terça-feira, 28 de dezembro de 2010

maldito

o mundo em que vivo é maldito,
a distância entre nós um grito.

sábado, 25 de dezembro de 2010

perto de casa

tornaste-te um porto seguro,
a corrente no calcanhar.
nem para me salvar,
saltaria este muro.

só quero aqueles lugares
com as ruas todas iguais.
perto de casa e nada mais,
longe de outros olhares.

aprendi a adormecer contigo,
ganhei gosto ao teu cheiro.
quem chegou a ti primeiro,
quem te beijou o umbigo?

a primeira vez que te vi,
lá de longe, ser belo avistei.
logo, de fraco, me entreguei
neste obsessão que não previ.

quis este mundo me massacrar,
dar a conhecer essa existência.
juro que vou sem prudência,
se num momento te puder agarrar.

mas quem segurou foste tu,
acorrentaste, e depois abandono.
sentes-te rainha nesse teu trono,
trincas este coração assim cru.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ergue-te!

outrora foste sem igual,
dos teus homens imensa coragem,
já nem pareces portugal,
nem pessoa, nem mensagem.

tanta lição, aprendeste nada,
maus exemplos preenchem a tua história,
nem a fraca força armada
te consegue elevar a glória.

que império outrora teu,
resta agora nos confins do mundo,
nem um amigo te valeu,
maldita hora, atingiste o fundo.

as tuas manhãs de nevoeiro
sempre enfeitaram a tua costa,
e os pescadores do carvoeiro
que não te deixam sem resposta.

em tempos de el-rei eras tu forte,
caíste em desgraça na infame ditadura,
lá fora, teus aliados gritam "morte!"
e enchem-te os bolsos de serradura.

o teu povo não aguenta mais,
os alicerces estão em ruína,
palavras vãs as que aclamais
por salvação ao virar da esquina.

imponente cultura em decaimento,
a tua palavra vale tostão nas outras terras,
este povo em vão sofrimento
está pronto para novas guerras!

ergue-te e desembainha a espada,
grita em memória dos teus avós,
a estrada desde então preparada,
sem medo, avancemos nós!

domingo, 19 de dezembro de 2010

eternamente incompatíveis

porque eu nunca vou ser são o suficiente para te compreender,
sou doido em demasia para te estudar lúcidamente.
jamais serei insano como tu para me acolheres,
no teu estado de ofegante psicose,
esse mundo onde só entra quem tem a chave da perfeita loucura.
o teu medo não é só teu,
às vezes,
é mais meu.

sábado, 18 de dezembro de 2010

amor igual a silêncio

és a mais bela mulher e nunca o saberás.
eu to prometo, de mim nunca ouvirás.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

à espera

- o que estás a fazer aqui sozinho?
- estou à espera.
- à espera de quem?
- da morte.
- ainda é cedo, penso.
- não estamos todos?
- sim, todos morremos.
- a diferença é que a maior parte das pessoas tem coisas a fazer até ela chegar, eu não. então, espero.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

homem

homem.
porque homem é homem
e homem algum deverá ser mais do que homem.
homem nenhum deverá ser menos do que homem.
ser homem é ter a liberdade para ser homem
e nada mais do que isso.
mais do que pessoa,
é estar claramente definido
e ter um significado junto do nome.
dar sentido à obra escrita por alguém,
alguém que é homem,
que só o homem sabe escrever.
apenas o homem pode ler
aquilo que o homem escreveu.
deve haver tantos homens que leiam
quantos aqueles que escrevam,
para que no meio deles
não haja um que fale.
é maior a distância que separa o pensamento da letra,
que aquele que separa o mesmo da palavra.
o mérito do homem é tanto maior,
quanto maior for a distância que percorre.
porque homem é homem
e deve sempre tentar ser melhor homem.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

mais uma que nunca lerás

estonteante mulher,

diz-me de uma vez por todas, por favor explica-me. eu exijo saber porque não fui capaz de resistir àquela força que me assolou, de uma maneira que nada me havia afectado de igual antes. esboça-me um esquema que simplifique a razão porque me senti obrigado a sorrir-te tão estupidamente. é que já dei mil voltas à cabeça, e depois de toda a lógica, matemática e física estarem aplicadas ainda há algo que não está correcto. vinhas tu na minha direcção, nem sei porque razão, não era suposto estares ali. porque te encontravas tu ali, exactamente ali, naquele momento? era para eu me cruzar contigo, era isso? para eu sentir esta força a que apelido de estúpida manipulação que não tem razão de ser? o que significou aquela fracção de segundo em que os músculos que envolvem os meus lábios se desligaram de mim e ganharam vontade própria? porque não foram capazes de permanecer estáticos como lhes ordenava o meu comando? que efeito é esse que tu produzes sobre mim, e de certo sobre todos os outros homens? mas eles são nada comparados com a minha pessoa. eu tenho forças idiotas a dirigirem-me, como um imenso campo espectacular, que me força a sorrir-te desesperadamente. mais do que sinapses, são os impulsos eléctricos que fizeram sorrir também o coração. mais do que este mundo, extasiaste a minha alma para bem longe, como uma overdose de heroína. penso que irás entender melhor o quão extraordinário este acontecimento é, se souberes que odeio sorrir, repugno! ainda assim, por ti, não fui capaz de me conter. jorrou para fora, quando deixaste cair no meu calmo lago essa pérola que é a visão de ti.
se soubesses o que pensei naquele momento, provavelmente expatriavas-te para imensamente longe. mas talvez, só mesmo talvez, ficasses, quiçá gostasses! detenho dentro de mim um desejo imensamente luxurioso, não o nego. a minha vontade animal era roubar-te deste mundo e desonrar-te no outro, aquele para onde arrebataste a minha alma. que terás tu a dizer sobre tudo isto? é quase certo que seja o desejo em ver a minha pessoa envolva numa camisa de força, eu compreendo. mas existe uma ínfima possibilidade, ainda que leve todo o tempo do universo, de sonhares o meu sonho.
senti os teus olhos espremer este órgão que insiste em continuar vivo e a tremer, como se de uma laranja carnuda se tratasse. como se te banqueteasses no sumo que escorre do meu amor, colhido pela fúria do teu sorriso. esses dentes que me trincaram a pele, deixaram esta cicatriz escarnecida de porta escancarada às doenças deste mundo infestado. por aqui entra e prolifera dor, angústia, temor, negação, desejo carnal. na minha memória permanece unicamente a imagem do beijo que não te dei, já não me recordo do momento real. algo belo e simples que distorci e depravei com esta ambição maldita, que abomino. abomino mas é-me essencial à existência, como a carne putrefacta a uma larva de mosca. sem este temível sentimento que me sustem a vitalidade, desço ao mundo dos mortos sem amor. também eu, sem o teu amor, continuo seguro a este mundo pela corda da minha pervertida ilusão que é a tua resposta a sentimentos que nunca recebeste.

sinceramente,
aquele que te deseja louca e anonimamente.

domingo, 12 de dezembro de 2010

queria ser

quis ser astronauta,
quis ser cientista,
quis uma flauta,
ser capa de revista.

quis ser médico,
de título senhor doutor,
brincar com arsénico,
singrar por onde for.

quis uma bonita namorada,
uma alma caridosa,
uma casa abençoada,
longe da vida ruidosa.

quis ser engenheiro,
quis ser economista,
quis muito dinheiro,
quis ser alquimista.

quis ter uma estrela,
quis andar de cometa,
quis uma cozinha amarela
p'ra cozinhar malagueta.

quis estudar a física,
com a matemática brincar,
um pouco de música
também não ocupa lugar.

quis ser poeta,
quis ser pintor,
desenhar uma recta,
brincar ao amor.

quis até ser mendigo,
no meio da rua acordar,
experimentar o perigo
antes de ir trabalhar.

quis ser tanta coisa,
experimentar de tudo,
quis um pássaro que poisa
na secretária de estudo.

ainda não sei o que quero
ou quem desejo ser,
na verdade eu espero
nunca mais crescer.

sábado, 11 de dezembro de 2010

o medo

- tens medo?
- medo de quê?
- qualquer coisa. há algo que te dê medo?
- não sei, creio que não. quando era miúdo tinha medo do escuro, mas hoje acho que já não, até gosto.
- não tens mesmo piada nenhuma, bolas! que aborrecido que és.
- aborrecido, porquê?
- se tivesses medo de alguma coisa, aposto que tinhas uma ou outra história embaraçosa para contar.
- é possível, sim.
- se não tens histórias para contar, és aborrecido.
- tu és horrível, quando queres.
- e tu não tens piada, nem quando queres.
- afinal já sei do que tenho medo.
- o intrépido joão tem medo de quê, então?
- tem medo da malvada bruxa joana.
- como te atreves, maldito?!
- sim, tenho medo que desapareças como que por magia.
- és tão lamechas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

eduardo cabeça de alfinete e inês mãos de coração

existia, uma vez, um estranho rapaz -
não era inteligente, mas era audaz.
chamava-se eduardo cabeça de alfinete -
um pouco peculiar, um pouco diferente.
as temíveis gentes, lá da sua aldeia,
gostavam de fazer troça da sua pequena ideia.
nasceu com o cordão umbilical ao pescoço
e, desde então, a vida não passou do esboço.
condenado a desistir, sem oportunidade de tentar,
nunca provou da doce doçura de ganhar.
vagueava as ruas com as orelhas retraídas,
as gentes não se entretêm com as próprias vidas.
no cerne do peito existe um lago de coragem,
que, de um lado, não se avista a outra margem.
só uma pessoa se dignava a doar-lhe atenção,
de seu nome e beleza: inês mãos de coração.
trazia sempre um laço na cabeça - a rapariga,
trazia sempre ele no bolso uma pequena formiga.
houve algo que geminou - bem no fundo,
era uma semente - do tamanho do mundo.
os olhos de inês, como raízes incrustaram,
aquele coração que as outras não amaram.
amor que é amor - jamais se derrota,
nem desdenhado em terrível chacota.
inês mãos de coração: perfeita, mas com um defeito -
é que, para cantar, não tinha qualquer jeito.
quando estava triste, desanimada e sem cor,
ia eduardo à chuva e colhia-lhe uma flor.
à noite, por vezes, era difícil dormir -
abraçavam-se e perdiam as forças a rir.
no sangue não corre somente biologia,
existe algo que pode muito bem ser magia.
quando feriu a perna a apanhar peixe para o jantar,
ela correu para ele e beijou-o até sarar.
foi então que, numa gélida noite de inverno,
tiveram eduardo e inês de provar o inferno.
primeiro tempestade e depois a terra tremeu -
inês soube no seu coração que eduardo morreu.
não chegou para jantar, como era normal,
atacaram-no como a um selvagem animal.
bernardo cauda de escorpião foi o culpado,
em amor de inês, apaixonada por eduardo.
ferrou-lhe o espigão, encheu-o de veneno,
abandonou-o sem vida, pálido e sereno.
para a bela inês nada disto é claro,
gozar do fruto proibido sai tão caro.
em três semanas apenas, também ela se ceifou -
do fétido sabor da angústia que na sua alma entrou.
é assim que chega ao fim, a trágica história
de que somente dois corações guardam memória.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

não é feliz

tenho um amigo que tem tudo,
não é feliz.
tenho outro amigo que tem nada,
não é feliz.
tenho uma amiga com ilusões,
não é feliz.
tenho-me a mim com um pouco disto e daquilo,
não é feliz.
qual o teu requisito, a tua depravada exigência oh vil felicidade?
eu já te percebi, sei-te de cor.
já enganaste o que tinhas para enganar.
regalas-te com a demanda do homem enquanto
permites que se aproxime infinitesimalmente de ti,
sem nunca te alcançar.
maldita sejas oh desgraçada!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

este mundo

o mundo que me rodeia é um gelado sem sabor.
é frio, húmido e não tem bolacha.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

e se?

e se inventássemos o partir?
inventávamos o sofrer e o destroçar.
e se inventássemos o regressar?
inventávamos o desaprender.

domingo, 5 de dezembro de 2010

entrar por aí

quero amor - esse belo encanto,
a meio da tarde, finais de noite.
tenha graça, faça favor, acoite
este meu órgão em teu quente manto.

não só, para nosso grande espanto,
ela lá cede como mais nenhuma.
cheirosa pelos seus banhos de espuma,
está pronta a fingir que me ama tanto.

cede-me o cerne da tua fruta,
homem paga p'ra não se esforçar,
sentir o sabor que não se refuta!

quando esta copula terminar,
enxuga essa ousada conduta
p'ros outros que a venham desfrutar!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

tanto sono e tanto frio

tanto sono e tanto frio,
chega ao coração um calafrio.
tanto espaço em vazio,
na cama - que lugar sombrio!

vem aqui, chega bem perto,
puxa a manta que estou a descoberto.
usa o teu calor como for mais certo,
na cama - sem ti, um deserto!

leva daqui a podre solidão,
empesta a vasta imensidão.
traz surpresa para um serão,
na cama - entre dedos, a mão!

tudo gélido, austero lá fora,
sair de casa - não é boa hora.
aproveitar o tempo da demora,
na cama - não vás embora!

faz sentido aos miúdos,
para isso nem é preciso estudos.
pela sala jogos absurdos,
na cama - são filmes mudos!

toda a água deste mês,
corre na obra que o homem fez.
a hora é de contar até três,
na cama - e dorme-se de vez.

quando estiver para terminar,
é só querer, poder e voltar.
que uma noite sem luar,
na cama - foi sonhar, sonhar, sonhar!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

conto contado e não cantado

um conto não é um conto se não tiver mais do que um ponto.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

fica a saber

que o coração que te deram era meu,
de mais ninguém, mas meu.
roubaram-mo e regalaram-to,
era meu e agora é teu.
nunca quis que o recebesses assim,
nunca desejei que soubesses a quem pertence.
é teu,
é teu,
é teu.

domingo, 28 de novembro de 2010

coragem de não ter coragem

talvez um dia o homem ganhe coragem de não ter coragem,
coragem de perder qualquer coragem,
coragem para perder as vontades, livrar as necessidades.
nesse dia, esse homem vai ser livre.
quando perder a coragem de agir por imposições de outros homens.
que sabem eles? quem pensam que são? porque se segue o que dizem?
damos-lhes razão sem questionar e somos homem com coragem.
que virtude a do homem que perdeu toda essa coragem,
para seguir as regras por ele impostas.
as que lhe soam bem e ressoam em harmonia com os seus ideais.
todo o homem é homem de coragem, mas quem eu aspiro ser
é um homem sem coragem ou com coragem de não ter coragem.
livre.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

ti e mais nada

- ai joão, assustaste-me!
- desculpa, foi sem intenção. o que estás a fazer?
- estou a terminar um trabalho para a escola, porquê?
- preciso que venhas comigo imediatamente e sem fazer perguntas.
- o quê, agora? assim do nada? passa-se alguma coisa?
- eu disse sem fazer perguntas! é importante que venhas.
- não estou a perceber ou a gostar disto.
- anda, vamos!
- ai, está bem. chato! podes largar-me, eu vou!
- dá-me a tua mão e fecha os olhos.
- porque me trouxeste até este lugar tão estranho?
- o que tem de estranho?
- é tão sozinho.
- ah sim, pois é. é esse o objectivo.
- então, porque me trouxeste para aqui? já me podes contar o mistério?
- nada. cala-te, fecha os olhos e dá-me a mão.
- não estou a conseguir entender-te. estás a pôr-me nervosa!
- não fiques.
- mas explica-te!
- por favor joana, não te peço muito. deixa-me só estar aqui, neste lugar que chamaste sozinho. quero ter a certeza que, por muito que tudo dê para o torto, posso vir aqui contigo e ter um pouco de nada. ter-te a ti, é o que preciso, isso e um algum nada. nada de palavras, gestos, acções, sentimentos, ilusões, deveres, apenas nada.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

um homem é humilde

no decorrer da nossa história, um homem tem de saber duas coisas:
quando ignorar tudo, todos e continuar firme e convicto.
quando descer à humildade e reconhecer que é hora de desistir.
no que toca ao amor, acredito que a segunda só deve ser opção
quando absolutamente nada mais restar. quando houver certeza da sua impossibilidade.
(mas isso sim, é verdadeiramente inalcançável.)
algo só é impossível se não o conseguirmos imaginar,
tudo o resto pode ser categorizado em fácil ou difícil.
na verdade, desistir do amor devia ser crime!
(e muitas vezes é, auto-sentenciado à pena capital.)
quantos corações deambulam abandonados ao vento
só por que se desistiu antes de haver algo de que desistir?
eu prometo que só desistirei, não quando tiver a vida em jogo,
mas se a dela estiver.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

quando éramos pequenos #5

lembrei-me de algo que me pareceu bastante sensato. nada tem que ver com paixonetas de outrora, mas sim com uma amizade antiga. havia uma rapariguinha simples lá na minha escola de quem eu era muito amigo. havia até algo de platónico no ar. um dia, revelou que se preparava para fazer uma mudança radical. algo que iria deixar todo o mundo boquiaberto. pensei para mim mesmo que ia escandalizar! na verdade, a minha surpresa foi nenhuma, foi oposto da dos demais. algo tinha mudado nela, toda a gente via, toda a gente comentava, toda a gente gostava e aclamava. apenas eu permanecia vendado às novas alterações, o que me valeu uma grande chatice. toda a gente sabe o que acontece quando uma mulher sofre uma mudança drástica de visual e um homem não repara. mas, aparentemente, escadear o cabelo e fazer umas madeixas não faziam parte do meu significado de mudança radical na altura. naqueles tempos, eu ainda não escolhia em lojas a roupa que vestia, de facto, detestava comprar roupa! a mãe trazia, eu experimentava e amaldiçoava mas usava na mesma. era, talvez, feliz. os amigos já usavam as típicas all star que eu tanto desconhecia e ignorava, assim como muitas outras marcas da moda. um dia fui a uma loja contrariado, onde o primo mais velho fazia as suas escolhas, e a tia comprou o meu primeiro par de calças de uma marca conhecida - mas eu não o sabia ainda. soube-o no dia em que as levei para a escola e toda a gente disse uma coisa simpática. tudo mudou nesse dia. entristece-me saber que hoje reparo nas palavras que os outros vestem, não importa se é roto ou sujo desde que o nome esteja bem soletrado. e no entanto, quando era pequeno, não importava se rapavam o cabelo, o pintavam de rosa, estripavam as calças e sapatilhas ou saltitavam na lama. para mim, era sempre a mesma pessoa de quem eu gostava e sentia carinho. esse sentimento não muda e talvez fosse essa a razão de eu não reparar nas mudanças visuais dos outros. quando eu era inocente, só reparava no coração e esse permanece eternamente imutável. há coisas que são muito mais bonitas pelos olhos de uma criança, quando crescemos relembramo-las como coisas de miúdos.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

a regra

existe uma regra,
pela qual se regem todas as regras.
a regra diz que,
para qualquer regra,
existe uma outra regra
que rege a primeira regra.

domingo, 21 de novembro de 2010

as tuas asas, as tuas belas asas

hoje, as tuas asas renasceram.
como ansiei eu este momento,
apoderar-me desse sofrimento,
quando, dos teus, mil sonhos se perderam.

quero escorregar pela lacuna,
beijar o corte, beijar-te a ti.
quando te segurar, te olhar - sorri,
que foste nunca apenas mais uma.

agora já és livre de voar,
nada há que te segure em terra,
gaiola te prenda, faça chorar.

vontade há que, por ti, chama, berra,
monto escadas p'ra te alcançar
em amor meu que o coração encerra.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

nos meus bolsos

o que eu tenho nos meus bolsos não é nada de agradável.
perguntaste tu uma vez e eu evitei a resposta.
a verdade, e confesso-o aqui agora, é que é nada de bom.
nada de agradável. é, de facto, bem repudiável!
no bolso das calças trago mentiras,
no bolso do casaco desilusões,
no bolso da camisa traições,
na carteira estilhaços de vidro.
porque carrego vis coisas comigo?
não sei, já cá estavam. nem me ocorreu tirar.
hoje, já não sou capaz de vaguear sem elas,
fazem parte de mim.
contudo, nada é sem solução.
se caminhares comigo de mãos dadas,
me abraçares continuamente,
mantém as minhas mão ocupadas
que eu não toco naquelas coisas, não.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

quem sofre é o homem

ele só quer sexo,
ela só quer amor,
ela dá-lho sem nexo,
ele dá-lhe seja o que for.

na verdade, ele dá-lhe amor
porque ela quer amor,
mas ela já não lhe dá amor
porque ele nunca quis amor.

depois ela vai embora,
ele não sabe porquê.
tanto amor a toda a hora,
razão é que ele não vê.

ela fez amor sem gosto,
porque ele nunca importou.
agora ele está em desgosto
porque ela o descartou.

afinal, quem sofre é o homem,
de tanto sexo que quer.
acaba por amar sem ordem,
sem dar conta sequer.

a conclusão a tirar:
o senhor do prazer carnal
acaba é por amar
a senhora que faz dele animal.

se nunca exigires seja o que for,
não esperes, não cai do céu,
nem um pouco de amor,
não olhes assim, este já é meu.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

a minha história

podia muito bem ser assim,
cheia de mistério, aventura ou simples fantasia e brincadeira.
quando nasci, houve uma complicação durante o parto.
aqueles breves segundos sem oxigénio,
uma eternidade onde assisti à minha morte,
viriam a revelar-se a coisa mais caricata.
é que, um homem que sabe a data e condição da sua partida,
não teme nada e sujeita-se a ninguém! desconhece o medo.
já sabe que, aconteça o que acontecer, tudo irá correr bem.
não é esse o momento de ir embora, ainda não.
mas, apenas poucos afortunados - como eu - têm essa sorte.
aos outros é-lhes dito
"vivam como se conhecessem a vossa morte,
temam nada, experimentem tudo!"
e esses são os verdadeiros valentes deste mundo,
são os que enfrentam o desconhecido com coragem,
que eu o enfrento porque sei que não me fará mal.
o que consegui deslumbrar pelo meio da névoa,
um imenso campo de margaridas ao pé do rio.
meia dúzia de pessoas e não reconheci uma
(porque quando nasci só vi um médico barbudo).
estavam felizes, contentes e eu também!
este mundo é demasiado real e eu não quis fazer parte dele,
mas não vivi uma fantasia, não. não cedi à loucura.
a verdade, é que não tenho bem a certeza.
não sei ao certo se foi real ou fantasia, mas foi bom.
vivi com os pés na terra,
com a cabeça no céu
e com o coração em lugar indeterminado!
os cinco sentidos que me transportaram no mundo real,
o sexto que me aventurou em mundos mais fantásticos
que a imaginação humana algum dia conseguirá criar.
no tempo de uma só vida, eu vivi duas em mundos diferentes.
este aqui era real demais,
aquele perfeita mentira. mas fui fugindo de um para o outro.
agora, que me encontro por entre as margaridas,
observo o rio que me acolhe no adeus,
que me vai abrigar eternamente entre as duas margens.
uma, o meu mundo real,
onde confino o meu coração.
a outra, o meu mundo surreal,
onde confino as minhas asas.
passeei pela vida em sapatos sempre confortáveis.
deito-os fora, agora vou descalço.
o último caminho que tem de doer, marcar chagas,
ou aqueles que me trouxeram aqui não tiveram qualquer sentido.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

a razão porque gosto mais ou menos de ti

tu és como és e eu gosto assim,
de tudo o que tens de bom,
mas também do que é ruim.

considero-te um ser perfeito,
se equacionar essas imperfeições
e igualar ao que tens no peito.

se tu fores mais feia,
eu gosto igual de ti
durante a vida inteira.

mas se fores mais bonita,
eu gosto muito mais
pela reacção que suscita.

num homem, o orgulho de te ter,
provocar inveja nos demais
que ficam pela vontade de querer.

é coisa de criança, eu sei,
espicaçar o outro
só p'ra dizer 'eu ganhei'!

eu gosto de ti até aos pés,
não porque és mais bonita,
porque isso já tu és.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

pensamentos sobre a ciência e algum amor

revolucionou o mundo científico no ano de 1905 com a teoria da relatividade especial (ou restrita). Albert Einstein - com significantes contribuições de outros colegas - generalizou o principio da relatividade de Galileo. toda a forma de movimento é relativa (a algo, entenda-se) e não existe algo como o conceito de repouso absoluto. todos nós já, em algum momento da nossa vida, amaldiçoá-mos o destino do condutor intrépido que segue a 80 km/h no centro da nossa cidade, deixando atrás de si um rasto de poluição sonora e sentimento de apreensão. é verdade que, à semelhança da experiência anterior, também nós já nos irritámos o suficiente para descarregar a ira na buzina do carro - de modo a expressar o nosso desagrado - pelo facto de, o condutor que segue à nossa frente, viajar na auto-estrada a uma velocidade de 80 km/h. a velocidade é relativa, assim como tudo no nosso universo conhecido. na verdade, a premissa revolucionária de einstein é de que o tempo também é relativo. é verdade. segundo um exemplo do mesmo senhor, se colocar a mão na chama quente do fogão durante um minuto, tal irá parecer uma hora. contudo, se passar uma hora com uma mulher bonita, tal irá parecer um minuto.
não será correcto, contudo, atribuir todo o esplendor da relatividade aos fantásticos fenómenos da física. de facto, como referi anteriormente, tudo no universo conhecido é relativo. o amor é relativo (já mencionei aqui), a beleza é relativa, a felicidade e a tristeza são relativas. existirá uma mulher mais bonita do que todas as outras? estaríamos cientes do conceito de felicidade sem conhecer o seu oposto?
a verdade é que muito da nossa vida pode ser descrito com um gráfico semelhante ao de cima (para quem importar, dá pelo nome de distribuição normal). se considerarmos que a curva engloba toda a população de homo sapiens e que a média de beleza representa alguém que não é particularmente bonito nem particularmente feio, então a generalidade da população encontrar-se-há nessa situação (daí o pico da curva). à medida que nos afastamos do que é ordinário, seja para o lado negativo, seja para o lado positivo, podemos reparar que a percentagem de pessoas que se encontram nessa situação diminui, primeiro abruptamente e depois ligeiramente. levado ao extremo, podemos concluir que apenas uma muito pequena percentagem da população entrará na categoria de muito feio ou de muito bonito. cerca de 68% da população encontra-se em torno da média (relembrar as aulas de matemática de quando éramos mais pequenos), o que significa que quando surge alguém que esteja um pouco abaixo ou acima do resto do comum mortal, este repara no curioso ser.
a verdade é que, após eras de selecção natural, o ser humano - assim como a maioria dos restantes ser vivos complexos - adquiriu uma capacidade natural e cognitiva de escolher um parceiro com base naquilo a que usualmente chamamos atracção física e que quantificamos como beleza. tal como todas as outras grandezas de medida, esta também é relativa. varia de pessoa para pessoa, de cultura para cultura. geralmente, as pessoas consideradas acima da média (ou bonitas) são também as que contêm as melhores características para transmitir à geração futura. isto é, tipicamente são pessoas com inteligência acima da média, robustez física superior (entenda-se como pessoas altas e fortes) ou que possuem características exóticas. são também, na maioria das vezes, pessoas menos susceptíveis a doenças. de alguma forma, através de milhões de anos de evolução, adquirimos alguma triagem de características aparentemente invisíveis. isto é o que garante, de facto, a adaptação ao meio envolvente e a sobrevivência da espécie. contudo, com o avanço da medicina e da tecnologia prevejo dois resultados possíveis. no primeiro, a curva que apresentei acima deixa de ser aplicável, toda a população é englobada pela média. ou seja, toda a população é robusta e não possui deficiências. no segundo, a mesma curva é completamente achatada, deixando de haver uma média. ou seja, toda a população sobrevive às doenças e supera os obstáculos independentemente da sua robustez ou incapacidade. contudo, o conceito de beleza nunca deixará de ser relativo. quando todos somos iguais, ainda há alguém que se destaca.
além da relatividade, existe também um conceito omnipresente de causa-efeito, mesmo para quem não esteja familiarizado com mecânica newtiniana. o universo não só é relativo como também anda sempre aos pares e, num contexto de relatividade, se um for a acção, o outro será inequivocamente a reacção. fugindo ao abstracto, para alguém ser feliz tem de ter sido infeliz primeiro (relatividade) e alguém tem de ser infeliz também (causa-efeito). de certo, se fossemos sempre felizes não o saberíamos. tal coisa coisa nem seria um conceito, pois sem termo de comparação seria considerado absoluto (ainda que nada seja absoluto). só há uma maneira de ser incrivelmente feliz e consiste em ser terrivelmente miserável primeiro. assim, todas as pequenas coisas (referência a esta conversa) agradáveis contribuirão enormemente para a felicidade ao que, para o comum do mortal - que nem é muito feliz nem muito triste -, as coisas simples passam-lhe ao lado. apenas é feliz quando algo de muito bom acontece e todos sabemos que tal não acontece com a frequência que desejaríamos. se fossemos todos felizes, vai de encontro com a felicidade relativa, mas vai além mais. o ser humano já demonstrou ao longo de toda a história (entenda-se como o momento em que se inventou a escrita) que tal utopia é inatingível - inclusive, vai contra a segunda lei da termodinâmica - uma vez que milhares de anos não conseguiram cessar as suas guerras e invejas. haverá sempre alguém feliz à custa de outrem e esse outrem irá tentar ser feliz à custa de um terceiro. é pura e simples natureza humana, que nada mais é que um espelho das leis que regem o nosso universo. afinal, nós somos matéria constituinte dele.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

o devaneio do coração negro vagabundo

quando o coração está negro,
até bater para viver magoa.
não se alimenta - fica magro,
amor pouco - rápido escoa.

mais vale escapar da vida - esta,
tão pouco povoada de sorte,
quando o pouco que ainda resta
é o beijo da antecipada morte.

essa - que nem sempre é de temer.
rogo pragas ao sádico criador
que me abandonou p'ra nascer
neste pálido mundo sensabor.

grito silencioso que implora passagem.
ousaram levar-me do hospital
sem conhecimento da vantagem
no dia em que tudo corre mal.

oferta abastada que supera a procura,
tanto amor - não vale nada,
a paciência escassa - já pouco dura,
e a conversa? está programada.

não é - de todo - a falta dela,
mais forte é, na verdade, o resto.
com pouca vontade pode tê-la,
mas não vale uma palavra, um gesto.

desgraçado não é o atirador,
é o cornudo obstetra,
porque o outro é como for,
mas esse canta e sabe a letra.

este defunto mar de doce,
isento de sal e lágrima.
aqui o coração rasgou-se,
e a dor? não há quem exprima.

se eu contar como foi,
com alguém disposto a ouvir,
preferia ter sido valente boi
que forçar a alma a rir.

quando negro está o coração,
não resta margem de manobra,
mais vale passar por cão,
viver recluso na penumbra.

vontade de partir, destruir, estilhaçar,
gritar palavras que nasceram mudas.
quando finalmente tudo acabar,
que as mentiras sejam desnudas.

já nada por aqui me agrada
(se é que algum dia o fez),
no cerne desta casa degradada
nunca houve alguém cortês.

quando resta mais nada a dizer,
a segunda melhor coisa é dormir,
levanto as mãos a agradecer
que nunca ninguém morreu a sorrir.

domingo, 24 de outubro de 2010

a importância das coisas simples

- então joana, gostaste?
- de quê?
- da surpresa que te deixei na mesinha de cabeceira antes de ir embora, enquanto ainda estavas a dormir.
- ah, isso. nem prestei muita atenção.
- porquê, não achaste piada?
- sinceramente, não muito.
- porque não?
- é demasiado simples e básico, nem me ocorreu que fosse uma surpresa.
- não gostas de coisas simples?
- esse tipo de coisa já não tem piada.
- para mim ainda tem.
- mas não devia, já está gasto pelos outros.
- os outros não entram na nossa equação.
- pronto joão, desculpa não ter ligado.
- não faz mal, mas acho que devias dar mais importância às pequenas coisas.
- dou a importância que devem ter, se são pequenas têm pouca importância.
- as pequenas coisas são mais abundantes que as grandes surpresas, mais recorrentes também. se fores feliz com as mais simples, és feliz mais vezes e, apesar de em doses moderadas, continuamente.
- acho que tens razão, mas não podes simplesmente começar a achar piada a essas coisas assim, como estalar os dedos!
- eu sei. é por isso que todos os dias vou fazer-te pequenas outras coisas até ao dia em que me esqueço e tu lhes sintas a falta.
- és um doido.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

tu

és um livro de memórias que eu esqueci na prateleira,
à deriva na maré do tempo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

as infinitas combinações do acaso

hoje, de regresso a casa, enquanto contornava a rotunda, reparei na longa fila de carros na direcção de minha casa. encontrando-me num estado de mau-humor, decidi - no curto intervalo de tempo que tinha disponível - completar a rotunda e tomar o sentido oposto. esse caminho, a partir do lugar onde me encontrava, era bastante mais longo, mas o que eu não queria era ficar parado à espera na fila. desde que estivesse sempre a andar não me importei que a distância a percorrer fosse maior. como é óbvio, a minha condução confinou-se à faixa da esquerda e a cortar as rotundas. contudo, por me manter sempre na faixa da esquerda, cheguei a uma onde não me foi possível seguir em frente e não me apeteceu dar uma volta completa pelo que tomei a primeira saída possível. escusado será dizer que neste ponto, o caminho que estava a fazer para casa não podia ser mais longo. a minha vontade era de bater com a cabeça no volante enquanto a carrinha que seguia em frente raspava nos cinquenta quilómetros por hora. finalmente, após percorrer o triplo da distância no triplo do tempo, cheguei a casa. esta situação pôs-me a pensar no que aconteceria se eu não tivesse voltado para trás na primeira rotunda e simplesmente tivesse ido pelo caminho normal, esperando na fila como toda a gente. será que iria ter um acidente e toda esta peripécia livrou-me de tal coisa? será que a pessoa que seguia no outro carro desse acidente seria uma rapariga que, após alguns cafés para discutir os detalhes das seguradoras, acabaria por estar a discutir comigo que meias comprar aos nossos netos daqui a cinquenta anos? ou seria um rapaz que sentia que os cintos de segurança matam mais pessoas do que conseguem salvar e sofreria graves lesões derivadas do acidente? é impossível saber, mas é interessate divagar. hoje em dia penso muito no acaso e como este influência a nossa vida, especialmente sem nos darmos conta que ou como o faz. particularmente entusiasmante é tentar imaginar todos os cenários possíveis e diferentes que a curva da nossa vida poderia tomar se tivéssemos tido outra atitude, decidido o oposto, combinado encontros diferentes. toda uma infinidade de possibilidades que nos levam a cruzar com umas pessoas e a evitar outras, tão aleatoriamente quanto a posição do pequeno electrão em torno do núcleo atómico.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

quando éramos pequenos #4

encontro-me em pensamentos vagos onde me havia perdido outrora, no passado. sinto que o que passou, passou, mas a marca cravada, essa não sarou. não que queira voltar, de todo, mas questiono-me como seria o presente se o passado tivesse divergido. quando estudava no liceu e sair à noite era a melhor coisa do mundo, provar os efeitos secundários do álcool - esse belo composto orgânico -, experimentar o sabor da rebeldia, encontrar as pessoas lá da escola pela rua e ter a coragem para fazer o que não se fazia à luz do dia, eu fiz isso mesmo. a conversa surgiu com duas raparigas muito simpáticas que - vá-se lá saber porquê - consideraram-me minimamente interessante e por ali perdemos algum tempo da nossa bela noite desfocada. entre dois dedos de conversa pelas novas tecnologias, amigos comuns e os corredores da escola lá nos torná-mos os três bons conhecidos. escusado será dizer que desenvolvi uma certa atracção por uma das ditas raparigas que talvez o tenha percebido, talvez não, nunca saberei. após me resignar ao facto que o fraquinho não era correspondido fiz, o que qualquer homem tende a fazer - mas não é por mal, é quase inconsciente -, desenvolvi uma atracção pela segunda rapariga. vou admitir também que esse barco fugiu para outra doca e eu simplesmente ganhei duas amigas. sim, saí a ganhar desta mas a perder de outras. na vida, não tem de se perder sempre, podemos ganhar onde o resultado não é favorável se formos humildes o suficiente para baixar os nossos padrões e expectativas, ser mais tolerantes e gratificantes por ter pouco ao invés de nada. mas na altura as coisas nunca são assim tão claras, só queremos o próximo beijinho da próxima miúda gira. o que haverá mais para dizer, são coisas de miúdos.

sábado, 16 de outubro de 2010

diz que sim

diz que sim,
nem que seja só para mim
ou mesmo baixinho assim.
ao longo de uma recta sem fim,
envolta no teu pijama de cetim
enquanto cantas em mandarim
e cheiras a alecrim.
descascas um pequeno amendoim
e depois tocas bandolim,
calças o teu novo botim
à entrada para berlim.
e no meio do jardim
encontras um berbequim
que pertence ao espadachim.
à noite comes lagostim
e fazes amor em latim,
que os homens por cá fazem motim
só para cheirar o teu jasmim.
e ainda o pequeno pinguim
que só quer um dente de marfim
para trincar um belo pudim,
brincar no trampolim
e rir do arlequim.
mas foi aqui que eu intervim,
disse "o meu nome é valentim
e no lugar de onde vim,
existe apenas um sim,
um sim que é só para mim."

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

pode este mundo sobreviver?

ia eu muito bem na rua hoje à tarde, ali ao pé do rio, a pensar com o meu botão 'faz tempo que ninguém me oferece algo'. observo então um grupo de homens bem vestidos, assim todos engravatados, e achei a coisa bastante peculiar. estávamos todos do mesmo lado do passeio e reparo que olham para mim com cara de assunto. sou abordado por uma mão estendida que segura algum tipo de panfleto. tem uma imagem dum homem  numa matriz - muito ao estilo de keanu reeves em the matrix - e atrás pode observar-se uma imagem do nosso belo planeta, assim meio científico. fiquei parado e silenciado, sem saber bem o que fazer, quando me estendem algo é para vender e eu não quero comprar. nisto, o senhor diz 'pode pegar, é oferta' e eu cá pensei 'pronto, não me custa nada aceitar então. estão a fazer o trabalho deles e rejeitar não é simpático'. temos de ser uns para os outros, na medida do possível*, não é mesmo? assim que me preparo para seguir caminho, diz-me ainda 'tem referências bíblicas!' e eu cá para mim 'estou a ver que oferecem produtos de qualidade superior, este até tem referência bíblicas! não é um panfleto qualquer, não senhor. é muito mais que isso, não estão apenas a tentar vender religião'.

panfleto

ao folhear reparo que se trata das testemunhas de jeová. é um panfleto que apela àquele medo, obsessão das pessoas com o fim do mundo, oferendo respostas que nunca respondem a nada verdadeiramente. se pensarmos bem, suscitam mais perguntas. mas a única verdade de qualquer religião é a de fornecer conforto, razão de viver, atribuir significado à vida. temos imensa dificuldade em aceitar o acaso, a chance, o aleatório. se o fizerem de maneira altruísta, sem pedir em troca quantidades exuberantes do dinheiro dos pobres cegos, então eu digo 'força'. em relação ao ponto final na história dos homo sapiens, ele existe, mas ainda tem imensas letras, palavras, frases, parágrafos e até capítulos antes. não será, de certo, no nosso tempo útil de vida. vamos desperdiçar o nosso tempo com algo igualmente vão, mas mais divertido?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

quando éramos pequenos #3

penso sempre no meu primeiro amor, e logo de repente me inundam o pensamento memórias tão distantes e difusas. como aquela rapariga que tinha uns olhos verdes e grandes, mesmo bonitos. sempre me questionei porque não havia reparado nela antes ao que, numa conversa informal - daquelas como quem não quer a coisa - com uma das suas amigas, me foi dito que tinha acabado de sair de uma dieta rigorosa. somos todos tão superficiais a este ponto, alguém que num momento nos acende a chama piloto cá dentro fora tão invisível antes. é claro que eu não parava de falar na rapariga dos olhos verdes, não de relva mas talvez de alface. acabei por a conhecer. no dia da entrega das notas estávamos a falar no jardim em frente à escola e no acaso da conversa ofereci-me para a escoltar a casa. ela aceitou. a vontade, os sinais, o ambiente estavam lá, menos o primeiro passo. assim, à porta de casa dela perguntou-me para onde eu ia e concluiu que se tratava de uma distância considerável e ofereceu-se para me acompanhar. eu aceitei. é claro que a meio da nossa viagem apercebi-me que um rapaz não deve deixar uma rapariga andar sozinha, especialmente depois de se ter oferecido para a levar a casa. voltámos para trás. mais um dedo de conversa à porta de casa e vou-me embora. fosse hoje, tinha-lhe roubado um beijo ali mesmo. há coisas que nos arrependemos imenso de ter feito - são as piores -, mas há também tanto que nos arrependemos de nunca ter tido a coragem para tentar - são o nó na garganta que o tempo atou. agora já é tarde, na altura eram só coisas de miúdos.

domingo, 19 de setembro de 2010

o pior é a mediocridade da minha alma

vou fugir daqui — da mediocridade
que me corrompe a própria existência,
me quebra toda e qualquer resistência —
e desaparecer desta cidade.

nasce entre ventres de dor e floresce,
esta inveja que se emerge imponente,
que aquilo que pertence a outra gente
sabe melhor que ao que se merece.

jamais digno de reconhecimento,
a sorte evita-me e passa ao lado,
prefere dar a um outro o meu momento.

eu sou p'ra nunca ser sempre lembrado,
no purgatório sofro do tormento
de nem ser realmente um abandonado.

sábado, 18 de setembro de 2010

quando éramos pequenos #2

recordo-me das situações mais extraordinárias do meu primeiro amor, o que marcou na carne. mas aquele mesmo verdadeiro, que durou anos e me deixou, muitas vezes, fora de mim, de rastos. não foi pela rapariga dos cabelos aos caracóis, saia de pregas e meias de renda. não, não foi por essa rapariga. foi pela outra, a mais simples, a mais branca, cabelo liso e escuro. ainda que, pela rapariga dos cabelos enrodilhados, tenha eu certo dia convencido um amigo que ir estudar para a escola numa manhã sem aulas era boa ideia. mas não, era tudo engenho para ver aquele meu fraquinho bonito que... bom, estava a falar com outro rapaz no intervalo enquanto que eu tremia por todas as extremidades que tinha e continha aquela gota salgada de saltar para fora do olho durante uma conversa discreta e dissimulada com uma das suas amigas. conseguimos nos sentir terrivelmente idiotas quando crescemos e encaramos as situações do passado com o coração de hoje. é mesmo incrível a sensação que ainda me dá para me esconder debaixo dos lençóis da cama por ter agido, enfim, como um inexperiente naqueles dias. não necessariamente que, se fosse hoje, encarasse as situações de uma maneira melhor, apenas diferente. no final de contas, tudo o que há a fazer é espreitar a janela do passado, corar e sorrir enquanto pensamos 'que tontice', são mesmo coisas de miúdos.

sábado, 11 de setembro de 2010

quando éramos pequenos #1

lembro-me do meu primeiro amor. ela era mais velha e muito bonita, acho que nem eu sabia a sorte que tinha. mas algo era certo, todos os dias eu beliscava-me no coração para ter a certeza que a realidade não era um belo sonho. há tantas histórias de quando se é pequeno, na altura significavam o mundo e agora são nada mais que pequenas janelas onde se pode ver um filme que nos trava um leve sorriso nos lábios e que não desaparece enquanto não terminar. as coisas estúpidas que fazíamos, as maldades que falávamos sem pensar com o intuito de magoar. no final, o ser mais atordoado éramos nós mesmos, de tanto arrependimento e aflição daquele mal-estar que desejávamos provocar. caiem no esquecimento enquanto a nossa vida se torna cada dia mais monótona, repetitiva, rotineira, à medida que ganhamos responsabilidades e deixamos de ser crianças para fazer asneiras. esperam tanto de nós e temos de estar ao nível das expectativas, mas no fundo... bem, no fundo todos queremos é brincar e ser pequenos novamente. dizer maldades, partir bens valiosos, esconder das pessoas, viver no mundo inocente. aquele que é fácil quando tudo o nos dizem é 'brinca com cuidado' porque, no fundo, são só coisas de miúdos.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

varreu-se o chão

é que hoje eu caí e ninguém me levantou do chão,
passaram ao lado e ninguém me estendeu a mão,
olharam para a minha sujidade com desdém,
contornaram a silhueta e contaram até cem.

mas o dia passou e hoje eu estou de pé,
de pé porque ainda não me ofereceram o chão,
nesta minha forma bípede em que perco a fé,
aquela que tinha e se estilhaçou então.

cruzei-me contigo por mero acaso,
quando me empurraram ao teu encontro,
e com o nosso breve confronto,
achei vontade para mais um passo.

desejo agora todos os meus dias,
que a ti me sujeitem novamente,
que me submetam dolorosamente,
ao abraço das tuas pedras frias.

é que eu antes estava bem e levaram-me ao chão,
agora que te provei, nada mais quero eu não,
deixem-me na minha miséria a deleitar por aí,
reneguei ao conforto quando daquela cama caí.

de pensar que sempre lá estiveste,
a segurar-me no mundo, com o teu abraço,
mas aquele amor que nunca tiveste,
rego-to agora nas gotas do meu cansaço.

eu só queria o mundo de almas vazio,
um lugar a sós contigo,
deitar a cara no teu ventre macio,
chamar-te o meu único amigo.

digo com a maior das clarezas,
quem me tira o chão, tira tudo,
que esse está lá, sobretudo,
na queda das maiores belezas.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

diálogo moral

- vais sair?
- sim.
- tem cuidado.
- está bem.
- não, a sério. tem cuidado.
- já disse que está bem. vou ter cuidado.
- e vê lá o que bebes.
- o que me apetecer.
- olha o álcool...
- que tem?
- se te apanham é uma chatice.
- não apanham nada.
- e se tens um acidente?
- acontece, não há como evitar.
- as estradas estão molhadas e se beberes é muito perigoso.
- é sempre perigoso, quer beba quer não.
- e se acontece algo mais grave?
- cada um tem a sua hora de ir embora.
- isso não são coisas que se digam!
- é verdade.
- e se és tu a tirar uma vida?
- é um acidente, não se faz de propósito.
- mas é horrível.
- pois é, eu sei.
- podes ter muitos problemas judiciais!
- se todos os problemas fossem judiciais estava o mundo muito bem.
- não digas isso, olha que podes até ir preso!
- e que tem de ser preso por se fazer algo mau? estou farto da sociedade de hoje, parece que as pessoas já só não matam, roubam ou abusam com medo das consequências judiciais.
- que estás para aí a dizer?
- estou a dizer que devia-se evitar cometer crimes não porque são crimes mas porque moralmente, no coração de cada um, ainda seja possível perceber que são actos repugnáveis. mas parece que cada vez mais esse sentimento se esquece, que é tudo medo das represálias da lei.
- não sabes o que dizes.
- será? o melhor polícia é aquele que reside na nossa caixa pensante.
- tu e as tuas teorias.
- não são teorias, é a verdade. revolta-me! e agora vou sair que se faz tarde.
- até logo.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

ensaio sobre as fronteiras do homem

vagueia-me no pensamento a tentadora ideia de um país que não é país, seja uma terra de perfeita liberdade. o nosso redondo globo encontra-se totalmente cartografado e as terras habitáveis pelo homo sapiens estão dividias e distribuídas por republicas, reinos, principados, ditaduras, democracias, estados, a lista continua. o pouco que resta livre encontra-se espalhado pela terra de marie byrd (antárctica), o maior território não reclamado por alguma nação no planeta.
para aqueles que acordam de manhã com vontade de não serem portugueses, ingleses, espanhóis, indianos, japoneses, americanos, mexicanos, franceses, russos, suecos, angolanos, marroquinos, entre todos os outros, o que há? nada. quando nascemos, ninguém nos entrega um inquérito com diversas perguntas como 'que religião deseja que lhe seja incutida, se alguma?' ou 'está contente com a nacionalidade portuguesa ou prefere outra, se sim indique qual?', mas era bom. ao invés disso, somos treinamos durante aproximadamente vinte longos anos a falar uma língua mãe que nos permite comunicar com as pessoas do nosso país, mas não de todos os outros. é-nos dito que os impostos pagam os cuidados de saúde e a protecção das pessoas por parte das autoridades e por isso devemos procurar um emprego respeitável para que tenhamos a capacidade de garantir essas necessidades básicas, assim como algum luxo pessoal. agrafam-nos a moralidade e a regras da vivência em sociedade, o conceito de certo e errado, bom e mau. contudo, somos seres egoístas com um livre arbítrio tão imprevisível como a reacção de uma mulher a uma declaração inesperada de amor. de volta ao formulário, para aqueles que simplesmente desejam uma existência selvagem de cabelos fartos e barbas grandiosas, seios descaídos e rabos queimados pelo sol, o que há? nada. de certo não se imagina como alguém pode querer tal coisa, mas eu também não imagino como se consegue roubar a vida a outro alguém e fazem-no. constantemente e demais.
para todos aqueles que gostavam de viver do que a natureza nos oferece, não trabalhar pelo produto que o supermercado oferece pronto a usar podia-se criar uma terra de ninguém, uma terra de todos. para os sem pátria, para aqueles a quem as barreiras não são lógicas. a árvore que cresceu no eixo exacto da fronteira, as hastes de cá são portuguesas, as de lá são espanholas.
concluo, após um pesar pensar, que tal utopia, por mais bem intencionada que fosse, seria impraticável. o ser humano tem a necessidade de conquistar, mandar, tornar-se poderoso. qualquer pedaço de terra não reclamado, cedo o seria. a anarquia não é uma solução prática apesar de cair tão bem na teoria. mas sonhar é bom, sonhar é mesmo bom. pode ser que um dia, o mundo seja uma única nação. a nação não-nação, és livre aqui, cuidamos uns dos outros.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

a coisa mais simpática que me disseram até hoje

"se toda a gente fosse feliz, o mundo era uma porcaria e se eu fosse sempre feliz, não queria estar contigo."

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

a canção do herói

dá-me um poder,
daqueles especiais,
p'ra que eu possa ser herói
de ti e nada mais.

dá-me um teu beijo,
só por esta noite,
p'ra que este desejo,
me deixe inconsciente.

sentir-te aqui ao lado,
tocar-te ao de leve,
carregar-te pelo céu azul,
no cabelo, floco de neve.

troca-me o mundo,
inverte as leis reais,
p'ra que estes meus poderes,
sejam bons e sejam fatais.

mas deixa-me cantar,
devagar e a morrer,
que este teu herói,
está cansado de correr.

encontra-te em perigo,
deixa-te apanhar,
eu quero ser herói
de algum amor ganhar.

confessa-te amigo,
que monstro encarnaste,
o teu ponto fraco,
uma chama ateaste.

este é o combate,
o meu palco de amor,
a conversa entre os dois,
desprovida de cor.

na hora do fim,
chega a tua carta,
ser herói já não basta,
que tu estás farta.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

amar até doer

tragam até mim essa jovem mulher,
recheada nos seus belos encantos,
em mim se abrem seus olhos espantos
nesta penetrante paixão de sofrer.

a voz, que cá dentro trava batalha,
anseia por ferrar também as garras,
pertencer às histórias que narras
e escorrer pelo gume da navalha.

abram-na para mim, querida flor,
deixem-me alimentar desse néctar,
analgésico contra a minha dor.

esta bela boneca de brincar,
que se despe aqui ou onde for,
só existe para apaziguar.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

explica-me mil vezes

- joão, ajuda-me rápido!
- o que precisas?
- ajuda-me aqui a fazer esta coisa. como fizeste da outra vez, lembras-te?
- lembro sim. não aprendeste?
- não percebi nada daquilo que fizeste, parece bastante complicado!
- é lá agora complicado, está atenta que eu explico-te.
- não podes ser tu a fazer?
- posso sim, mas não preferes que te ensine?
- a ver-te fazer essas coisas até me sinto burra.
- não és nada burra, toma atenção.
- está bem, faz lá rápido!
- vê como eu faço e para a próxima já não precisas de mim.
- incomoda-te muito que te peça alguma coisa, é?
- nada disso, faço com todo o gosto.
- então cala-te e despacha-te.
- mas não te fazia mal algum aprenderes também, um dia posso não estar por perto para te resolver isto.
- eu espero que chegues.
- ou posso estar ocupado.
- estás a dizer que te custa vires aqui ajudar-me?
- não, não! de todo!
- se é para vires com essa atitude, prefiro que não venhas.
- mas que atitude, joana?
- essa. peço-te ajuda e vens todo mal humorado.
- venho lá agora.
- vai-te embora, eu desenrasco-me sozinha!
- mas ainda não acabei.
- não interessa, não te quero aqui contrariado. se fazes tanto frete, mais vale não fazeres nada.
- não faço frete nenhum! deixa-me lá acabar isso.
- não quero! vai-te embora!
- porquê?
- depois dizes que só te chamo para me ajudares e que não sei fazer nada sozinha e não quero aprender.
- digo nada.
- dizes, dizes.
- como queiras.
- vai-te embora, vai-te embora!

domingo, 1 de agosto de 2010

pensar em ti

pensar em ti é apenas mal menor,
que tal devassa mente fantasia,
correr tais caminhos em demasia
que olhos vendados já sabem de cor.

pensar em fugir, ir daqui p'ra fora,
resistir ao cheiro desse cabelo,
e o anel que tens no dedo — rompê-lo!
p'ra não haver desculpa ou demora.

surge ao longe o selvagem babuíno,
vem acudir a sua dama em perigo,
mostrando o peito vermelho genuíno.

as hastes que trazes contigo, amigo,
são a oferta desse ser feminino
que partilhou da tua cama comigo.

terça-feira, 27 de julho de 2010

porquê?

- precisamos de falar, joana.
- precisamos?
- sim.
- mas tem de ser agora?
- sim.
- é urgente?
- é de vida ou morte!
- conta-me, o que se passa?!
- estou apaixonado por ti. perdidamente.
- ...o quê?!
- encontro-me nesta aflição horrível! tenho-te cravada no coração como uma espinha grossa de bacalhau atravessada na garganta que, por mais que tente, não se move, apenas piora. desespero por ti!
- explica-te.
- não aguento mais esta dor, boca seca que me custa a engolir. alivia-me com um beijo, aspira-me a espinha pelos lábios ou aperta-me as paredes da garganta e perfura-me desta vida para fora.
- não sei o que te dizer...
- tudo menos nada, por favor.
- oh, joão!
- eu amo-te.
- porquê?
- porque és a estrela mais distante e, no entanto, és, no céu, a mais brilhante. a estrela polar quando me perco.és vénus pela manhã, a minha pedra rosetta do amor. és a nebulosa mais linda do universo, que para admirar a tua verdadeira beleza é preciso distar de ti milhões de anos à feroz velocidade da luz que, de perto, tanto te ofuscas criatura, nas tuas saias sem jeito. mas queres saber? adoro a tua falta de senso, a tua imbecilidade, a tua inocência. credo, como eu te amo! amo tudo o que faz de ti um holofote na multidão. sim, captas sempre a minha atenção, que desprender estes olhos daí nem para salvar a própria vida!
- depois falamos sobre isso. até amanhã!
- até amanhã.

sábado, 24 de julho de 2010

só para nós

lembras-te daquela noite?
não?
lembras-te daquela tarde?
também não?
e lembras-te da primeira manhã?
eu não acredito em ti,
eu sei que te lembras,
sei que adormeces nessa imagem.
eu guardo em mim, só para nós,
esse momento.
às vezes apetece-me gritá-lo ao mundo,
até dos meus pulmões jorrar sangue,
a pele descarne da minha garganta.
mas não, não o faço.
se algum dia aquela tua fraqueza viesse a público
seria uma condenação ao apredrejamento,
talvez até morresses!
vou guardar a sete chaves,
carregar na minha cova,
esconder depois no inferno.
sonho que nunca devia ter sido sonhado,
em vontade e angústia no teu peito cerrado,
mas que em verdade é a tua mais bela memória.
sobrevivo sabendo que a história mais bonita
foi contigo e acordado,
ainda que o negues,
testemunha alguma exista,
em mim, corre vivo.
o dia em que nos cruzamos,
trocamos olhares,
não falamos, somos estranhos afinal,
porque nada aconteceu.
mas em mim nasce a lembrança
que se reproduz em ti,
e, por um instante,
voltamos àquela manhã, tarde, noite.
é em mim história,
os teus três melhores erros,
que, aos outros, são nada.
segue para braços alheios
comigo no coração.
eu durmo
onde fizemos amor no chão.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

um dia normal

hoje é um dia normal, corriqueiro.
no final da década de oitenta, nada de especial aconteceu.
ou talvez sim, estrearam os simpson e aboliram o muro de berlim.
mas nesta pequena cidade, a vida continuou.
igual, simples, como um rio que permanece imutável.
a passagem do tempo deixa de ter significado.
foi como a chegada de uma encomenda aguardada,
aguçaram a faca e cortaram as amarras,
libertaram a fera no mundo.
ah, desgraçado de quem o fez!

sábado, 17 de julho de 2010

deixa tudo, foge comigo

- acorda! acorda rápido!
- o que foi? deixa-me dormir.
- anda lá, tens mesmo de acordar, já há pouco tempo!
- pouco tempo para quê? estás mesmo chato!
- tens de vir comigo.
- mas ir onde, não vês que estou de pijama?
- vem comigo até lá em baixo, quero mostrar-te uma coisa.
- e isso não pode esperar por amanhã? estou mesmo cheia de sono.
- não.
- mostra-me.
- aqui está.
- o que é isto?
- é uma nave espacial.
- uma nave espacial?
- sim, uma nave espacial.
- joão, isto é uma caixa de cartão pintada.
- não, joana, é uma nave espacial.
- não acredito que me acordaste para isto!
- mas não vês que estão a preparar o lançamento? já temos pouco tempo. rápido, entra!
- vou entrar mas é de volta para a cama e amanhã vamos ter uma conversa.
- vamos sim e vai ser em marte!
- em marte?
- sim, esta nave vai partir para marte dentro de 10 minutos.
- deixa de sonhar, vamos dormir.
- perguntaram-me quem escolheria se o mundo acabasse amanhã e eu pudesse fugir para marte só pudendo levar uma pessoa. eu fiquei a pensar e decidi prevenir-me. construí uma nave espacial para nós porque não queria comigo nenhum outro alguém num planeta gélido e deserto que não tu.
- então despacha-te a entrar que já só faltam 2 minutos!
- e vamos ter que repovoar o novo mundo.
- idiota.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

ensaio sobre a demência

 
para determinar a indutância (ou capacidade de induzir) da demência num dado sujeito de estudo elaborei os seguintes passos, que considero fulcrais ao processo. não impossibilita, contudo, a inserção de etapas suplementares.
em primeiro lugar há que dar importância ao historial clínico do sujeito. é estritamente necessário que este se encontre livre de problemas do foro psiquiátrico / psicológico, tanto no presente como no passado. durante o exame de rotina, procurar a existência de tendências (depressivas, obsessivo-compulsivas, suicidas, sociopatas, anti-sociais, fobias, entre outros) que possam adulterar / viciar o processo em estudo. assim que se verifiquem todos os pré-requisitos, o sujeito é doravante considerado uma tábua rasa. uma folha em branco onde se irá escrever as linhas que derrocaram a barreira entre a sanidade e a demência, eliminando todo o contacto humano com o que o sujeito detinha com o mundo real.
o passo seguinte deve ser cuidadosamente estudado para evitar eventuais falhas, descontextualizações, paradoxos e outros problemas. consiste em inventar uma história credível, considerando a experiência de vida do sujeito. para isso é recomendado um conjunto de entrevistas a familiares e amigos mais próximos. esta história será então utilizada na implementação de todo o processo. o objectivo desta situação virtual, que deve prever uma explicação plausível para o facto de o sujeito se encontrar no lugar onde está (internamento psiquiátrico), é o de suscitar a confusão da realidade no cérebro e memória do paciente. ou seja, criar um estado de dúvida tal que, a certa altura, o sujeito perca toda a noção do que é fictício e do que é efectivamente real. é de notar que, os efeitos induzidos pelo estudo podem tornar-se permanentes.
nesta fase do processo dá-se inicio ao estudo, cuidadosamente controlado, esperando-se uma performance artística excepcional por parte de todos os actores e clínicos que entrarem em contacto pessoal com o sujeito.
sendo uma experiência com resultados visíveis unicamente a longo prazo, esta requer dedicação por parte de todos os intervenientes. a última etapa do processo consiste em colher os resultados e estudá-los. tomando como base todas as observações e relatórios parciais realizados ao longo de todo o estudo, é compilada uma dissertação sobre o resultado final e respectivas conclusões a retirar. deve planear-se também o futuro do paciente, considerando a sua, se possível, recuperação ou internamento permanente, devido aos danos induzidos pelo processo ou pelo próprio sujeito em qualquer altura.
proponho um pequeno exemplo prático elucidativo, uma experiência de pensamento que espero que o leitor interiorize colocando-se no lugar do sujeito em causa. suponha-se que se voluntaria neste tipo de estudo / ensaio. a partir do momento que é internado é gerada uma rotina. esta inclui visitas diárias por parte do clínico responsável, uma dosagem de vitaminas e placebos, horas de recreio, entre outras actividades que se considerem relevantes e contextuais. após algum tempo, estando o hábito estabelecido, a atitude das pessoas que lidam com o paciente altera-se sem razão aparente. começam a tratá-lo como louco, demente, insano. o paciente começa a questionar-se a razão de tal mudança, o que poderá ter mudado. com o passar do tempo, a intriga aumenta. nesta fase, a história ficcional começa a revelar-se ao sujeito, é-lhe dado a conhecer a verdade de este se encontrar ali 'preso'. nesta altura a atitude dos intervenientes no processo deve ser cíclica, onde, num dia o paciente é tratado de forma normal e no dia seguinte é tratado como doido, e assim sucessivamente. o objectivo é gerar a dúvida no seu subconsciente até que este não mais consiga distinguir o que ele pensa ser verdade e fantasia. num dia normal, a atitude perante o sujeito será de que este se encontra internado de livre vontade. num outro dia, a atitude perante o sujeito será de que este foi 'condenado' ao internamento devido a um acto atroz por ele praticado. a certa altura, os dias normais diminuirão até se deixarem de praticar. nesta altura é explicado ao paciente que a sua mente inventou a situação do internamento voluntario para não encarar a realidade do acto que cometeu.
imagine-se uma angústia tão grande quando júpiter, o planeta. quando ninguém acredita. mas na verdade, o que, para nós, é real, não passa de verdade reflectida / emitida pelos outros, pela sociedade. considere-se a seguinte situação: todo o ser humano do planeta se reúne para alterar o nome das cores e o leitor é a única pessoa que não foi avisada. passado algo tempo vai a uma loja e pede um metro quadrado de tecido azul e é-lhe entregue um metro quadrado de tecido de cor vermelha e reclama a dizer que pediu azul. toda a gente no mundo lhe diz que aquilo é azul, mas o leitor sabe que é vermelho. é rotulado de doido e, a partir desse momento, nada mais do que diga será levado a sério por alguém. mas tal como no exemplo da mudança das cores, se o mundo inteiro passasse a chamar azul à cor vermelha, esta não mais seria vermelha mas azul. as nossas verdades o são porque nos dizem que o são. se dizemos que não somos dementes.
mas seremos nós realmente capazes de distinguir fantasia de realidade? e se um dia acordamos para descobrir que tudo foi um sonho? ou pior, uma ilusão para ocultar um evento dramático? conseguiremos encarar a realidade? talvez os loucos sejam os únicos verdadeiramente sãos.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

o prometido é devido


eu prometo que,
um dia,
vou parar de prometer.
um dia,
eu esqueço-me de esquecer.
um dia,
vou deixar de procurar.
um dia,
vou amar só por amar.

sábado, 10 de julho de 2010

o rei miserável


as pessoas do novo reino começavam a esquecer as acções do malvado rei. o novo soberano, este eleito pelo amor do povo, após liderar a revolta dos trinta dias, era tudo o que o anterior nunca fora. a preocupação que tinha pelos seus súbditos era lendária, não se limitava ao seu estômago e outros prazeres.
outrora, existia uma imponente estátua do antigo governador no centro da praça maior. recolocada, serve agora de pelourinho para implementar a lei àqueles cujo peito alberga uma rocha ao invés de músculo. uma nova figura será revelada dentro de dias, tomará o seu lugar como marco da cidade e do reino no centro da praça, esculpida no mais belo mármore para imortalizar o bondoso rei. esse visionário inexperiente tem um dom peculiar.
o jovem rei tem o coração no lugar certo, mas a sua mente ainda não está madura. decidira doar o seu dom às gentes do seu reino - queria torná-lo uma utopia, um lugar onde, para os seus súbditos, a mágoa fosse uma temível lenda. assim, todos os dias, o povo apresentava-se diante do seu senhor, carregando pequenos ou grandes sacos para onde haviam previamente espantado as suas misérias pela voz, até restar nos seus pulmões uma só réstia de fôlego. isto porque, este rei, tinha o poder de, no seu coração, aprisionar as tristezas de outrem.
com o passar dos anos, o reino tornou-se um campo verdejante de sorrisos silvestres, onde não se encontrava uma única erva daninha. era, sem dúvida alguma, o pedaço de terra mais feliz que já se vira. toda a gente era feliz. toda a gente, menos o rei, mais infeliz que todos os povos vizinhos. doença encontrou o jovem rei no seu quarto ano de reinado e havia piorado constantemente. este já não saúda as multidões, já nem recorda o calor do sol ou o cheiro das mulheres a lavarem os trapos. a cada novo dia, mais e mais gordos sacos chegam às portas do castelo. as suas barrigas aumentam mais que o consumo de álcool no reino inteiro. as pessoas tornaram-se intolerantes e gritam nos sacos todo o calafrio ou arrepio que sintam. tudo era levado diante do seu rei, até o frango que chegou à mesa cinco minutos mais tarde que o grunhido de fome, com pouco molho. a doença do rei agrava e aflige todos os seus sentidos.
aproxima-se o décimo ano de regência, o desespero atinge o ponto sem retorno. pergunta-se o rei sonhador todas as noites, na sua fútil tentativa de adormecer pela primeira vez desde há muito "mas porque me preocupo eu com esta gente egoísta, mentirosa e depravada?". ao raiar do primeiro dia, ouve-se ecoar por todos os corredores do castelo "chega finalmente o dia em que beijo o sono eterno. abraça-me contra o teu peito, minha amada, com o teu melhor vestido negro".

quarta-feira, 7 de julho de 2010

o pequeno faroleiro

há dezassete anos atrás, um jovem casal fugia para viver do amor. levavam consigo apenas dois sacos de esperança e uma mochila de força. porque fugiam? ninguém suportava vê-los juntos, a namorar ao pé do rio, em frente à igreja ou a dançar no café. após muito correr, saltar, esconder e fazer amor na arrecadação do lavrador, encontraram um farol abandonado. pareceu-lhes muito bem, decidiram viver lá. ela estava grávida e ele era trabalhador. ela deu à luz meses depois.
ao longo dos anos o farol tornou-se um lugar excepcionalmente bonito. era simples, uma casa de sorrisos. ele consertou tudo o que estava partido, substitui tudo o que faltava, até o velho farol rejuvenesceu e tornou a iluminar o oceano. ela cozinhava empadão e chamava os rapazes para jantar.
sete anos passaram desde que decidiram ser uma família ali, naquele farol à beira mar. o pai desapareceu, a mãe desapareceu, o rapaz ficou sozinho. o que aconteceu? ninguém sabe, é uma história para outra altura. trágica, sem dúvida.
o rapaz, a quem as pessoas da vila chamavam 'o pequeno faroleiro', celebra o seu sétimo aniversário hoje. nem se lembrou, desta vez a mamã não vai acordá-lo com um pequeno-almoço delicioso. no ano passado havia panquecas com mel, leite fresco e cereais que foram usados como projécteis numa batalha feroz, o rapaz escondia-se nos lençóis e a mãe atrás da porta. ainda de pijama, correu pelas escadas e tirou as chaves da mão da pai, uma caça ao bandido que terminou com a mãe a ralhar com os dois rapazes por irem para o mar com a roupa vestida! mas este ano, tudo é diferente.
o pequeno faroleiro desbobina a sua rotina diária pela ducentésima trigésima quarta vez. acorda às 6:43 da manhã, desliga o farol e volta para a cama. acorda de novo às 9:37, passa a cara por água e come um pouco do leite e pão fresco que todos os dias lhe deixam à porta entre as 7 e as 8. durante o resto da manhã patrulha as praias, procura conchas extraordinárias para a sua colecção e gaivotas presas no lixo das pessoas da vila. a rondar o meio dia, abriga-se à sombra debaixo das rochas da falésia das mil mortes enquanto espera que um insensato peixe morda o seu isco. são 14:23 e já há almoço a puxar a linha! uma pequena sesta na erva de pasto ali perto e uma corrida pelos campos dos agricultores. com uma alface aqui, uma batata ali e um ovo acolá faz-se uma alimentação equilibrada. à noite, depois de lavar os dentes e reacender o farol, há tempo para ler as aventuras do pai e acrescentar as suas próprias. quem sabe, talvez um dia, a bela madalena oiça contar lá na vila as suas heróicas histórias contra o feroz caranguejo azul ou aquela em que apanhou o peixe de 5 kilos!
às vezes senta-se no degrau da porta de entrada e olha o caminho que leva à vila, lá em baixo. imagina-se a brincar à apanhada, às escondidas, a escutar a professora com os outros meninos da sua idade. pensa no quão mais bonita será a pequena madalena ao perto. sente saudade do beijo da mãe, do abraço do pai, de se esconder no meio deles nas noites em que a tempestade estava mesmo zangada. mas graças ao trabalho do seu pai, o farol voltou ao activo e o comércio na vila nunca esteve melhor. novamente chegam embarcações com mercadorias fantásticas, provindas de todo o mundo. o pequeno faroleiro é o único a quem o seu pai ensinou a manobrar os complicados mecanismos que fazem aquela luz iluminar o mar. um pequeno génio condenado pela necessidade das gentes.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

a carta que nunca te enviarei

querido meu amor,
mulher que sempre amarei,

escrevo-te esta carta em pleno desespero. gostava que as circunstâncias fossem outras, que a física se invertesse, que o tempo recuasse, que o espaço encolhesse, a distância entre nós fosse nula e o tempo infinito. mas não. é verão e o calor que nos assola é abrasador, não se pode deambular pela cidade nas horas em que mais me sinto de ressaca. aquele bichinho que morde este meu coração, a vontade de percorrer todos os 507 quilómetros quadrados das nossas 34 freguesias na fútil esperança que te apeteça um gelado. afastas-te da tua casa de morada desconhecida e eu posso apaziguar esta aflição, tormento infernal, ao observar-te, bela criatura, enquanto sacias a tua sede. como eu gostava de me aproximar de ti, olhar-te esses oásis de lágrimas e ler a mensagem que cravaram no teu peito. como eu gostava que essa fosse 'não há mais barreiras, a bandeira é branca e o sinal verde. estou aqui, ouve-me acelerar e leva-me ao limite. sim, dessa maneira'. o beijo que te dou é uma singularidade de gravidade infinita, o horizonte de acontecimentos que nos abraça e protege do universo exterior. aqui só existe amor, lábios e língua. ressoam em sincronia enquanto a força entre nós esmaga e os nossos corações se fundem num só. a conservação do momento que nos acelera à medida que nos colapsamos. daqui, nem a luz consegue escapar!
gosto de imaginar que somos um átomo de hidrogénio, tu és o protão e eu o electrão. somos estáveis, somos auto-suficientes, somos sozinhos e atraí-mo-nos mutuamente sem, alguma vez, nos podermos verdadeiramente tocar. aqueles míseros picometros que nos separam são mais um pesadelo de raio superior ao do universo. mas para o lixo com todas as teorias, quero sentir a repulsão da matéria que compõe o teu corpo de vénus contra mim, a fricção que nos eleva ao ponto de fusão do tungsténio! mas se apenas passar de carro pela padaria nova, espreitar e conseguir te reconhecer, por entre os vultos ensurdecedores, no teu melhor vestido, aquele que tu adoras, eu sou um homem feliz. chego a casa, estaciono o automóvel na garagem e corro para a cama onde me deito a fitar o tecto e a sonhar que te trauteio uma balada. sim, o resultado é inevitável, um sorriso capaz de transformar um ser humano em mil gotas de mercúrio. daquelas que as outras tentam agarrar, mas nem com as unhas!
queria que tudo fosse simples, mas nem esta carta que jamais te chegará às mãos o é. se fosses um botão de inspiração, o meu, eras um bem encravado que nem com o alicate volta ao lugar. que posso eu fazer? condenas-me por libertar de mim todo o português que jorra da fonte que originaste? eu te digo, não te absolvo inteiramente. quem sabe se, no universo complexo, o teu alter ego saltou do eixo real para o eixo imaginário, tocou-me de leve (como que a medo) e regressou ao lugar, como se nada fosse. e eu que pensava ter-me apaixonado por ti. perdidamente!
deves tomar-me por rude. quem escreve cartas de amor sem elevar o destinatário ao trono dos deuses? tu és a criatura mais bela que esta besta já capturou com o olhar. tu és a doçura que leva à diabetes em microssegundos. tu és a suavidade que anula o atrito, cessando o consumo constante de energia. tu és o melhor amor a que este pobre coração foi dado de provar. tu és o meu universo, sejas rainha ou transeunte. sim, mas o que importa o que tu és? em tua casa foram colados espelhos na casa de banho, à tua porta depositadas flores de falsos romeos. estas palavras que te dizem nas cartas de amor, que tomas como certas, que outros reconhecem tão prontamente, não te trazem nada de novo, nada de espectacular. mas eu, de certo, tas direi. então, quem escreve cartas de amor sem a promessa de amor eterno, sem a referência à beleza sem igual? eu cá não, não sou desses. gosto das minhas cartas de amor à maneira tradicional.
diz que me amas, responde que me odeias. tão ténue é a linha que separa estes sentimentos conjugados que eu não me importo. somente te peço, não me ignores.

sinceramente teu,
o rapaz que nunca te conheceu.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

o gordo

 
há um homem na minha rua a quem a gentinha decidiu chamar de gordo. é um senhor antipático e carrancudo, as suas trombas são grandes e conhecidas, dizem eles. este sujeito tem a maior, melhor e mais bem recheada casa cá da terra. o seu interior é repleto dos mais bonitos móveis feitos à mão com o maior detalhe nas mais diversas regiões do globo. as paredes foram deixadas ao encargo dos mais reconhecidos pintores, escultores, todo o tipo de artista. tem quadros lindíssimos, bustos reais, os mais belos espelhos.
fugindo aos ouvidos da gente do meu bairro, vou contar-vos a história do gordo. antónio josé marques e boa vila é um homem infeliz e não sabe porquê. nascido em berços de cetim, babou-se à noite em almofadas de seda e amamentou-se dos seios mais gordos que conseguiram encontrar. mas este desajeitado sujeito, a quem o termo fome significa duas horas após o almoço e seis antes do jantar, nunca teve de procurar na ementa daquele bom restaurante que tanto falam o prato mais económico ou reclamar com o garçon da requintada pastelaria da esquina por ter trazido um eclair recesso ao invés daquele apetitoso que chamava da montra. aquele lugar onde a tia vai tomar o chá da tarde com a fiel esposa da sua companhia nocturna, ouvindo-a lamentar-se que o seu homem já não cumpre os seus deveres conjugais. todas as noites antónio adormece a pensar:
"mandei elevar nesta terra a maior casa que consegui imaginar, um lugar para trazer toda a gente desde o sr. serafim da pequena loja de ferragens à sra. margarida cujos dias são passados à varanda julgando a vestimenta das pessoas que vê. todos os dias peço ao meu chef para cozinhar três vezes o necessário, não vá alguém querer visitar-me de surpresa e com aquela larica! mas ninguém aparece e eu dou por mim a comer por dois. guardo na garagem os mais espaçosos, confortáveis e modernos automóveis porque um dia vou levar o bairro a passear àquele bonito lago onde o meu pai me deixava ao cuidado da ama quando a mamã estava de férias com as amigas. as minhas roupas feitas por encomenda aos melhores alfaiates para que se orgulhem de mim quando me vêem passear diante das suas portas. como pode esta gente desdenhar-me? são loucos, é a única explicação!"
o homem gordo, a quem nunca faltou o papel higiénico nas horas mais críticas, nem percebe ao certo o que é o negócio milionário que herdou do seu falecido pai, mas acha que tem algo a ver com comboios. nem se preocupa, os homens do fato e gravata escolhidos a dedo sabem como o hão-de gerir e contribuir-lhe a sua merecida porção. criado pelas mãos calejadas da mãe do rapaz irrequieto, que morava na rua debaixo antes de ir estudar para engenheiro noutra cidade, antónio não percebe aquele sentimento picado no coração. é o vazio da solidão onde um amigo é a única solução. sim, um amigo foi o que sempre lhe faltou e o dinheiro do pai nunca pôde comprar (ou sequer quis, porque nem reparou que o rapaz precisava). mas como fazê-lo chegar, como cativá-lo? não entende como os outros conseguem, como ninguém quer brincar com ele que tem os melhores brinquedos! ah! ele nunca os convidou. habituado a ver o seu pai receber as visitas bajuladoras daqueles homens e mulheres sempre alegres pelos bens que possuía, por os poderem saborear. pensou que a gente do bairro iria, de maneira semelhante, também gostar que ele tivesse boas coisas. um dia iriam aparecer à sua porta saudando a sua bela fatiota, os aperitivos que a maria fez e a nova mesa de bilhar. tal nunca aconteceu porque, para a gentinha do bairro, este homem não era nada mais que um rico herdado que nada mais sabia fazer além de mostrar aos outros o que ele tinha a mais e eles de menos.
"olhem-me só para ele! tão gordo das refeições triplas daquele chef que mal cabe nas calças feitas por medida! e o tamanho daquela casa que dava para albergar todo o povinho deste nosso pequeno bairro? aposto que o desgraçado descobre um compartimento novo todos os meses! aquelas mobílias em madeira de cerejeira que dizem terem vindo da índia. cá também se fazem boas gavetas para guardar os trousses e as meias! e nem sabe desenrascar-se sozinho com tanto empregado para caminhar por ele, se assim for preciso."
são as palavras do povo, na sua humilde inveja da avareza do gordo, a quem nunca ninguém deu a escolher ser rico ou pobre. nunca foram à sua porta pedir farinha, supuseram de logo que tal lhes seria negado. nunca pediram ao gordo para ser seu amigo porque o seu pai nunca deu gorjeta quando ia tomar o café e ler o jornal na taverna do sr. alberto.
(são estes os problemas daquele pequeno mundo que é o meu bairro e resumem-se a saber dar o braço a torcer e à falta de comunicação, boa comunicação!)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

o meu suspiro

como se conhece alguém, hoje em dia?
como se encontra outra pessoa?
como se faz para sair da solidão?
como se procura outra mão?
como se descobre seja quem for?
como se acha o amor?
eu já não sei. muito provavelmente, nunca o soube.

quando eu te vejo pela primeira vez,
sim, és bonita e eu reparo em ti.
e depois? tu nem me viste.
eu esqueço-me que estavas ali,
a vida continua.
até ao dia em que te contemplo de novo,
sim, continuas bonita e eu ainda reparo em ti.
e agora? desta não me sais da cabeça,
fico a sonhar contigo.

mas como pode este homem agir,
a quem tem de recorrer? eu não sei.
talvez seja esse o problema.
devo seguir-te?
que irás tu pensar?
que sou um terrorista do amor,
perdi-te de vez.
desperdicei tudo atrás de um sonho,
esse eras tu.
mas devo cruzar os braços, virar as costas?
se eu não te apanhar, vais tu correr para mim?
devo arrepender-me,
se por qualquer caminho que eu rume,
a minha casa não és tu?

detesto apaixonar-me,
detesto que existas,
detesto o amor,
detesto quem se apaixona,
detesto quem encontrou alguém
porque eu só tenho ninguém.
detesto ficar a sonhar,
detesto imaginar o que seria,
detesto o desejo de te ver,
detesto que te rias sem mim,
detesto ganhar coragem
para nunca te conseguir falar.

são aquelas noites em que me visto bem,
em que me vais sorrir e eu vou perceber-te.
na minha mente vais reparar quando eu passar,
comentar com a tua gente o gosto e o agrado.
este lobo solitário que uiva à roda pálida,
segue sem rumo no seu estilo abandonado.
e tu, que apenas consegues tentar evitar
a necessidade carnal de domar a fera,
levantaste (pode ser que seja desta)
que eu... eu cá fico à tua espera.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

desejo único

se eu tivesse um desejo no mundo, seria ver-te nua.

terça-feira, 22 de junho de 2010

verdadeiro amor

hoje tive uma epifania sobre o verdadeiro amor,
não foi tão dramática como a eureka de arquimedes
quando se apercebeu que o volume de qualquer corpo
pode ser calculado pela massa de água deslocada,
não, foi mais subtil, mas igualmente importante!
subitamente, como que naquele instante em que inspirei,
apercebi-me na facilidade do amor, o qual, na verdade,
nem requer ciência ou arte. só um pouco disto e daquilo.
é tão fácil de amar alguém que responde em tom igual,
já nem se pensa nisso. um ser tão simples,
o pequeno bebé já ama a sua mamã, que o ama de coração.
sim, é tão fácil que, será verdadeiramente amar?
tanto amou bocage,
custou-lhe a decência.
tanto amou marco antónio,
custou-lhe roma.
tanto amou camões,
custou-lhe um olho.
tanto amou d. pedro,
custou-lhe inês.
tanto amou romeu,
custou-lhe a vida.
só quem sente a impossibilidade a arder na pele pode alegar
conhecer o verdadeiro amor. aquele amor que em nós é carnal,
mas não passa de ilusão platónica neste mundo real.
amar intrinsecamente alguém acontece quando não ama de volta,
e continuar a amar, indefinidamente, desgraçadamente, sem nada
pedir, exigir, sequer sonhar em retorno.
sim, é esse o verdadeiro amor, altruísta e puro,
que nada requer além da vontade de existir.
como quem diz com um sorriso ao de leve e uma lágrima
'por favor, existe, para que eu te possa amar,
por favor, deixa-me ver-te uma vez por outra,
um instante e nem pensar parar.
por favor, respira, vive, salta, deixa-me ouvir-te cantar
nem que de longe, preciso sentir-te em algum lugar.
por favor, deixa-me, deixa-me só ficar aqui a amar.'