domingo, 25 de novembro de 2012

o rapaz desmembrado


era uma vez, outra vez,
um rapaz apaixonado
e sem sensatez
que acabou destroçado.

a história está cheia
de condenados amores,
um só se incendeia
e acaba sem cores.

(o conto que conto
seria até engraçado,
não fosse o rapaz tonto
ter-se magoado.)

maria, elvira ou inês,
rapariga sem igual,
tinha sotaque francês
e, na cara, um sinal.

só se dava com rapazes
e portava-se como um,
coleccionava cicatrizes
e gostava de atum.

de tudo, o mais curioso:
ela detestava abraços
e esse acto asqueroso
afastava-a mil passos!

o pobre rapaz, um dia,
rejeitou a noção de dor
e disse que tudo faria
para tomar aquele amor.

cortou o braço esquerdo,
depois cortou o direito,
o que fez, fez em segredo
e o corte foi perfeito!

(como, eu não sei)
ele fê-lo sem pedir ajuda,
à margem daquela lei
que o coração fez muda.

o desmembrado rapaz
não agradou à inês
(recordei-me lá atrás)
e em lágrimas se desfez.

(temos de nos lembrar,
ainda que seja duro,
o que fazemos por amar
é um tiro no escuro.)

de coração partido,
só pensava em morrer,
o rapaz destemido
já nem podia comer!

nem mãos, nem braços,
as noites eram lentas,
os sonhos escassos
e as ideias nojentas.

sem alívio para a agonia,
deitou-se sobre os carris
e lá para o final do dia,
finalmente, foi feliz.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

sem título

em silêncio dou por mim
e sei que a tua voz se foi,
mas não me lembrar do fim
é aquilo que mais me dói.

angústia é melhor que nada,
é renegar o vácuo opressor,
é sentir esta vida mal passada
que podia ter sido melhor.

o mundo já não está ocultado
e já não é o teu lugar especial,
abrigo escondido e recanto privado,
onde, um dia, eu entrei por mal.

começou no nada e deve
voltar ao nada de onde surgiu,
esqueceu-se do que te descreve
e apagou-te das coisas que viu.

quando, por fim, me faltar a graça,
que perca também o encanto,
que me neguem em toda a farsa
e me atirem para o pior canto.

por ter morrido depressa demais
ou não ter morrido devagar o suficiente,
perdi-me em lembranças banais
que me enlouqueceram completamente.

foge, foge comboio valente,
ruma para bem longe daqui,
leva contigo esse velho presente
de quem nem se lembra de ti.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

nada acontece

nada acontece
ou, pelo menos,
é o que parece.

saio a disparar
um desejo
ao velho luar.

o meu suor
é um anseio
por algo melhor.

um peixe nada
em torno
d'um pé de fada.

uma estrela brilha
sozinha
numa ilha.

o coração cessa,
sem amor,
já não há pressa.

a beleza solta
é uma fera
sem escolta.

o dedilhado
é um acorde
mais cuidado.

ao fim do dia,
um só vislumbre
e eu sorria.

sou um animal,
mas jamais
te farei mal.

apesar do sono,
não dormirei
sem o teu retorno.

toquem-me lábios
carnais, encarnados
e sábios.

vozes na rua
são euforia
por vê-la nua.

estudasses ou não,
jamais entenderias
um coração.

vou dormir,
isto há muito
deixou de se ouvir.

nada acontece
ou se faz por acontecer,
apenas se falece.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

o amor não é contínuo

o amor não é contínuo, como se pode ler no título e parece-me razoável começar por aí. eu não só afirmo que não é contínuo, como também sei como se comporta. é muito simples, de facto, o amor é discreto. não, no sentido de algo que é recatado e sabe guardar um segredo, mas sim, no sentido matemático da palavra. ou seja, o amor é impulsivo! (o que quero dizer é que o amor acontece por impulsos, separados no tempo e sem qualquer amor nessa separação.)
é uma conclusão desafiadora, eu sei. no entanto, a verdade é só uma: é impossível amar continuamente, porque amar requer tudo de nós. para amar, temos de nos entregar de alma, corpo e mente, temos de nos render durante os sonhos e procurar abrigo nos pesadelos, temos de acordar e adormecer com um só pensamento: o amor. contudo, se tudo isto fosse apenas o que fizéssemos, então nada mais era feito: a comida não era preparada, os projectos não saíam do papel e esse papel continuaria sempre branco - estaríamos demasiado ocupados a amar para poder viver.
o conceito que guardamos em nós de amor, não é o de verdadeiro amor contínuo, mas o de um amor discreto - por impulsos - simples. amamos quando nos aborrecemos, quando estamos sozinhos, no caminho para a escola ou o trabalho, na fila do supermercado ou quando vemos alguém que está, nesse momento, também a amar. lá vai acontecendo, mais ou menos frequente e até, por vezes, quase todos os instantes consecutivos e é nesses momentos que parece contínuo e interminável. não o é, é uma ilusão! (mas não deixa de ser uma ilusão agradável.)