domingo, 24 de outubro de 2010

a importância das coisas simples

- então joana, gostaste?
- de quê?
- da surpresa que te deixei na mesinha de cabeceira antes de ir embora, enquanto ainda estavas a dormir.
- ah, isso. nem prestei muita atenção.
- porquê, não achaste piada?
- sinceramente, não muito.
- porque não?
- é demasiado simples e básico, nem me ocorreu que fosse uma surpresa.
- não gostas de coisas simples?
- esse tipo de coisa já não tem piada.
- para mim ainda tem.
- mas não devia, já está gasto pelos outros.
- os outros não entram na nossa equação.
- pronto joão, desculpa não ter ligado.
- não faz mal, mas acho que devias dar mais importância às pequenas coisas.
- dou a importância que devem ter, se são pequenas têm pouca importância.
- as pequenas coisas são mais abundantes que as grandes surpresas, mais recorrentes também. se fores feliz com as mais simples, és feliz mais vezes e, apesar de em doses moderadas, continuamente.
- acho que tens razão, mas não podes simplesmente começar a achar piada a essas coisas assim, como estalar os dedos!
- eu sei. é por isso que todos os dias vou fazer-te pequenas outras coisas até ao dia em que me esqueço e tu lhes sintas a falta.
- és um doido.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

tu

és um livro de memórias que eu esqueci na prateleira,
à deriva na maré do tempo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

as infinitas combinações do acaso

hoje, de regresso a casa, enquanto contornava a rotunda, reparei na longa fila de carros na direcção de minha casa. encontrando-me num estado de mau-humor, decidi - no curto intervalo de tempo que tinha disponível - completar a rotunda e tomar o sentido oposto. esse caminho, a partir do lugar onde me encontrava, era bastante mais longo, mas o que eu não queria era ficar parado à espera na fila. desde que estivesse sempre a andar não me importei que a distância a percorrer fosse maior. como é óbvio, a minha condução confinou-se à faixa da esquerda e a cortar as rotundas. contudo, por me manter sempre na faixa da esquerda, cheguei a uma onde não me foi possível seguir em frente e não me apeteceu dar uma volta completa pelo que tomei a primeira saída possível. escusado será dizer que neste ponto, o caminho que estava a fazer para casa não podia ser mais longo. a minha vontade era de bater com a cabeça no volante enquanto a carrinha que seguia em frente raspava nos cinquenta quilómetros por hora. finalmente, após percorrer o triplo da distância no triplo do tempo, cheguei a casa. esta situação pôs-me a pensar no que aconteceria se eu não tivesse voltado para trás na primeira rotunda e simplesmente tivesse ido pelo caminho normal, esperando na fila como toda a gente. será que iria ter um acidente e toda esta peripécia livrou-me de tal coisa? será que a pessoa que seguia no outro carro desse acidente seria uma rapariga que, após alguns cafés para discutir os detalhes das seguradoras, acabaria por estar a discutir comigo que meias comprar aos nossos netos daqui a cinquenta anos? ou seria um rapaz que sentia que os cintos de segurança matam mais pessoas do que conseguem salvar e sofreria graves lesões derivadas do acidente? é impossível saber, mas é interessate divagar. hoje em dia penso muito no acaso e como este influência a nossa vida, especialmente sem nos darmos conta que ou como o faz. particularmente entusiasmante é tentar imaginar todos os cenários possíveis e diferentes que a curva da nossa vida poderia tomar se tivéssemos tido outra atitude, decidido o oposto, combinado encontros diferentes. toda uma infinidade de possibilidades que nos levam a cruzar com umas pessoas e a evitar outras, tão aleatoriamente quanto a posição do pequeno electrão em torno do núcleo atómico.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

quando éramos pequenos #4

encontro-me em pensamentos vagos onde me havia perdido outrora, no passado. sinto que o que passou, passou, mas a marca cravada, essa não sarou. não que queira voltar, de todo, mas questiono-me como seria o presente se o passado tivesse divergido. quando estudava no liceu e sair à noite era a melhor coisa do mundo, provar os efeitos secundários do álcool - esse belo composto orgânico -, experimentar o sabor da rebeldia, encontrar as pessoas lá da escola pela rua e ter a coragem para fazer o que não se fazia à luz do dia, eu fiz isso mesmo. a conversa surgiu com duas raparigas muito simpáticas que - vá-se lá saber porquê - consideraram-me minimamente interessante e por ali perdemos algum tempo da nossa bela noite desfocada. entre dois dedos de conversa pelas novas tecnologias, amigos comuns e os corredores da escola lá nos torná-mos os três bons conhecidos. escusado será dizer que desenvolvi uma certa atracção por uma das ditas raparigas que talvez o tenha percebido, talvez não, nunca saberei. após me resignar ao facto que o fraquinho não era correspondido fiz, o que qualquer homem tende a fazer - mas não é por mal, é quase inconsciente -, desenvolvi uma atracção pela segunda rapariga. vou admitir também que esse barco fugiu para outra doca e eu simplesmente ganhei duas amigas. sim, saí a ganhar desta mas a perder de outras. na vida, não tem de se perder sempre, podemos ganhar onde o resultado não é favorável se formos humildes o suficiente para baixar os nossos padrões e expectativas, ser mais tolerantes e gratificantes por ter pouco ao invés de nada. mas na altura as coisas nunca são assim tão claras, só queremos o próximo beijinho da próxima miúda gira. o que haverá mais para dizer, são coisas de miúdos.

sábado, 16 de outubro de 2010

diz que sim

diz que sim,
nem que seja só para mim
ou mesmo baixinho assim.
ao longo de uma recta sem fim,
envolta no teu pijama de cetim
enquanto cantas em mandarim
e cheiras a alecrim.
descascas um pequeno amendoim
e depois tocas bandolim,
calças o teu novo botim
à entrada para berlim.
e no meio do jardim
encontras um berbequim
que pertence ao espadachim.
à noite comes lagostim
e fazes amor em latim,
que os homens por cá fazem motim
só para cheirar o teu jasmim.
e ainda o pequeno pinguim
que só quer um dente de marfim
para trincar um belo pudim,
brincar no trampolim
e rir do arlequim.
mas foi aqui que eu intervim,
disse "o meu nome é valentim
e no lugar de onde vim,
existe apenas um sim,
um sim que é só para mim."