,
tanto perdes por não estar a ver,
tanto corres por quem, de ti, escapou...

homens há que jamais, à tua garganta,
temendo, um dia, te ver sair a correr,
colocariam a corda pura e santa.

terça-feira, 31 de março de 2015

às garras da morte

um dia, sonhei poder sonhar mais alto
que os muros se elevam em meu redor,
que as lágrimas que caíram como suor
p'la cara que tanto beijou o asfalto.

um dia, sonhei poder ser um viajante
maior do que os outros que por lá passaram,
maior que os mares que nunca chegaram
às areias das praias de diamante.

é crime p'ra quem ignorou o fado,
que o condenou à dura e pouca sorte,
alcançar o sonho mais bem sonhado.

nem o coração que bate tão forte,
nem as lágrimas de cristo vergado
nos salvam o nome às garras da morte!

segunda-feira, 30 de março de 2015

o mistério da casa da rua amorim — parte I

tudo começou no outro dia, quando acordei sobressaltado com o chegar do correio. a minha vida tinha atingido um ponto tal em que já nada me apanhava de surpresa. além disso, já fazia tempo desde que recebi a minha última correspondência e tão pouco aguardava algo.
a algum custo, lá me levantei para pegar naquele pedaço de papel tão pesado de desgraça. era uma convocatória para dividir as heranças. a minha avó materna morreu. era para estar presente no gabinete do advogado responsável, em três dias.
podem achar que sou frio, insensível ou desprezável. a verdade é que pouco ou nada me afectou aquela notícia. nunca fui próximo da senhora e, portanto, os laços que nos unem são pura e exclusivamente de sangue. sinto-me mais chegado ao gato da vizinha, cuja presença sinto quase diariamente. contudo, lamento a sua partida.
finalmente, chegou o dia do encontro com todos os parentes latentes. como se mostram felizes e contentes por me verem, mas nunca me procuram. não houve espaço para discussões, ainda que não faltasse o ocasional palavrão de alguém que recebeu menos do que o que queria. eu pensei que tinha apenas de marcar presença e acabei por receber a casa da senhora. vou sempre questionar-me porquê, quando havia claramente quem a desejasse mais do que eu.
com os pagamentos a atrasem-se na renda, até que veio mesmo a calhar. a casa da minha avó situa-se na rua amorim. como foram os primeiros a construir lá, foi-lhes permitido escolher o nome da rua e, tratando-se de um grupo de gente um tanto ou nada narcisista, escolheram o nome da família para o devido efeito.
demorei quase um mês a realocar-me por completo e a sentir-me em casa, uma vez mais. entre carregar a tralha toda de um lado para o outro, limpar e inventar onde colocar cada coisa, o tempo passou e eu mal por ele dei. nos interstícios da mudança, lá acrescentava mais umas linhas ao caderno ou umas fotografias ao rolo. devo admitir, contudo, que não andava com grande inspiração.
em algumas semanas, a excitação da casa nova desvaneceu e voltei a sentir-me apático a tudo. com a vantagem de não pagar a renda, veio a outra face da moeda. como manter uma mansão limpa e apresentável? não que eu alguma vez recebesse visitas, mas para mim era importante manter a ordem.
comecei a perder o sono e a levantar-me a meio da noite, para vaguear pela casa. conseguia passar uma hora a bisbilhotar cada recanto, sem nunca repetir a minha passagem. foi num desses passeios nocturnos que reparei nas luzes que vinham do salão principal, no andar de baixo.

quinta-feira, 26 de março de 2015

hoje, estou triste

hoje, estou triste e não sei porquê. passei as horas a olhar imagens de ti e o teu sorriso, sempre presente, nunca esteve tão ausente de mim. não sei se foi a falta do cheiro que deixas comigo ou a alegria que me cravas no coração, como um lembrete a ti própria. todos os dias, assim que acordo, não abro as janelas ao sol. abro o coração a ti e inspiro fundo este ar que é também teu. oh! se soubesses o bom que é lembrar-me de que partilhamos o mesmo planeta, pisamos a mesma terra e beijamos o mesmo mar. quem sabe, um dia, iremos remover o gosto do sal sobre os lábios um do outro. iremos enjoar do sal que nos queima, iremos enjoar do anoitecer que nos arrefece, iremos enjoar da areia que se gruda em nós e do vento que tudo leva. tudo leva, menos nós. o nosso amor está para vir, os beijos são para ficar e a vontade rende-se ao partir. iremos fugir, pé ante pé, com uma mão que une dois braços desejosos de se tornarem um só. iremos ao primeiro esconderijo que encontrarmos e lá, onde o mundo cessa de palpitar e o próprio tempo suspende a respiração, será garantida a permissão para deixar o amor ser amor e seguir o seu rumo descendente. não parará de correr até atingir o afluente que o devolve ao mar. esse mar salgado que, pela manhã, enrola na espuma os segredos da noite passada. ficam, assim, para sempre gravados nos interstícios de mil e uma areias que amanhã já lá não estão. esse mar azul que se recusa reflectir o céu e nos devolve o sal aos lábios, para que possamos ser amantes por mais um dia. hoje, estou triste e já sei porquê. estou triste, porque nunca irás partilhar este sonho comigo.

terça-feira, 24 de março de 2015

desaparecer sem sinal

estar só é mais um estado da alma
do que a falta d'uma ou outra presença,
é estar condenado a uma sentença
e ter de ouvir dizer p'ra se ter calma!

é mais que um grito de loucura imensa,
é rosnar, uivar, chorar p'ró interior,
tentar encontrar conforto p'rá dor
onde não resta a mais mísera crença.

nas grades da gaiola que me prende
correm as lágrimas deste animal
espezinhado — já não se defende.

foste desaparecer sem sinal,
d'uma maneira que ninguém entende,
condenar-me a este estado abismal.

segunda-feira, 23 de março de 2015

as fadas do meu jardim

oiço-as cantar tão perto de mim
essa vertiginosa melodia
e vejo-as dançar no meu jardim,
como se fossem truque de magia.

sinto-as como cócegas nos pés,
conto-lhes as peripécias do dia,
salto, corro, rio, brinco c'oas marés
em que me inundam de pura alegria!

são visões... bem sei não serem reais —
são acima da soma dos teus sinais!
oh! se me pudesse livrar ao encanto...

jamais encontrarei outras como elas
que, de entre as fadas, eram as mais belas
e o amor que me davam era tanto!

domingo, 22 de março de 2015

maria inês

esse nome... teu belo nome, inês!
não há outro tão belo, sem igual,
em quaisquer das terras de portugal
ou c'oa a perfeição com que deus te fez.

esse nome, repetido ao expoente
da loucura, como se uma vil doença
cravasse no meu peito esta sentença
de viver em tristeza permanente.

se o que posso fazer é nada mais —
é clamar ao céu que tanto me goza
p'la falta de força nos meus umbrais...

p'ra louvar teu nome não basta a prosa
do lago verde nos olhos divinais
que fazem de ti, inês, a mais formosa!

sexta-feira, 20 de março de 2015

para ti, querida Florbela

maldito o fado que te condenou
sofrer tanto que ousaste lançar
bênçãos aos homens que querias amar
c'o coração que nenhum outro amou.

maldito seja o beijo da tua boca,
maldita seja a morte que te tem,
maldita a sorte que é minha também,
te rompeu c'os joelhos e deixou louca!

maldita seja a canção estonteante
que só tu decifras nesta nossa arte
e mais não é do que um frémito instante.

e os lábios que não conseguem calar-te
são meus, quando me imponho teu amante
c'os beijos que nunca poderei dar-te...

quinta-feira, 19 de março de 2015

o teu primeiro amor

não contas as casas, p'la rua, sem tecto,
não contas os dias em que estás feliz,
nem sabes o que passa ou se diz,
se vives na sombra do meu afecto.

tens e terás, em mim, fiel companheiro,
quando os muros, por fim, se derrocarem
e os teus olhos de cetim me abonarem —
mais do que um sim, quero-te por inteiro.

só te lembra contar gotas perdidas,
por entre os dias de orvalho e de nevoeiro,
em que passas os dedos nas feridas.

e o meu amor que, de tão verdadeiro,
curou todas as tuas lascas partidas,
nunca superou esse teu primeiro.

terça-feira, 17 de março de 2015

o homem da casa no fundo da rua

olho para o céu e vejo
estrelas a brilhar no escuro,
a guardar secreto o desejo
de amar com amor mais puro.

sou um contador de histórias
e conto-as como as vejo,
como me falam as memórias
que em ferocidade protejo.

conta-se: ao fundo desta rua,
morava um estranho rapaz
e aquela casa só sua
descansa, agora, em paz.

se te tornas desaparecido,
ninguém te nota o corpo frio,
ma se perdes alguém querido,
o mundo inteiro vai vazio.

entre tanto tédio, lá decidi
visitar a despovoada casa,
como quem não sabe de si
e seus compromissos atrasa.

mas só a caminho me lembrei,
que nem seu nome eu sabia,
então, um p'ra ele inventei
e estava certo! quem diria?

Benjamim Faria era tímido
e de pouca alegria na vida,
dormia num quarto húmido
e cedo teve a sorte tecida.

capaz de amar sem precedentes,
amou cada amor sem igual,
e, se lhe eram descontentes,
ele nunca os viu como tal.

ainda a semana ia a meio,
era uma quarta-feira, talvez,
quando, no posto de correio,
ele a viu p'la primeira vez.

a primeira jamais se esquece,
num só olhar, o tempo pára,
num sorriso, o chão estremece...
oh! se lhe pudesse tocar a cara...

e a carta destinada à outra,
esse amor já sem resposta,
que lhe fez a alma neutra,
não chega a quem não gosta.

"esta noite não sossego!
fui enfeitiçado novamente...
deixei cravar esse prego
no coração que nada sente!"

era Benjamim sem dormir
que, temendo o seu destino,
não se impedia de sorrir
como se ainda fosse menino.

os dias viraram semanas
e em cada um, ele lá voltou,
espreitando p'las persianas,
pacientemente aguardou...

mas nunca mais a viu —
dizem que até chorou!
quando a lágrima caiu,
foi ele quem se despenhou.

jurou guerra ao amor
e destruir os seus afluentes,
porque num mundo de dor,
sofrem os ainda crentes.

e eis que num qualquer dia,
já tão cheio e cheio de nada,
reparou que alguém lhe sorria
leve e doce p'la madrugada.

a brisa descobriu o olhar,
quando lhe levou o cabelo
p'ra que pudessem encontrar
o momento e não perdê-lo.

foi faísca que assim se fez,
com labaredas ao destino,
eram eles Pedro e Inês —
e até já se ouvia o hino!

quão generoso é o fado?
quando se julgava perdido,
ei-lo, de novo, encontrado,
eis a razão, eis o sentido!

"ó aflicção que partiste
para terras de nunca mais,
trago essa dor que persiste
p'las marcas ancestrais!"

"ó confortável vazio cheio,
repleto de tanto nada,
nada mais que o receio
de perder a bela amada!"

era ela, seu nome Benedita,
donzela p'ra acalmar o medo,
calar a voz que tanto grita
Benjamim em seu segredo!

o amor não teve limite,
a paixão foi digna de se ver,
como quem não o permite
e acaba por se render.

ela amou — fingiu ter amado —
a alma que por tanto passou,
o coração demais cansado
que a flecha não magoou.

houve gritos? eu não ouvi.
maldade? não dei por ela,
mas eu sei e digo a ti:
"nunca houve outra donzela."

não me hás-de acreditar,
conheces-me de lado algum,
sabes... só estou a narrar
um conto demais comum.

Benedita, foste embora —
desapareceste sem rasto?
se falasses em boa hora
que o coração estava gasto...

o rapaz ainda guarda
a carta que nunca enviou,
aquela lágrima que tarda
e nunca antes derramou.

a fotografia na moldura —
era a tua imagem por inteiro —
havia lá tanta ternura
e, quiçá, amor derradeiro!

desse amor já nada resta
que seja digno de se mostrar,
é um quadrado sem aresta,
é um círculo por revelar.

"que faço eu com a solidão,
este abandono ao injusto?
quis entrar nesse coração,
fechado a tanto custo!"

"que digas já, em verdade,
onde foi, onde eu errei?
temo ceder à insanidade...
e se fui eu que falhei?"

"ainda espero o vazio,
que eu sei ser nada mais
que um lugar escuro e frio,
opaco aos teus sinais."

"a cortina cessa em mim,
tudo pára, o herói morreu...
já não sei porque vim
a este velório só meu!"

e assim se foi a chama
do fogo que nunca ardeu,
como quem tanto ama
esse amor que não é seu.

sonho prematuro que era
sol de pouca dura e ruiu
a curta aventura, primavera —
o futuro que nunca viu!

eras criança, foste cobaia
desta experiência amorosa,
como uma areia na praia
que, se pequena, é numerosa.

estas paredes, teu espelho —
feias, gastas, demais sofridas —
foste sujar teu joelho
com fissuras tão antigas!

o tempo foge entre os dedos,
as palavras faltam às linhas,
vivo fantasmas, sinto medos —
as tuas fantasias são minhas!

e, em mim, agora grita
aquela voz que desapareceu,
nessa imagem se acredita
que esse homem era eu...

"ó cruel, impietoso destino,
que me foste tu fazer?
eu queria era ser menino
e tanto fiz por me esquecer!"

"eu sou Benjamim Faria...
não me lembrava tal mágoa,
tal tristeza, esta agonia
e falta d'ar fora d'água!"

"estas paredes antes minhas,
minha cama, nosso leito:
andei p'las curvas que tinhas
e repousaste no meu peito..."

"ó crueldade, ó subversão,
não te guardo qualquer rancor!
sente e mostra compaixão
por este pobre narrador..."

assim foi a minha história
de pouca sorte com o fado
e guardo aqui a memória
de não se querer encontrado.

segunda-feira, 16 de março de 2015

um breve instante

respiro na sombra de uma ilusão,
cansado em demasia p'ra me mover,
p'ra sentir o ar ou p'ra tentar viver
entre esta perpétua escuridão.

sentir o que sinto só por sentir
é, no firmamento por estrelar,
o fundo do teu vácuo a clamar
p'lo meu nome quando vou desistir.

vem, na lembrança de mágoas passadas,
o doloroso palpitar constante,
no meu peito, negar as madrugadas.

fui eu, de entre os homens, tão mau amante
que, nem das tuas lágrimas mal choradas,
me achaste digno por um breve instante?

domingo, 15 de março de 2015

sonho de infância

a noite carrega-me feito criança,
que antes de ti fui e nunca mais,
essa que ainda vive a esperança
e as saudades dos teus gestos banais.

se fosse, um dia, esse mar de lembrança,
eu banhar-te-ia como o faz à costa,
porque se é p'ra se empunhar uma aliança
há que provar que realmente se gosta.

bem sabes... não foi por esquecimento,
talvez falta de tempo, ignorância...
falta de olhos num coração atento!

quando já só resta a última instância,
vagueio a noite em claro, ao relento
ainda a viver o meu sonho de infância...

terça-feira, 10 de março de 2015

amar-me-ias mais?

amar-me-ias mais, se te desse menos?
amar-me-ias mais, se te fosse cruel?
amar-me-ias mais, se roubasse o mel
com que fazes os teus doces venenos?

amar-te é, certamente, por loucura,
ter-te é livre-trânsito p'rá prisão,
fui eu culpado, mas não fui ladrão —
eu levar-te-ia mais que só ternura.

o sol, em mim, tanto faz, tudo cura,
tudo banha, ilumina sem cansaço,
tarda nesta noite que tanto dura.

vazou o meu amor, ficou escasso
p'ra te proteger dessa queimadura
de alguém que não faz por ti o que eu faço.

domingo, 8 de março de 2015

em memórias, refém

não és uma, não és duas — és alguém
que sabe que o que vai no pensamento,
se se evade à crueldade do momento,
fica p'ra sempre, em memórias, refém.

mulher! p'ra que queres tanta garganta?
se é quando tens que falar que te calas,
se é quando tens que ouvir que tu falas
e abandonas-me a alma pura e santa!

eu só peço: aproxima a tua ausência,
faz encher, em mim, mares de saudade
que naveguei sob um véu de inocência.

se é crua, se é dura, mas se é realidade,
porque ligas tu tanto à aparência
daquilo que é mentira, na verdade?

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

o mal que me vai na barriga

há problema grave, certamente, com a humanidade,
que a fome não se trave, se morrermos em liberdade,
que a verdade não se diga e a mentira, assim, prossiga
pelas bocas do mundo até que já nem mentira se consiga,
é por essas e por outras que, aquilo que mais me intriga,
é o mal que me vai na barriga.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

não sei onde errei

"em dias como hoje só me apetecia chegar a casa e ver-te na cama à minha espera," disseste-me tu, uma vez. nesse dia, ganhei o mundo com dezassete palavras. não sei ou consigo perceber onde errei. se calhar o problema foi ter sido correcto de mais. não sei ou consigo perceber. podia ter sido menos honesto e sincero; podia ter sido mais contido nas acções, nas palavras e nos olhares; podia ter amado com menos intensidade ou moderado a dose que saía cá para fora; podia, sim, mas estava a ir contra mim. já te disse que não sou contido. quando dou, dou tudo de mim. a verdade é que já não estás apaixonada por mim há algum tempo, se algum dia o estiveste — eu quero acreditar que sim e deixa-me acreditar nisso. tentei falar contigo e dei-te todas as oportunidades do mundo para teres o teu tempo, o teu espaço, a tua privacidade. só tinhas de mo pedir e eu dar-to-ia como sempre te dei tudo. eu não sou cego aos teus sinais, por mais que me tenha andado a tentar convencer que está tudo na minha cabeça — ou está, eu sou demente e isso é grave. já não te sinto apaixonada por mim quando olhas para mim, quando sorris, me seguras a mão e, principalmente, quando me beijas; já não sinto da tua parte qualquer desejo pela minha pessoa. eu não sei ou consigo perceber onde errei, mas diz-me por favor. é algo que eu tenho de corrigir e não entendo o quê. implorei que fosses honesta comigo e foi a única coisa que exigi de ti. sinto que nem isso foste capaz de me dar, de tão fechada que és. espero que um dia encontres alguém que te faça verdadeiramente feliz como tu mereces, porque claramente — e para grande dor no meu coração — essa pessoa não sou eu. não sei onde errei. se alguma vez tiveste paixão por mim, foi-se tão rápido quanto veio. se o problema foi eu ter ido depressa mais, não sei ser de outra maneira. perdoa-me, que eu também compreendo que não consegues — ou não queres, mas prefiro não acreditar nisso — ser de outro jeito. quero que saibas isto. não podes voltar a afirmar que nunca te amaram completa e verdadeiramente, com mais do que um só coração pode dar. pedi emprestado a forças superiores que, para sempre, me hão-de lembrar a dívida que tenho.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

beleza

a beleza não é tudo, mas é o começo de tudo.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

de nada me serve a eternidade

julguei querer partilhar dessa fama,
cujo nome em toda a parte ressoa
como o de Camões, Bocage e Pessoa,
que nunca souberam domar a chama.

julguei querer vir ser poeta, mas não —
a esses cabe sofrer por gosto e fado —
eu quero ser normal, não condenado
às chagas eternas do coração.

quero um pouco dessa felicidade
c'oa qual se embebedam gentes vulgares,
de quem invejo a falta de vaidade.

se as desgraças me ferem sempre aos pares,
de nada me serve a eternidade,
quando, em vida, morro nos teus olhares.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

homem de sorte

onde o teu silêncio me ensurda a paz
que julguei poder vir a ter, um dia,
nunca te fiz cobarde, mas capaz
d'alguma piedade por simpatia:

leva-me ao chão, não temas pisar,
ouve a razão, se alguma ainda tens,
em choros sóbrios me faço gritar
"solta esses lábios que guardas reféns!"

estou rendido à ilusão de ti,
jamais uma outra bateu tão forte
e jamais por outra tanto gemi.

julguei poder ser um homem de sorte
na louca paixão, mas já percebi —
serei só feliz às portas da morte...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

vil doença que nasceu cega

sem saber — ou o fiz por esquecer —
deixei-me guiar até àquele lugar
c'oa certeza de lá não te encontrar
e a fraca esperança de te rever.

onde, um dia, fomos mais do que tu e eu,
fomos essa conjugação de nós,
na vontade de abandonar o sós,
que nunca chegou ao seu apogeu.

sem dó, pena ou piedade à memória
que este lugar, sobre os ombros, carrega,
voltas como celebrando vitória!

e, rejeitada toda a minha entrega,
ainda aguardo a tua doce vinda em glória
curar vil doença que já nasceu cega...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

cegos

todos nascemos cegos e morremos cegos, porque, quando aprendemos a ver, escolhemos não o fazer.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

perder-se em vãs esperanças

não foram aqueles que me deixaram
a aguardar julgamento a descoberto,
p'ra que eu pudesse estar mais ao perto
dessa pele que outros já beijaram...

nem o vinho que me corre p'las veias
tem capacidade p'ra daqui escoar
o tumor negro que me está a matar
e a consumir as mais belas ideias.

nem há palavra p'ra a desilusão:
descobrir que ainda somos só crianças —
tão mal se sabem elevar do chão!

entre tantos movimentos e danças,
quem de nós primeiro disse que não
queria perder-se entre vãs esperanças?

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

carta

carta... uma carta — a última que te escrevo,
antes de começar a apagar o teu nome.
tanto te amei pelo prazer de te ter amado,
agora já nem me queres para servo.
ri por ti e ri contigo, ri muito mais que a fome!
intentei palavras com invólucro aveludado...

no teu coração, que só sabia estar fechado,
antes de o ser... já estava, há muito, condenado!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

insano

insano era o amor que jamais ousou te amar.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

o amor é terminal

olhos meus tanto carregam oceanos,
lábios meus tanto escondem cicatrizes,
já não escuto as palavras que dizes
e já pouco me sinto entre os humanos.

eu só amo ao expoente da loucura —
só na insanidade é sensato amar —
perdi o rumo da página a virar,
não sei que fazer com esta amargura.

amar é não ser feliz... é sofrer
como quem morre à espera da morte,
como quem nada mais tem a temer.

se o bater no peito fosse mais forte,
dilacerá-lo-ia só p'ra te ver,
cravando a memória funda no corte.

sábado, 3 de janeiro de 2015

quando o amor te governa

são palavras de uma boca não tua,
são movimentos que não te pertencem,
acções que, vindas de ti, não se entendem,
como quem dança sozinha na rua.

fazem-se de ti boneca de engonços,
já não tens gestos teus p'ra governar,
nem te resta a vontade p'ra pensar
nos sentimentos que aí tens esconsos.

nem o amor a ele sabe governar...
quem há... quem há que virá governar-te,
se é o coração quem não se quer dar?

num suspiro divino, ganho a arte
que — de quem nada mais tem p'ra falar —
tudo diz nesse gesto que é amar-te...

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

inverno

o sol deita-se
às quatro da tarde,
                            porque é inverno.

a lua reina
e a fogueira arde,
                            porque é inverno.

os ossos gelam,
o coração pára,
                            porque é inverno.

a lágrima cai
no canto da cara,
                            porque é inverno.

o passo branda
e o silêncio canta,
                            porque é inverno.

sentado à varanda,
a paz é tanta,
                            porque é inverno.

o vento impede
o meu avançar,
                            porque é inverno.

o meu amor
não há-de cessar,
                            porque é inverno.