lembrei-me de algo que me pareceu bastante sensato. nada tem que ver com paixonetas de outrora, mas sim com uma amizade antiga. havia uma rapariguinha simples lá na minha escola de quem eu era muito amigo. havia até algo de platónico no ar. um dia, revelou que se preparava para fazer uma mudança radical. algo que iria deixar todo o mundo boquiaberto. pensei para mim mesmo que ia escandalizar! na verdade, a minha surpresa foi nenhuma, foi oposto da dos demais. algo tinha mudado nela, toda a gente via, toda a gente comentava, toda a gente gostava e aclamava. apenas eu permanecia vendado às novas alterações, o que me valeu uma grande chatice. toda a gente sabe o que acontece quando uma mulher sofre uma mudança drástica de visual e um homem não repara. mas, aparentemente, escadear o cabelo e fazer umas madeixas não faziam parte do meu significado de mudança radical na altura. naqueles tempos, eu ainda não escolhia em lojas a roupa que vestia, de facto, detestava comprar roupa! a mãe trazia, eu experimentava e amaldiçoava mas usava na mesma. era, talvez, feliz. os amigos já usavam as típicas all star que eu tanto desconhecia e ignorava, assim como muitas outras marcas da moda. um dia fui a uma loja contrariado, onde o primo mais velho fazia as suas escolhas, e a tia comprou o meu primeiro par de calças de uma marca conhecida - mas eu não o sabia ainda. soube-o no dia em que as levei para a escola e toda a gente disse uma coisa simpática. tudo mudou nesse dia. entristece-me saber que hoje reparo nas palavras que os outros vestem, não importa se é roto ou sujo desde que o nome esteja bem soletrado. e no entanto, quando era pequeno, não importava se rapavam o cabelo, o pintavam de rosa, estripavam as calças e sapatilhas ou saltitavam na lama. para mim, era sempre a mesma pessoa de quem eu gostava e sentia carinho. esse sentimento não muda e talvez fosse essa a razão de eu não reparar nas mudanças visuais dos outros. quando eu era inocente, só reparava no coração e esse permanece eternamente imutável. há coisas que são muito mais bonitas pelos olhos de uma criança, quando crescemos relembramo-las como coisas de miúdos.