sábado, 27 de dezembro de 2014

um jogo de prazer: descrição do jogo


Figura 1: Jogo de prazer na sua forma extensiva (esquema em árvore).

na figura 1, está representado o jogo, apresentado anteriormente, na sua forma extensiva. penso que é bastante simples de entender e intuitivo. mais à direita, nos nodos terminais, estão representadas as recompensas do jogo. vou passar a explicar a minha escolha destes valores.
eu assumi que trair resulta em +1 de gratificação para o jogador 1 e não trair resultado em 0 gratificação. se traiu, não mentir resulta em -1 de gratificação e mentir em 0. se não traiu, não mentir resulta em +1 de gratificação e mentir em -1. para o jogador 2, o resultado é sempre 0, excepto no caso em que não houve traição, nem mentira e ela não acredita no benjamim e no caso em que houve traição, admissão e ainda assim não acredita no benjamim.
há situações que são muito irreais e essas estão modeladas com as piores recompensas, como é o caso de não ter um caso e admitir que teve. neste caso, ambos recebem -1 se a benedita não acreditar e perceber que ele está a usar aquilo como desculpa para sabotar a relação. se ela acreditar, neste caso, o benjamim recebe -1, porque se está a prejudicar sem qualquer tipo de gratificação.
ambos os casos em que a benedita acredita que o benjamim teve um caso extraconjugal estão modelados com recompensa nula para ambos. num, o benjamim obteve gratificação do caso, mas admitiu o mesmo — provocando uma desgratificação — e ela acreditou. no outro, o benjamim admitiu que não traiu — dando-lhe uma gratificação — e a benedita não acreditou, causando uma desgratificação.
os melhores resultados são o benjamim trair e mentir e a benedita acreditar e o benjamim não trair, não mentir e a benedita acreditar. ambos têm uma recompensa positiva para o benjamim. como vamos ver, estes resultados são os mais importantes e os mais comuns.
como se pode ver, o jogador 2 não sabe em que nodo do jogo se encontra quando chega a sua vez de jogar. ou seja, a benedita não sabe, quando o benjamim chega a casa, se ele a traiu ou não ou se ele está a falar a verdade ou não. as acções da benedita vão ser decisivas no resultado final do jogo, com resultados possíveis bastante contrastantes. contudo, ela não dispõe de qualquer informação à cerca do histórico do jogo. tudo o que ela sabe são os resultados possíveis, tendo em conta as possibilidades de jogada do benjamim e as suas próprias acções.

seguinte: análise e redução

um jogo de prazer: assunções

talvez não devesse publicar isto aqui, mas — de certa forma — até encaixa bem, na falta de um lugar melhor onde depositar tal ideia. após reflectir o assunto, imaginei um jogo que penso reflectir razoavelmente bem a situação de um caso extraconjugal masculino. vou passar a descrever agora as regras do mesmo.
vamos imaginar um casal — digamos o benjamim e a benedita — que está junto há alguns anos. a mãe da benedita morreu recentemente e ela anda distante do benjamim. certa noite, após uns copos com os amigos, o benjamim termina a noite à conversa com uma mulher desconhecida. entendem-se muito bem e agora começa o jogo em si.
existem 2 jogadores e o jogo desenrola-se num total de 3 jogadas. as duas primeiras pertencem ao jogador 1 (benjamim) e a última jogada pertence ao jogador 2 (benedita). cada jogador tem apenas de escolher entre 2 acções possíveis para cada jogada. começa o jogador 1 e tem de escolher uma do conjunto {Trair, Não Trair}. independentemente da jogada anterior, o jogador 1 joga novamente e desta vez tem de escolher entre {Mentir, Não Mentir}. ainda que, e.g., a escolha da estratégia (Não Trair, Mentir) seja inconcebível, será contabilizada no estudo do jogo. a última jogada pertence ao jogador 2 que tem as escolhas {Acreditar, Não Acreditar} e desconhece por completo as jogadas que o jogador 1 efectuou.
não são considerados factores externos que influenciem as decisões ou os resultados, assim como se desprezam as consequências dos mesmos como o divórcio ou outras represálias. só são contabilizados valores de utilidade que foram distribuídos na tentativa de tornar o jogo mais real e assumem apenas os valores -1 (perda), 0 (indiferença) e +1 (ganho). o principal objectivo é encontrar um equilíbrio. nenhum dos jogadores tem a intenção se sabotar a relação e preferem fazê-la funcionar do que estragá-la. assume-se que o benjamim não tem um histórico de traição. ou, pelo menos, não é do conhecimento da benedita.
as últimas assunções são tradicionais em teoria de jogos. ambos os jogadores são racionais e inteligentes. ou seja, conseguem prever os resultados possíveis do jogo, tendo em conta as acções do outro jogador e das próprias e procuram obter o melhor resultado possível.

seguinte: descrição do jogo

domingo, 21 de dezembro de 2014

alma incompleta

esqueci o nome dos anjos e santos,
esqueci as vontades e perdi a fé
que, de tanto rumar contra a maré,
esqueci, em mim, os sonhos... eram tantos!

os dias que faltam p'ra te ver... são quantos?
parece eternidade, mas não é,
daqui não vou sair ou arredar pé —
estou preso ao chão dos teus encantos.

o tempo que, sem ti, passa é veneno —
infiltra-se no sangue e atinge a alma,
onde já não sou senhor, nem ordeno.

e, sem o teu suspiro que me acalma,
sinto-me, entre os homens, o mais pequeno
p'la falta do teu amor na minha alma.

sábado, 20 de dezembro de 2014

o som dos teus passos

já percorri oceanos em tempestade,
que se fizeram crer calmas lagoas,
mas não o sabem as outras pessoas:
são lágrimas choradas de saudade.

lá p'ra trás ficaram, não por bondade,
descuido tal — pressa que me perdoas —
os ouros, os diamantes... coisas boas
p'ra enaltecer tua já grande vaidade!

todos os feitos — bem sabes que os fiz —
p'ra voltar a segurar-te nos braços
e encontrei-te por sorte, por um triz...

p'la força invisível dos teus abraços,
aprendi, finalmente, a ser feliz...
...até se cessar o som dos teus passos.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

a tua falta

porque me deixo eu encantar
pela tua varinha de condão,
quando nem tu a sabes usar
para encontrar um mísero botão?

tenho a mente conspurcada
pelas palavras que me não dizes,
quando, na rua, vamos de mão dada
e os outros pensam "estão felizes!"

já não sei se é tristeza de amor
ou se tenho amor pela tristeza,
que me persegue para onde for
com promessas de riqueza.

dessa riqueza estou eu farto
e tenho mais do que qualquer um!
...ou serei eu apenas ingrato
por nunca ter passado jejum?

estou louco, eu sei que estou
e não discirno da realidade
o que, na mente, se formou,
e, provavelmente, não é verdade.

quem se lembrou de te criar
e lançar na minha direcção?
jamais consegui acalmar
este cavalgante coração!

melancolia esta que não passa,
nem pelo céu e todas as estrelas
e eu já não sei o que faça
às memórias... vou perdê-las!

nada mais resta para dizer,
que já não to tenha sido dito,
mas ainda há algo que possa fazer,
se porventura me encontrar aflito.

a aflição que tenho da tua falta
é a pedra no sapato da minha alma.
lá dentro, ela corre, ela salta
e no conforto do meu pé se acalma.

és princesa do reino em mim
e não há espaço para rainhas.
neste coração que se fez ruim,
só quero as tuas saudades minhas.

domingo, 14 de dezembro de 2014

se eu te pudesse tocar

as vontades e os desejos que já não tenho, o ar que me falta para respirar e o controlo que perdi para caminhar são alguns dos sintomas que desdenho, porque me estou a apaixonar. faz tempo, muito tempo na verdade, que não me sinto assim — perdido. afinal, para que acordo eu de manhã, se não é para te ver? talvez seja para me lavar, alimentar e manter acordado até ao momento de te abraçar. nada me satisfaz que não traga consigo um pedaço teu: uma imagem, um som, um aroma, uma memória ou o simples mencionar do teu nome e, no entanto, cada uma dessas coisas magoa-me mais do que a precedente. cada lembrança tua, lembrança essa que é — de facto — constante, é uma adaga no coração que outrora foi de aço fundido e hoje é da mais tenra carne. são os efeitos secundários da saudade e eu já não sei o que é melhor: respirar ou cessar. cada batimento cardíaco é um pulsar contra as paredes do meu peito que mal consegue conter a fúria que o tenta desesperadamente perfurar para se libertar das amarras que eu mal atei. já não sei se estou louco ou sempre o fui e tu apenas o despertaste em mim, esse fantasma que entorpecido é doce como as calmas águas de um lago há muito imperturbado. se, ao menos, eu te pudesse tocar...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

catarina

és superior a essa banalidade
c'oa qual te construíram desde raiz,
de banal tens nada — nem o nariz,
perfeito à tua imagem e vaidade.

esse cheiro é encanto por inteiro
e entranha-se nos confins do meu ser,
é força que ninguém pode deter:
doce mel do mais puro e verdadeiro.

saudades eu trago da tua pessoa,
que enchiam este vasto oceano entre nós
até alagarem as ruas de lisboa.

nada apaga o doce som da tua voz,
esse teu dom assim me apazigoa
em qualquer momento que estamos sós.

sábado, 25 de outubro de 2014

adeus (amor de) verão

foi com um golpe certeiro na veia
que me destruíste sonhos por sonhar
e estas asas ficaram por usar —
não mais se prenderão entre a tua teia.

oiço a doce melodia da vitória,
enquanto danças — ou não — no jardim,
sabor de verão que chega ao fim
p'ra se tornar nada mais que memória.

foram os teus olhos de ser carente
que revelaram a alma oculta em ti:
tu foste, és e serás alguém não crente.

culpaste-me por tanto que insisti,
não viste a verdade — é bem diferente:
se te amo ou amei, não sei... desisti.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

cátia

questiona tudo, questiona nada,
dá-me tudo de mão beijada,
leva contigo este meu amor,
que nunca soube onde se pôr,
para que te olhe pela madrugada.

eu ignoro-te com tal atenção
que jamais dei a outro coração,
mais fraca que aquela que dás,
mas tu és mestre em dar para trás
com esses olhos que nada me dão.

e tudo o que ofereces em segredo —
já nem sei se por prazer ou medo —
são fantasias que se enraizaram
em mim e a mim me infernaram
nesse teu raiar que se desfez cedo.

faz as tuas perguntas e tira nota,
que a resposta — seja boa ou idiota —
é, para ti, um tanto cheia de nada
que a já sabias antes de formada
ou sequer a dúvida bater à porta.

mas a dúvida bateu e entrou,
porque deixaste — não se calou,
ficou e ficou a moer, moer, moer
e nenhum se atreveu a dizer:
foi amor que nunca se amou.

domingo, 5 de outubro de 2014

ainda és tu, serás sempre tu

quanto mais eu me esqueço de ti, mais
estás presente por cada segundo
e perto ouço o teu respirar fundo
a negar todos esses teus sinais.

como quem anda ao sabor do vento,
sempre chega onde sempre quis chegar,
ao lugar que escolheste p'ra esperar
a vinda do tempo que se fez lento.

assim ando, ao sabor dos amores
que, em muito pouco, se igualam ao teu —
mesmo despido de todas as cores.

antes que penses tudo se perdeu,
irei contigo, seguir-te onde fores
no barco que o teu sorriso me deu.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

tudo é melhor contigo

se nas rosas surge um melhor aroma,
os frutos são bem mais adocicados —
e é assim que, p'ra mal dos meus pecados,
tudo soa bem p'la voz do teu idioma.

a chuva que cai quando não estás
e a lua que emprega o seu melhor véu negro
são os sintomas de que não me alegro —
nessa ausência, não encontro paz.

aqui, anseio p'la tua vinda anunciada
que, de bem cedo, me roubou o sono
como o calor frio de uma madrugada.

esse coração teu que vem com dono
nunca te impediu de ser tão amada
por quem acha que mereces um trono.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

é mais fácil amar

é mais fácil amar que ser amado,
dar tudo e ter em troca apenas nada
da mulher que, p'ra outro, foi guardada
cujo nome fica p'ra ser sonhado.

mais vale deixar, não correr atrás,
que tropeçar com os trunfos na mão,
sabendo que o que vai no coração
em ocasiões raras satisfaz.

quem me dera poder morrer faminto,
mas esta fome não me quer matar
o corpo que tenho, nem o que sinto.

nunca tive vontade de te amar,
mas foste capaz de activar o instinto
que, p'ra sempre, me há-de atormentar.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

carta de engate

escrevi uma carta a ninguém,
que enviei sem destinatário,
na esperança que surja alguém
cansado de estar solitário.

falei de gostos e desgostos,
pessoas que tive e deixei,
amores imaginários e supostos
pelos quais eu nunca lutei.

enumerei perguntas diversas
num vasto questionário pessoal,
para evitar muitas conversas
que sempre terminam mal.

se o azar ou a fortuna quiser
trazer até mim uma resposta,
que seja de uma boa mulher
ou, pelo menos, bem disposta.

isto da solidão só é bonito
no primeiro segundo apenas,
no segundo já se ouve o grito —
vozes que se fizeram pequenas.

descrevi-me maior que o céu
e mal consigo chegar ao tecto,
esse que vendo não sou eu,
mas leva todo o meu afecto.

imagens minhas não possuo
que, aos outros, não enojem,
então falsas eu construo
e lá me ouvem e não fogem.

a carta em vão foi redigida
da maneira mais eloquente,
com a minha caneta preferida
e um toque de coração quente.

por tantas mãos há-de passar
e nenhumas verão o que tem,
mas agora tenho algo a esperar —
essa resposta que nunca vem.

o amor é contagiosa doença
e, de todas, a que mata mais
com a dor na firme crença
que deixamos de ser mortais.

a nossa alma é-nos arrancada
e perdida, sem par, vagueia
onde só de mão bem dada
sob o céu azul se encadeia.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

andorinha

tanto sono e não consigo parar,
quero andar sem me mover,
tenho tanto para desejar,
se me libertar para o querer.

hoje, o céu fez-se fusco
e iluminou-te sem vontade
e o vento, de tão brusco,
entornou tua vaidade.

haja alma que te acuda
com a maior da bondade,
já que a voz, feita muda,
pouco clama por liberdade.

que gaiola de cristal
te enclausurou, passarinho?
quem ousou fazer-te mal
e roubar o teu caminho?

só quem não te viu voar
é capaz da atrocidade
de impedir o teu bailar
entre o mar e a cidade.

ainda guardo esse sonho
de passear à beira mar
e olhar o céu, risonho,
à espera de te encontrar.

o sol põe-se a oeste
e leva consigo a esperança
que o beijo que me deste
foi mais que uma lembrança.

é nas margens da amargura
que eu morro da saudade
que escorre pela fissura
que causou tua liberdade.

esse monstro teu sou eu,
que cedo te cortei o voo
no direito que não era meu
com o acto que não perdoo.

ó andorinha, foge de mim
e leva o teu bailar encantado,
que eu sou velho e ruim
e tenho o coração conspurcado.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

vazio, desejo, amor e lembranças

há vazio, sim, há vazio
e todo eu sou um nada,
a minha alma está parada
pelo frio, sim, pelo frio.

sinto desejo, sim, desejo
de te invadir e conquistar o peito,
que tudo fez, com falta de jeito,
por um beijo, sim, um beijo.

falta amor, sim, falta amor
não só no meu eu profundo,
em todas as pessoas do mundo
falta calor, sim, falta calor.

tenho lembranças, sim, lembranças
da vida que costumavas usar
e tudo se vai, se me deixas tocar,
as tuas tranças, sim, tuas tranças.

sábado, 9 de agosto de 2014

a pessoa que eu mais admiro

a pessoa que eu mais admiro não é, no sentido lato da palavra, uma pessoa. são duas pessoas e essas são o meu pai e a minha mãe. digo-o de coração e não como uma oração decorada, porque fica bem dizer ao domingo (e nem domingo é). é um facto da qual já me tinha apercebido — no fundo sempre soube — mas que, hoje, me atingiu de raspão.
admiro a minha mãe pela força extrema com que — esta mulher tão frágil — enfrentou o mundo durante mais de meio século. aturou as minhas atitudes deploráveis, as minhas rebeldias inoportunas, afastou os meus medos e nunca me julgou. isto no que diz respeito à minha pessoa, porque ainda tem força para sorrir. ainda encontra maneira de alimentar os músculos faciais, depois de toda a gente a ter calcado — eu inclusive e não me orgulho disso.
admiro o meu pai. sim, sobretudo, admiro o meu pai. apesar de não ter tido um bom começo familiar e de muito ter magoado a minha mãe. ainda que nunca a mim directamente, eu sinto empáticamente o sofrimento dela e quiçá seja mais rancoroso. ao contrário do que possa parecer, admiro-o muito mais por essa mesma razão. admiro-o, porque mudou.
o meu pai é uma daquelas pessoas de quem é impossível não gostar e talvez (ou de certeza) eu tenha alguma inveja ou ciúme dessa característica que, infelizmente, não herdei. eu não consigo ser como ele, sou bastante fácil de desprezar. o meu pai dá-se com toda a gente, de todas as classes sociais, e é o mesmo homem em qualquer situação. se, num momento, estiver a apertar a mão ao presidente da câmara, no seguinte está a cumprimentar o arrumador de carros que é lá ta terra da mulher (a minha mãe) e não se importa que o primeiro homem o veja com o segundo. pelo contrário, penso que até os apresentaria do seguinte modo "este é o meu amigo, o presidente da câmara," e depois "este é o meu amigo, o arrumador de carros," concluindo com "é lá da terra da minha mulher!" sim, para ele, são todos amigos e trata-os como tal. eu, por culpa do envenenamento mediático — ou, simplesmente, porque sou uma pessoa diferente — tenho certas dúvidas de que agiria da mesma forma.
vou só dar um exemplo de uma atitude típica do meu pai com a qual eu consigo relacionar-me. estávamos numa esplanada e uma das pessoas diz para o meu pai pedir um aperitivo extra, de borla, uma vez que ele conhece e trata por tu os donos do lugar. o meu pai levanta-se, pede um aperitivo extra para ele e outro para a pessoa que pediu — e paga ambos. a pessoa não se apercebeu e o meu pai não contou, sabendo perfeitamente de que lhe ofereceriam o dito aperitivo à borla, se assim o tivesse pedido.
a verdadeira amizade está em nunca nos fazermos valer dela, até ao momento em que mais ninguém nos pode acudir. nesse momento, contudo, não será necessário pedir — já lá estarão os amigos.
esta não é uma carta a ninguém, no sentido de que tem destinatários bem definidos. contudo, não quero que estes mesmos a leiam. assim, fica aqui solta e guardada. só espero, continuamente trabalhando para isso, poder um dia chegar aos calcanhares destas pessoas que me geraram, criaram e ainda aturam. se isso acontecer, então poderei ter algum orgulho na pessoa em que me tornei. até lá, sou imperfeito — mas em remodelação, com os melhores moldes que poderia pedir.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

minha inês de castro

há, neste mundo, quem largasse tudo pela promessa vã de uma visão tua.
há, neste mundo, um coração mudo cuja voz esquecida no ar flutua.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

no teu reino sem mim

na terra que eu escolhi não há rei,
serás tu soberana do lugar
onde espero um dia vir a descansar
às margens desse rio cruel e sem lei.

a noite cai, como se nada fosse,
tudo fica sereno na tua terra,
só no peito, de vez em quando, berra
a crua tempestade que a mágoa trouxe.

vai na terra de infindável vazio,
ocupar o lugar que era só meu
e abandonar-me num castelo frio.

já não me lembro do que aconteceu,
possuí o teu coração, mas perdi-o
p'ró amor que, sem mim, em ti faleceu.

terça-feira, 29 de julho de 2014

amar a tua imagem

serei eu capaz de amar uma ideia?
dar-me-ão tal liberdade constrangida?
para que nunca sejas tu feia,
terás que superar-te à própria vida!

vejo-te atravessar o instransponível —
paredes do tempo e do espaço —
como se fosse, algum dia, possível
derreter esse teu coração de aço!

és nada mais do que um véu,
suspenso em fios de ilusão
que a solidão prendeu ao céu
para que jamais toques o chão.

vou fugir e guardar o sonho,
que a realidade não o conspurque.
se o teu ar é enfadonho,
prefiro-te ter-te como estuque.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

auto-flagelação

escondo-me na solidão
que toda a gente vê,
à procura do perdão
que alguém me dê
pelo mal que eu não fiz,
mas admiti-o porque quis.

é fácil passar por mau
e nada ter que segurar —
só a cabeça num pau
por quem cansou de me ilibar
do crime que não cometi
e, por vontade própria, menti.

a minha auto-destruição inútil
é a entrada na má fama,
quando a boa é tão fútil
que, por ela, ninguém clama.
quando, por fim, sou descoberto,
das garras do mundo me liberto.

domingo, 27 de julho de 2014

a cidade fantasma

a cidade cresceu em três dias,
                e toda a gente foi feliz,
criaram-se muitas novas manias,
                antes que a vontade que o quis
tornasse, novamente, a ruas vazias.

fora os problemas do quotidiano,
                daqueles que a fortuna trouxe,
e procurei entre o são e o insano,
                uma ideia só que fosse
original na recta e no plano.

mas as ideias ficam lá distantes,
                das gentes que as carregam,
e eu pensei, ainda que por instantes,
                ouvir suas vozes que berram
essas novas ideias incessantes.

no último dia, tudo ruiu,
                foi-se embora toda a gente,
nenhum pensamento persistiu,
                porque andava tudo contente
à sombra da cidade que nunca existiu.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

amar-te é bom demais para mim

porque ter-te é o maior desejo,
assalto a tua mente sem saberes,
procuro — algures perdido — um beijo,
e largo um labirinto p'ra te perderes,
porque ter-te é o maior desejo.

foi tão bom ter-te nos braços,
acariciar a tua pele e cabelo,
decorar todos os teus traços,
tocar-te o coração sem sabê-lo,
foi tão bom ter-te nos braços.

é a parte de ti que mais adoro,
sincronizar o teu coração e o meu,
esperar o teu encontro — não demoro!
a última barreira, em ti, que cedeu
é a parte de ti que mais adoro.

amar-te é bom demais para mim,
o presente que mais bem guardaste
acorrentou-me neste amor sem fim,
no sorriso com que te apesentaste,
amar-te é bom demais para mim.

todas as noites

todas as noites olho o céu
com intrínseca curiosidade,
se a mão que ela me deu
foi por pena ou vaidade.

todas as noites a seu lado
são um inferno paradisíaco,
que me levam embalado
a um acidente cadíaco.

todas as noites de ausência
são cruéis testes à sanidade
e desmascaram a demência
que tento passar por saudade.

todas as noites a repudio
por não ma deixar amar,
com a força bruta de um rio
que só pensa em desaguar.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

castelo de areia

sozinha, tu inspiras o centro do meu coração
    e acendes o fogo da fornalha de que se alimenta,
        sem saberes que o fazes, sem sequer o quereres.
agora, sempre que enfrentar a solidão,
    sei que a força da tua mão na minha se aguenta
        com a magia em que ocultas os teus poderes.

por mais longe que estejas, ainda me agarras
    tão forte como a maré do bravo mar de inverno
        e delicado que nem sinto o apertar constrangedor.
quero ouvir todas as histórias que narras,
    pela voz do teu canto lírico, que é o mais terno
        que já ecoou pelas entranhas do meu interior.

um dia, já serei eu um bom navegador
    e convidar-te-ei a velejar comigo por mais além,
        onde nunca outro coração se atreveu a navegar.
por agora, terás que acreditar que é amor
    que impulsiona o meu barco a remos não tão bem,
        mas que me leva até ao lugar onde quero chegar.

nessa ilha deserta, onde mora mais ninguém
    construirei o castelo de areia que nos albergará
        e esperarei pelo dia em que me peças para subir.
se os anos passarem, nem mesmo aos cem
    eu desistirei de esperar o dia que te trará
        ao encosto dos meus braços para dormir.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

as 48 coisas que eu gosto em ti

gosto do teu cabelo,
gosto do teu sorriso,
das tuas mãos finas
e da tua falta de juízo.

gosto do teu cheiro,
gosto do teu nariz,
das tontices que dizes
e de te ver feliz.

gosto das tuas orelhas,
gosto dos teus dentes,
do teu coração honesto
e dos teus presentes.

gosto do teu queixo,
gosto da tua barriga,
da tua genuinidade
e de seres boa amiga.

gosto do teu toque,
gosto do teu cozinhar,
da tua pele sedosa
e do cabelo por lavar.

gosto dos teus olhos,
gosto das tuas insanidades,
dos teus traços requintados
e de morrer de saudades.

gosto dos teus sapatos,
gosto das tuas blusas,
da falta de maquilhagem
e das cores que usas.

gosto do teu caminhar,
gosto dos teus lábios,
do teu sabor a chiclete
e dos conselhos sábios.

gosto da tua ternura,
gosto da tua frieza,
da falta de paciência
e do teu ar de princesa.

gosto do teu charme,
gosto da tua inteligência,
do teu lado misterioso
e da tua sonolência.

gosto da tua presença,
gosto da tua voz,
do teu ar de mimo
e de estarmos sós.

gosto do teu calor,
gosto do teu desejo,
do teu mau humor
e de te pedir um beijo.

domingo, 29 de junho de 2014

um indevido indivíduo

um indevido indivíduo endividou-se
e decidiu dividir os dividendos
dos dentes dourados,
com as damas do douro —
em desdém lhe devem dinheiro.

sábado, 28 de junho de 2014

há solução

- estou apaixonado por ti, joana.
- pobre joão... coloca um pouco de tempo sobre a ferida e não lhe mexas durante um bom bocado. vais ver que passa.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

o amor é uma doença

já tentei tudo por tudo
e mais fiz por te merecer,
obriguei o coração mudo
a gritar sem sequer querer.

já elevei as mãos ao céu
e trouxe de lá um bom pedaço,
porque dar-te aquilo meu
causa, em ti, tanto cansaço.

só uma coisa ainda não fiz,
mas que vou tentar agora:
desistir de ser feliz
e expulsar o amor p'ra fora.

em verdade, eu estou doente
e esta doença é uma loucura —
há-de passar, certamente,
diz-se que o tempo... tudo cura.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

sei que estarás feliz

eu juro, de corpo nu e mãos atadas, nunca te esquecer.
lembra-te de mim, no dia mais infeliz da tua vida
e eu desejo, com todo o meu coração, nunca povoar a tua memória.

(estarei a amar-te nos confins do esquecimento.)

quarta-feira, 25 de junho de 2014

gente pura

e se da pura gente a gente fosse
e esquecêssemos o jeito animal
que nos crava o sentimento irreal —
esta doença, a que chamam amor, trouxe?

não mais haveria razão p'ra furor
e ninguém mais perderia a cabeça
e não mais haveria outra sentença
p'ró que fazemos p'ra acalmar a dor.

eu, que nasci um homem sentimental,
por mais lógico que o coração seja,
hei-de sofrer de amor acidental.

no fundo, em mim, já só resta a inveja
desse vil acto de amor canibal
no sonho em que a tua alma a minha beija.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

boa noite

tenho descontroladas saudades tuas,
como já não sentia desde há muito,
como se vagueasse sozinho nas ruas
até ao teu aparecimento fortuito.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

na terceira pessoa

se numa outra eu lhe falasse,
mulher outra que não ela,
e se, com um beijo na face,
ela soubesse que é bela...
essa outra não existe,
é o reflexo da alma triste.

dizer-lho é impensável,
tem de haver outra maneira,
que seja menos condenável
ou em tom de brincadeira.
talvez essa outra mulher,
que existe só porque se quer.

prefiro o silêncio infinito
e a distância que nos separa
ao seu coração aflito,
que o meu profanara,
com a mulher que é apenas
solução aos meus dilemas.

não há uma boa hora,
quiçá essa já passou
e expulsou daqui para fora
o que nunca se formou
e a mulher de quem tanto falo
é a frase onde a assinalo.

prefiro perder-me em mim,
nos sonhos que nunca realizei,
que continuar a amar assim
essa outra que eu nunca amei,
essa mulher que eu inventei
para o coração que só a ela dei.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

o erro não é teu

se te falaram que tinhas jeito,
jeito esse para coisa alguma,
não penses que é teu defeito
saberes fazer coisa nenhuma.

é falha deles, com certeza,
esses outros que te enganaram
ainda que, com gentileza,
erradamente te informaram.

não desesperes para já,
que ainda é cedo para morrer
e incerto o que o futuro trará —
tantas vezes, só o anoitecer.

meu admirável bom senhor
e ilustre minha senhora,
muito do que a gente sabe de cor
ainda nos safa em boa hora!

a quem nasce pobre de arte,
desejo toda a sorte do mundo
até que a própria vida se farte
de durar um só segundo.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

quem te escreve

não sei quem te escreve as linhas
        que repetes de cor,
    como se as soubesses de coração.
são palavras, por vezes minhas,
        carregadas da dor
    de não sentir qualquer emoção.

são poesias demasiado vãs e vazias,
        passo o pleonasmo,
    que debitas como uma receita.
de todas as palavras que dizias,
        com tanto entusiasmo,
    não havia uma única perfeita.

quem foi que te enganou primeiro,
        tocou-te no profundo
    e manchou-te toda a alma?
permite-me ser o teu um de janeiro,
        num novo mundo,
    onde só persiste a calma.

não sei quem te deixou assim,
        neste perpétuo abandono,
    onde já não vigora a lei
que um dia olhou, sem fim,
        o seio do teu sono
    onde, para sempre, estarei.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

ter-te é perder-te

o meu medo de te encontrar
é o meu medo de te perder
e a minha ânsia p'ra te tocar
não passa a dor de te esquecer.

porque ter-te seria tão bom,
seria demais p'ra um só homem.
como fazes tu esse som
dos anjos enquanto dormem?

talvez esteja eu a sonhar
alto demais e acordado,
que este meu chão p'ra andar,
um dia, revela-se inacabado.

essa berma do precipício
será a delicadeza do destino
única e que, por suplício,
me livrará teu ser divino.

peço-te um só empurrão,
para trás ou para a frente,
que não mais este coração
sofra hesitantemente.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

o rosto da trindade do homem

agora que conheces o homem, pensas entender a sua alma,
a alma que os outros comem, mas cuja fome não se acalma.
falta apresentar-te à besta, o monstro que trago enclausurado
e, no fundo, é o que resta da vida de um homem amargurado.

tu vives na torre da ilusão, erguida por blocos que te neguei,
fazes de insana a razão para a qual eu sempre te chamei.
jamais eu fui ser subtil no recorte que faço à minha montanha,
enquanto me tomas por gentil, já estou podre desde a entranha.

não oiças a voz da saudade, que te ensurda os demais sentidos
e se me vieres com piedade, dar-te-ei anos perdidos.
livra-te da presença do bicho enquanto homem se apresenta,
serás só mais um capricho que consta na sua ementa.

estou tão longe de maligno como o sol de neptuno
e este retrato fidedigno, porventura inoportuno,
é o derradeiro esforço de uma mente bem cansada
de viver no fundo do poço, rodeada de tanto nada.

domingo, 8 de junho de 2014

são só saudades

são só saudades que trago a meu peito
da pele que vestes, nunca toquei.
se o olhar que me deste era perfeito,
bem sei que o pedi, mas nunca agarrei.

foi p'los olhos de outro que não eu
que a tua imagem ao de cima veio,
lembrar que aquilo ainda não morreu
na margem deste rio que vai a meio.

aquilo que sabes, sentes e foges
como uma sombra se esconde da luz
neste amor em que tanto te despojes.

já na noite a tua alma se seduz
com palavras que saltam sem perdão
nas saudades que tenho do teu não.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

esse teu sorriso

é esse sorriso que trazes contigo,
não o rasgado, mas o tímido,
faz-me esquecer qualquer perigo
que me espera ver abatido.

a tua falta de jeito me encanta,
seduz-me como farol para nevoeiro
e essa corda em torno da garganta
não mais me faz prisioneiro.

és uma das flores que deus
cultivou no seu jardim secreto,
sem nunca revelar aos seus
que és a fonte do seu afecto.

a noite é a vénia que o sol
se digna fazer à tua presença
e a lua é o reflexo do lençol
onde cumpres a eterna sentença.

és o anjo que, sem asas, voa
acima do limite do firmamento
e nenhum dos homens de Pessoa
tem, para ti, adequado talento.

o coração foge-me do peito,
se me invades assim a mente
e ainda que longe de perfeito,
é amar-te... perdidamente!

temo-me incapaz de resistir
aos teus encantos matinais,
por mais difíceis de engolir,
vou desejar sempre mais.

domingo, 25 de maio de 2014

passado

o passado é uma bola de cimento algemada ao meu pescoço que cresce de dia para dia e que de dia para dia se torna mais difícil de arrastar, então vai-me fazendo avançar cada vez mais devagar e cada vez com mais dificuldade até que um dia eu não tenho mais força para avançar sozinho. peço ajuda ou morro ali, naquele lugar onde fiquei preso ao passado. sim, isso também me acontece. acontece com toda a gente, porque ninguém é imune — apenas há gente capaz de carregar o fardo durante mais tempo, antes de sucumbir.

sábado, 17 de maio de 2014

falta-me a dor

não há mágoa em mim, não há.
preenche-me em completo
a falta dessa dor que não chegará.
a minha alma é um deserto.

eu queria, com toda a força, sentir-te.
talvez fosse o meu maior desejo
falhar redondamente em mentir-te.
já nem me lembro do último beijo.

se eu fosse mais do que nada,
possuísse uma réstia do que fosse,
a minha alma estagnada
falar-te-ia num tom mais doce.

por respeito, ainda espero aqui
que o desespero seja breve.
se alguma vez algo eu senti,
foi um murmúrio ao de leve.

terça-feira, 6 de maio de 2014

tu és

tu és minha namorada, só ainda não o sabes.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

já voltavas

tenho algum sono,
faz-se tarde
e ela não vem.
será que se perdeu?
será que se esqueceu?

se se perdeu,
eu tudo eu farei —
inclusive morrerei,
para que me encontre
uma só vez mais.

se se esqueceu,
conquistá-la-ei de novo
e tudo melhor eu farei.
jamais causarei dor,
porque agora eu sei.

agora eu sei-te de cor,
conheço-te no escuro.

deixa que te chame amor
e salte esse teu muro.

domingo, 23 de março de 2014

egoísta

eu sou egoísta e escolho sê-lo,
faço-o por necessidade e gosto,
enquanto tento, com tanto zelo,
esconder o verdadeiro rosto.

esse rosto tem um nome
que eu pouco gosto de usar,
já que antes passava fome
e agora só estou a engordar.

não sou como me veêm,
mas sim o exacto contrário
e essa imagem que detêm
de mim tão ordinário...

...é fumo sobre a vista
que se cansou de tanto ver
essa minha alma artista
ser quem não devia ser.

eu não sou altruísta,
não sou bom de coração,
sou um grande vigarista,
ainda que digam que não.

tudo o que faço por outrém
é, na verdade, para mim,
que sempre que dou cem
guardo mais cem no fim.

entrego-me de corpo e alma,
dou o que tenho e o que não
para que jamais a tua palma
abandone a minha mão.

quinta-feira, 13 de março de 2014

isabel

pode ser que um dia te esqueças
do dia em que me chamaste amor
e de todas as pequenas peças
que me roubaste sem repor.

tudo o que sei é o que sei agora,
assim como tudo o que tenho
angariei na nossa hora
com o esboço de um desenho.

não mereço em mim o teu beijo
ou o doce toque da tua pele,
nem o mumúrio desse desejo
com aroma a favo de mel.

pode ser que um dia te percas,
mas eu vou sempre encontrar-te,
se não elevares essas cercas
que juraste deixar de parte.

tudo o que sei é este bem
que me fazes sem o querer,
como nunca um outro alguém
conseguiu chegar a ver.

não mereço mais do que dás,
ainda que penses diferente:
todas as mulheres são más,
excepto tu — certamente.

terça-feira, 11 de março de 2014

M.I.F. e S.Q.M.

gosto do teu ronronar de gata,
do teu "chega-te para lá,
que tanto amor já farta.
oh! mas, agora, vem cá."

gosto daquele sorriso rasgado
e do teu "vamos juntos crescer,"
que antes de o mundo ter acabado
verei as paredes do teu coração ceder.

gosto da tua pele de leite,
do teu "não te vou afogar,"
da forma como, em ti, sou aceite
para nunca mais te largar.

gosto da tua ausência de manhãs,
do teu acordar de trovão,
das tuas sabedorias pagãs
e de te carregar pela mão.

gosto de como estás em mim,
em qualquer lugar e a toda a hora;
de muito pensar, digo-te eu assim:
"fica comigo e vamos embora."

gosto de como me encantas
com as tuas danças mal dançadas
e as melodias que tanto espantas
para as minhas trombas enfadadas.

gosto do encaixar do teu corpo
e do abraço no teu beijo,
quando enfim me encontrar morto,
foste o auge do meu desejo.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

somos iguais em sermos diferentes

somos iguais na falta de igualdade,
únicos em nós e para o mundo,
é o que nos desperta para a saudade
e carrega leva ao amor profundo.

eu sou o mesmo que ninguém
e só ninguém se iguala a mim,
se porventura chegar alguém —
diferimos do início ao fim.

o espelho oferece-nos a ilusão
de alguém que é como nós,
um manto negro sobre a razão
de que estamos sempre sós.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

psicossomático

depois de ti, pensei nunca mais voltar
àquele lugar que me mantém sano,
quando tudo o resto está fora do lugar
e a minha alma vagueia sem plano.

por te conhecer e aprender a tua falta,
sei que isto vai um pouco mais além;
ainda que não o admitas em voz alta,
já contas o dia pelas horas que tem.

levas-me por ruas que nunca percorri,
dás-me um beijo, agarras-me a mão
e, nesse momento — sem pensar, sorri
por todos os dias em que me deixas são.

eu sou novo, mas não sou assim tanto
e sei que um dia já me senti de igual,
muda-se o quando e muda-se o quanto
e a doença é a mesma, sinal por sinal.

tenho saudades e vontade de te ver,
quero voltar — voltar para ficar
e fazer as coisas que não ouso dizer,
que são, por agora, só p'ra imaginar.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

efemeridades ilusórias

ah! o quando eu pensei ser verdade,
e que o fosse eu tanto implorei
e se o fosse tanto que eu jurei
abandonar toda a minha vaidade.

ah! se a ilusão pouco tivesse de real,
talvez eu pudesse ter sido diferente
e se diferente fosse — aparentemente,
tudo continuaria exactamente igual.

ah! que homem seria de mim,
se por um instante eu acreditasse
e se nesse instante eu te tocasse
como quem escreve adeus no fim?

ah! eu que tanto fui massacrado
todo este tempo sem o quereres
e inocentemente sem perceberes
que o mal foi teres ficado.

ah! o erro foi deixar-me amar-te
com a certeza de um sonho a sós,
cujas personagens só éramos nós
num mundo completamente à parte.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

retrato de um homem na cama

tenho o silêncio como ruído de fundo,
um cão a ladrar algures distante
e alguém a deambular pela rua lá de baixo.
oiço os sapatos de uma mulher segura de si,
sozinha à meia noite num deserto nocturno
que nada mais tem para dar do que chuva,
chuva essa que ainda está por vir.

no meio de tanta calma, a sua falta —
quem sabe mesmo, o seu excesso —
carrega aos ombros mensagens esquecidas
no preciso instante seguinte à sua criação,
são as palavras que ficam na garganta
presas, como as espinhas do peixe do jantar —
um lembrete para ter mais calma a comer.

uma porta abre-se e quem vem lá?
eu sei, se a experiência não me engana,
pelo ranger da água entre os canos da casa.
são as rotinas do homem que vive ali ao lado,
que eu aprendi a conhecer contra a vontade
e me fazem falta de cada vez que não está.
oh! mas ele nunca vem — apenas anda por lá.

falta-me pensar, sim. criar algum tipo de ideia
é o que alguém faz, quando está na cama.
pensa no dia que passou e no que está para vir,
mas esquece-se de pensar no momento em si,
porque o desperdiçou a pensar fora do tempo.
e é neste vai e vem de coisas incorpóreas
que uma vez mais nos entregamos aos sonhos.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

eu sou um (teu) cão

eu sou um cão. ão! ão! ão!
dócil, bem treinado e castrado,
o pêlo está um pouco eriçado,
mas vê que rica dentição!

por favor, atira-me a bola,
eu vou a correr, correr, correr!
só isso me fará esquecer
o doce abraço da tua sola.

ah! foram quantas lambidelas
que eu dei nos teus pés?
sim, muitas mais do que dez
e até à luz das velas.

mas a servidão e a lealdade
são os pecados gravosos
desses seres gananciosos
que só pedem liberdade.

eu sou um cão. ão! ão! ão!
bate-me, se me porto mal
e eu sou o mais doce animal
a implorar esse teu perdão.

um dia serás uma cadela
e eu não mais te quererei,
nem tão pouco te servirei
as papas numa tigela.

eu sou um cão. ão! ão! ão!
sou um macho sem cadela,
mas prefiro andar ter trela
a ser nada mais do que cão.

domingo, 12 de janeiro de 2014

o inverno nos teus olhos

o inverno chega a horas
aos teus olhos cor-de-mel
e eu pergunto "porque choras
as palavras num papel?"

as tuas noites em melancolia
são uma janela mal fechada
e eu abuso dessa cortesia
para uma conversa mais alargada.

aquece-me — essa tua presença,
mesmo fictícia — em verdade,
há quem já muito te pertença
e por ti sofre de saudade.

escondes o verão no cabelo
e, nos lábios, o outono,
trazes à minha prisão de gelo
um adeus ao abandono.

por mais que te minta,
mal consigo esconder:
desde a última quinta,
não te consigo esquecer.

se este meu relato é real,
a ousadia não tem limite,
calhar-me-á a pena capital
ao máximo que a lei permite.

és um sonho arrojado
que sonhei sem permissão —
esse pedido foi recusado
antes mesmo da submissão.

aqui espero o fim do inverno,
quando o sol brilhar, por fim,
no teu coração sem governo —
onde não há lugar para mim.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

visão de poeta

um homem escreve sobre as coisas que vê, quando o que invade os seus olhos atinge também o coração.

domingo, 5 de janeiro de 2014

insónia

não há vontade para falar,
ainda menos há para ouvir,
o homem está a estagnar
e o seu mundo está a sumir.

tenho mais uma noite em claro,
mais uma página por preencher
com esse pensamento raro
que não me deixa adormecer.

verga-se-me a fraca vontade
e falha-me a pouca coragem
para admitir que, na verdade,
estou aqui — mas só de passagem.

o sentimento é bem ridículo,
ainda mais o é quem o sente:
se o mantivesse num cubículo,
não sofreria, certamente.

esse sofrer é uma sentença
para a qual fugir não há ousadia,
que se esconde atrás da licença
de nos massacrar noite e dia.

comecei pela falta de sono
e terminei a falar em amor —
penso que ao meu abandono
faz muita falta o teu calor.