sábado, 16 de maio de 2015

bicho de mato

estava tão bem só, antes de chegares
no teu manto de incerteza e veludo,
que, com um beijo apenas, mudas tudo
e eu já me perdia p'los teus olhares.

preparo-me p'ra largar a armadura
e encontrar-me contigo no deserto
a rastejar de coração aberto
como quem nunca conheceu ternura.

eu, que me julgava bicho de mato,
precisei de espreitar o firmamento
reflectido em ti como azul inato.

só trago uma vontade, de momento:
envolver-te c'o meu coração lato
e cravar-te a sangue no pensamento.

sábado, 9 de maio de 2015

migalhas

vai p'la alma carregada d'um negrume
encher o peito em sopro de agonia
por quem sente dor e finge alegria
quando todo ele (coração) é lume.

os teus demónios enchem-me a cabeça
c'oa sombra da falsa misericórdia
que, entre palavras, só ouvem discórdia
sobre os sonhos que querem que me esqueça.

cansado trago o corpo de implorar
p'las migalhas da atenção que não tens
e nunca reservaste p'ra me dar.

se tivesse de vender os meus bens,
não encontraria em algum lugar
nem a vaga promessa que tu vens.

terça-feira, 5 de maio de 2015

lugar de recreio

na sombra da luz das velas eléctricas
ainda tento encontrar esconderijo
no cerne da alma onde tanto me aflijo
c'oa quantidade de ideias frenéticas.

quando o silêncio da noite enlouquece,
rasga-se, no meu peito, uma fissura
e eu não sei se isto é dor ou loucura
e eu não sei quem lembra, quem esquece...

se houve, em tempos, p'la alma da amargura,
quem da noite fez lugar de recreio
p'ra se esconder à luz da ditadura...

já não sei porque sinto tanto anseio
p'ra falar da doença que nada cura
que tanto desejo, que tanto odeio.