domingo, 28 de novembro de 2010

coragem de não ter coragem

talvez um dia o homem ganhe coragem de não ter coragem,
coragem de perder qualquer coragem,
coragem para perder as vontades, livrar as necessidades.
nesse dia, esse homem vai ser livre.
quando perder a coragem de agir por imposições de outros homens.
que sabem eles? quem pensam que são? porque se segue o que dizem?
damos-lhes razão sem questionar e somos homem com coragem.
que virtude a do homem que perdeu toda essa coragem,
para seguir as regras por ele impostas.
as que lhe soam bem e ressoam em harmonia com os seus ideais.
todo o homem é homem de coragem, mas quem eu aspiro ser
é um homem sem coragem ou com coragem de não ter coragem.
livre.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

ti e mais nada

- ai joão, assustaste-me!
- desculpa, foi sem intenção. o que estás a fazer?
- estou a terminar um trabalho para a escola, porquê?
- preciso que venhas comigo imediatamente e sem fazer perguntas.
- o quê, agora? assim do nada? passa-se alguma coisa?
- eu disse sem fazer perguntas! é importante que venhas.
- não estou a perceber ou a gostar disto.
- anda, vamos!
- ai, está bem. chato! podes largar-me, eu vou!
- dá-me a tua mão e fecha os olhos.
- porque me trouxeste até este lugar tão estranho?
- o que tem de estranho?
- é tão sozinho.
- ah sim, pois é. é esse o objectivo.
- então, porque me trouxeste para aqui? já me podes contar o mistério?
- nada. cala-te, fecha os olhos e dá-me a mão.
- não estou a conseguir entender-te. estás a pôr-me nervosa!
- não fiques.
- mas explica-te!
- por favor joana, não te peço muito. deixa-me só estar aqui, neste lugar que chamaste sozinho. quero ter a certeza que, por muito que tudo dê para o torto, posso vir aqui contigo e ter um pouco de nada. ter-te a ti, é o que preciso, isso e um algum nada. nada de palavras, gestos, acções, sentimentos, ilusões, deveres, apenas nada.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

um homem é humilde

no decorrer da nossa história, um homem tem de saber duas coisas:
quando ignorar tudo, todos e continuar firme e convicto.
quando descer à humildade e reconhecer que é hora de desistir.
no que toca ao amor, acredito que a segunda só deve ser opção
quando absolutamente nada mais restar. quando houver certeza da sua impossibilidade.
(mas isso sim, é verdadeiramente inalcançável.)
algo só é impossível se não o conseguirmos imaginar,
tudo o resto pode ser categorizado em fácil ou difícil.
na verdade, desistir do amor devia ser crime!
(e muitas vezes é, auto-sentenciado à pena capital.)
quantos corações deambulam abandonados ao vento
só por que se desistiu antes de haver algo de que desistir?
eu prometo que só desistirei, não quando tiver a vida em jogo,
mas se a dela estiver.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

quando éramos pequenos #5

lembrei-me de algo que me pareceu bastante sensato. nada tem que ver com paixonetas de outrora, mas sim com uma amizade antiga. havia uma rapariguinha simples lá na minha escola de quem eu era muito amigo. havia até algo de platónico no ar. um dia, revelou que se preparava para fazer uma mudança radical. algo que iria deixar todo o mundo boquiaberto. pensei para mim mesmo que ia escandalizar! na verdade, a minha surpresa foi nenhuma, foi oposto da dos demais. algo tinha mudado nela, toda a gente via, toda a gente comentava, toda a gente gostava e aclamava. apenas eu permanecia vendado às novas alterações, o que me valeu uma grande chatice. toda a gente sabe o que acontece quando uma mulher sofre uma mudança drástica de visual e um homem não repara. mas, aparentemente, escadear o cabelo e fazer umas madeixas não faziam parte do meu significado de mudança radical na altura. naqueles tempos, eu ainda não escolhia em lojas a roupa que vestia, de facto, detestava comprar roupa! a mãe trazia, eu experimentava e amaldiçoava mas usava na mesma. era, talvez, feliz. os amigos já usavam as típicas all star que eu tanto desconhecia e ignorava, assim como muitas outras marcas da moda. um dia fui a uma loja contrariado, onde o primo mais velho fazia as suas escolhas, e a tia comprou o meu primeiro par de calças de uma marca conhecida - mas eu não o sabia ainda. soube-o no dia em que as levei para a escola e toda a gente disse uma coisa simpática. tudo mudou nesse dia. entristece-me saber que hoje reparo nas palavras que os outros vestem, não importa se é roto ou sujo desde que o nome esteja bem soletrado. e no entanto, quando era pequeno, não importava se rapavam o cabelo, o pintavam de rosa, estripavam as calças e sapatilhas ou saltitavam na lama. para mim, era sempre a mesma pessoa de quem eu gostava e sentia carinho. esse sentimento não muda e talvez fosse essa a razão de eu não reparar nas mudanças visuais dos outros. quando eu era inocente, só reparava no coração e esse permanece eternamente imutável. há coisas que são muito mais bonitas pelos olhos de uma criança, quando crescemos relembramo-las como coisas de miúdos.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

a regra

existe uma regra,
pela qual se regem todas as regras.
a regra diz que,
para qualquer regra,
existe uma outra regra
que rege a primeira regra.

domingo, 21 de novembro de 2010

as tuas asas, as tuas belas asas

hoje, as tuas asas renasceram.
como ansiei eu este momento,
apoderar-me desse sofrimento,
quando, dos teus, mil sonhos se perderam.

quero escorregar pela lacuna,
beijar o corte, beijar-te a ti.
quando te segurar, te olhar - sorri,
que foste nunca apenas mais uma.

agora já és livre de voar,
nada há que te segure em terra,
gaiola te prenda, faça chorar.

vontade há que, por ti, chama, berra,
monto escadas p'ra te alcançar
em amor meu que o coração encerra.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

nos meus bolsos

o que eu tenho nos meus bolsos não é nada de agradável.
perguntaste tu uma vez e eu evitei a resposta.
a verdade, e confesso-o aqui agora, é que é nada de bom.
nada de agradável. é, de facto, bem repudiável!
no bolso das calças trago mentiras,
no bolso do casaco desilusões,
no bolso da camisa traições,
na carteira estilhaços de vidro.
porque carrego vis coisas comigo?
não sei, já cá estavam. nem me ocorreu tirar.
hoje, já não sou capaz de vaguear sem elas,
fazem parte de mim.
contudo, nada é sem solução.
se caminhares comigo de mãos dadas,
me abraçares continuamente,
mantém as minhas mão ocupadas
que eu não toco naquelas coisas, não.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

quem sofre é o homem

ele só quer sexo,
ela só quer amor,
ela dá-lho sem nexo,
ele dá-lhe seja o que for.

na verdade, ele dá-lhe amor
porque ela quer amor,
mas ela já não lhe dá amor
porque ele nunca quis amor.

depois ela vai embora,
ele não sabe porquê.
tanto amor a toda a hora,
razão é que ele não vê.

ela fez amor sem gosto,
porque ele nunca importou.
agora ele está em desgosto
porque ela o descartou.

afinal, quem sofre é o homem,
de tanto sexo que quer.
acaba por amar sem ordem,
sem dar conta sequer.

a conclusão a tirar:
o senhor do prazer carnal
acaba é por amar
a senhora que faz dele animal.

se nunca exigires seja o que for,
não esperes, não cai do céu,
nem um pouco de amor,
não olhes assim, este já é meu.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

a minha história

podia muito bem ser assim,
cheia de mistério, aventura ou simples fantasia e brincadeira.
quando nasci, houve uma complicação durante o parto.
aqueles breves segundos sem oxigénio,
uma eternidade onde assisti à minha morte,
viriam a revelar-se a coisa mais caricata.
é que, um homem que sabe a data e condição da sua partida,
não teme nada e sujeita-se a ninguém! desconhece o medo.
já sabe que, aconteça o que acontecer, tudo irá correr bem.
não é esse o momento de ir embora, ainda não.
mas, apenas poucos afortunados - como eu - têm essa sorte.
aos outros é-lhes dito
"vivam como se conhecessem a vossa morte,
temam nada, experimentem tudo!"
e esses são os verdadeiros valentes deste mundo,
são os que enfrentam o desconhecido com coragem,
que eu o enfrento porque sei que não me fará mal.
o que consegui deslumbrar pelo meio da névoa,
um imenso campo de margaridas ao pé do rio.
meia dúzia de pessoas e não reconheci uma
(porque quando nasci só vi um médico barbudo).
estavam felizes, contentes e eu também!
este mundo é demasiado real e eu não quis fazer parte dele,
mas não vivi uma fantasia, não. não cedi à loucura.
a verdade, é que não tenho bem a certeza.
não sei ao certo se foi real ou fantasia, mas foi bom.
vivi com os pés na terra,
com a cabeça no céu
e com o coração em lugar indeterminado!
os cinco sentidos que me transportaram no mundo real,
o sexto que me aventurou em mundos mais fantásticos
que a imaginação humana algum dia conseguirá criar.
no tempo de uma só vida, eu vivi duas em mundos diferentes.
este aqui era real demais,
aquele perfeita mentira. mas fui fugindo de um para o outro.
agora, que me encontro por entre as margaridas,
observo o rio que me acolhe no adeus,
que me vai abrigar eternamente entre as duas margens.
uma, o meu mundo real,
onde confino o meu coração.
a outra, o meu mundo surreal,
onde confino as minhas asas.
passeei pela vida em sapatos sempre confortáveis.
deito-os fora, agora vou descalço.
o último caminho que tem de doer, marcar chagas,
ou aqueles que me trouxeram aqui não tiveram qualquer sentido.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

a razão porque gosto mais ou menos de ti

tu és como és e eu gosto assim,
de tudo o que tens de bom,
mas também do que é ruim.

considero-te um ser perfeito,
se equacionar essas imperfeições
e igualar ao que tens no peito.

se tu fores mais feia,
eu gosto igual de ti
durante a vida inteira.

mas se fores mais bonita,
eu gosto muito mais
pela reacção que suscita.

num homem, o orgulho de te ter,
provocar inveja nos demais
que ficam pela vontade de querer.

é coisa de criança, eu sei,
espicaçar o outro
só p'ra dizer 'eu ganhei'!

eu gosto de ti até aos pés,
não porque és mais bonita,
porque isso já tu és.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

pensamentos sobre a ciência e algum amor

revolucionou o mundo científico no ano de 1905 com a teoria da relatividade especial (ou restrita). Albert Einstein - com significantes contribuições de outros colegas - generalizou o principio da relatividade de Galileo. toda a forma de movimento é relativa (a algo, entenda-se) e não existe algo como o conceito de repouso absoluto. todos nós já, em algum momento da nossa vida, amaldiçoá-mos o destino do condutor intrépido que segue a 80 km/h no centro da nossa cidade, deixando atrás de si um rasto de poluição sonora e sentimento de apreensão. é verdade que, à semelhança da experiência anterior, também nós já nos irritámos o suficiente para descarregar a ira na buzina do carro - de modo a expressar o nosso desagrado - pelo facto de, o condutor que segue à nossa frente, viajar na auto-estrada a uma velocidade de 80 km/h. a velocidade é relativa, assim como tudo no nosso universo conhecido. na verdade, a premissa revolucionária de einstein é de que o tempo também é relativo. é verdade. segundo um exemplo do mesmo senhor, se colocar a mão na chama quente do fogão durante um minuto, tal irá parecer uma hora. contudo, se passar uma hora com uma mulher bonita, tal irá parecer um minuto.
não será correcto, contudo, atribuir todo o esplendor da relatividade aos fantásticos fenómenos da física. de facto, como referi anteriormente, tudo no universo conhecido é relativo. o amor é relativo (já mencionei aqui), a beleza é relativa, a felicidade e a tristeza são relativas. existirá uma mulher mais bonita do que todas as outras? estaríamos cientes do conceito de felicidade sem conhecer o seu oposto?
a verdade é que muito da nossa vida pode ser descrito com um gráfico semelhante ao de cima (para quem importar, dá pelo nome de distribuição normal). se considerarmos que a curva engloba toda a população de homo sapiens e que a média de beleza representa alguém que não é particularmente bonito nem particularmente feio, então a generalidade da população encontrar-se-há nessa situação (daí o pico da curva). à medida que nos afastamos do que é ordinário, seja para o lado negativo, seja para o lado positivo, podemos reparar que a percentagem de pessoas que se encontram nessa situação diminui, primeiro abruptamente e depois ligeiramente. levado ao extremo, podemos concluir que apenas uma muito pequena percentagem da população entrará na categoria de muito feio ou de muito bonito. cerca de 68% da população encontra-se em torno da média (relembrar as aulas de matemática de quando éramos mais pequenos), o que significa que quando surge alguém que esteja um pouco abaixo ou acima do resto do comum mortal, este repara no curioso ser.
a verdade é que, após eras de selecção natural, o ser humano - assim como a maioria dos restantes ser vivos complexos - adquiriu uma capacidade natural e cognitiva de escolher um parceiro com base naquilo a que usualmente chamamos atracção física e que quantificamos como beleza. tal como todas as outras grandezas de medida, esta também é relativa. varia de pessoa para pessoa, de cultura para cultura. geralmente, as pessoas consideradas acima da média (ou bonitas) são também as que contêm as melhores características para transmitir à geração futura. isto é, tipicamente são pessoas com inteligência acima da média, robustez física superior (entenda-se como pessoas altas e fortes) ou que possuem características exóticas. são também, na maioria das vezes, pessoas menos susceptíveis a doenças. de alguma forma, através de milhões de anos de evolução, adquirimos alguma triagem de características aparentemente invisíveis. isto é o que garante, de facto, a adaptação ao meio envolvente e a sobrevivência da espécie. contudo, com o avanço da medicina e da tecnologia prevejo dois resultados possíveis. no primeiro, a curva que apresentei acima deixa de ser aplicável, toda a população é englobada pela média. ou seja, toda a população é robusta e não possui deficiências. no segundo, a mesma curva é completamente achatada, deixando de haver uma média. ou seja, toda a população sobrevive às doenças e supera os obstáculos independentemente da sua robustez ou incapacidade. contudo, o conceito de beleza nunca deixará de ser relativo. quando todos somos iguais, ainda há alguém que se destaca.
além da relatividade, existe também um conceito omnipresente de causa-efeito, mesmo para quem não esteja familiarizado com mecânica newtiniana. o universo não só é relativo como também anda sempre aos pares e, num contexto de relatividade, se um for a acção, o outro será inequivocamente a reacção. fugindo ao abstracto, para alguém ser feliz tem de ter sido infeliz primeiro (relatividade) e alguém tem de ser infeliz também (causa-efeito). de certo, se fossemos sempre felizes não o saberíamos. tal coisa coisa nem seria um conceito, pois sem termo de comparação seria considerado absoluto (ainda que nada seja absoluto). só há uma maneira de ser incrivelmente feliz e consiste em ser terrivelmente miserável primeiro. assim, todas as pequenas coisas (referência a esta conversa) agradáveis contribuirão enormemente para a felicidade ao que, para o comum do mortal - que nem é muito feliz nem muito triste -, as coisas simples passam-lhe ao lado. apenas é feliz quando algo de muito bom acontece e todos sabemos que tal não acontece com a frequência que desejaríamos. se fossemos todos felizes, vai de encontro com a felicidade relativa, mas vai além mais. o ser humano já demonstrou ao longo de toda a história (entenda-se como o momento em que se inventou a escrita) que tal utopia é inatingível - inclusive, vai contra a segunda lei da termodinâmica - uma vez que milhares de anos não conseguiram cessar as suas guerras e invejas. haverá sempre alguém feliz à custa de outrem e esse outrem irá tentar ser feliz à custa de um terceiro. é pura e simples natureza humana, que nada mais é que um espelho das leis que regem o nosso universo. afinal, nós somos matéria constituinte dele.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

o devaneio do coração negro vagabundo

quando o coração está negro,
até bater para viver magoa.
não se alimenta - fica magro,
amor pouco - rápido escoa.

mais vale escapar da vida - esta,
tão pouco povoada de sorte,
quando o pouco que ainda resta
é o beijo da antecipada morte.

essa - que nem sempre é de temer.
rogo pragas ao sádico criador
que me abandonou p'ra nascer
neste pálido mundo sensabor.

grito silencioso que implora passagem.
ousaram levar-me do hospital
sem conhecimento da vantagem
no dia em que tudo corre mal.

oferta abastada que supera a procura,
tanto amor - não vale nada,
a paciência escassa - já pouco dura,
e a conversa? está programada.

não é - de todo - a falta dela,
mais forte é, na verdade, o resto.
com pouca vontade pode tê-la,
mas não vale uma palavra, um gesto.

desgraçado não é o atirador,
é o cornudo obstetra,
porque o outro é como for,
mas esse canta e sabe a letra.

este defunto mar de doce,
isento de sal e lágrima.
aqui o coração rasgou-se,
e a dor? não há quem exprima.

se eu contar como foi,
com alguém disposto a ouvir,
preferia ter sido valente boi
que forçar a alma a rir.

quando negro está o coração,
não resta margem de manobra,
mais vale passar por cão,
viver recluso na penumbra.

vontade de partir, destruir, estilhaçar,
gritar palavras que nasceram mudas.
quando finalmente tudo acabar,
que as mentiras sejam desnudas.

já nada por aqui me agrada
(se é que algum dia o fez),
no cerne desta casa degradada
nunca houve alguém cortês.

quando resta mais nada a dizer,
a segunda melhor coisa é dormir,
levanto as mãos a agradecer
que nunca ninguém morreu a sorrir.