quinta-feira, 23 de setembro de 2010

pode este mundo sobreviver?

ia eu muito bem na rua hoje à tarde, ali ao pé do rio, a pensar com o meu botão 'faz tempo que ninguém me oferece algo'. observo então um grupo de homens bem vestidos, assim todos engravatados, e achei a coisa bastante peculiar. estávamos todos do mesmo lado do passeio e reparo que olham para mim com cara de assunto. sou abordado por uma mão estendida que segura algum tipo de panfleto. tem uma imagem dum homem  numa matriz - muito ao estilo de keanu reeves em the matrix - e atrás pode observar-se uma imagem do nosso belo planeta, assim meio científico. fiquei parado e silenciado, sem saber bem o que fazer, quando me estendem algo é para vender e eu não quero comprar. nisto, o senhor diz 'pode pegar, é oferta' e eu cá pensei 'pronto, não me custa nada aceitar então. estão a fazer o trabalho deles e rejeitar não é simpático'. temos de ser uns para os outros, na medida do possível*, não é mesmo? assim que me preparo para seguir caminho, diz-me ainda 'tem referências bíblicas!' e eu cá para mim 'estou a ver que oferecem produtos de qualidade superior, este até tem referência bíblicas! não é um panfleto qualquer, não senhor. é muito mais que isso, não estão apenas a tentar vender religião'.

panfleto

ao folhear reparo que se trata das testemunhas de jeová. é um panfleto que apela àquele medo, obsessão das pessoas com o fim do mundo, oferendo respostas que nunca respondem a nada verdadeiramente. se pensarmos bem, suscitam mais perguntas. mas a única verdade de qualquer religião é a de fornecer conforto, razão de viver, atribuir significado à vida. temos imensa dificuldade em aceitar o acaso, a chance, o aleatório. se o fizerem de maneira altruísta, sem pedir em troca quantidades exuberantes do dinheiro dos pobres cegos, então eu digo 'força'. em relação ao ponto final na história dos homo sapiens, ele existe, mas ainda tem imensas letras, palavras, frases, parágrafos e até capítulos antes. não será, de certo, no nosso tempo útil de vida. vamos desperdiçar o nosso tempo com algo igualmente vão, mas mais divertido?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

quando éramos pequenos #3

penso sempre no meu primeiro amor, e logo de repente me inundam o pensamento memórias tão distantes e difusas. como aquela rapariga que tinha uns olhos verdes e grandes, mesmo bonitos. sempre me questionei porque não havia reparado nela antes ao que, numa conversa informal - daquelas como quem não quer a coisa - com uma das suas amigas, me foi dito que tinha acabado de sair de uma dieta rigorosa. somos todos tão superficiais a este ponto, alguém que num momento nos acende a chama piloto cá dentro fora tão invisível antes. é claro que eu não parava de falar na rapariga dos olhos verdes, não de relva mas talvez de alface. acabei por a conhecer. no dia da entrega das notas estávamos a falar no jardim em frente à escola e no acaso da conversa ofereci-me para a escoltar a casa. ela aceitou. a vontade, os sinais, o ambiente estavam lá, menos o primeiro passo. assim, à porta de casa dela perguntou-me para onde eu ia e concluiu que se tratava de uma distância considerável e ofereceu-se para me acompanhar. eu aceitei. é claro que a meio da nossa viagem apercebi-me que um rapaz não deve deixar uma rapariga andar sozinha, especialmente depois de se ter oferecido para a levar a casa. voltámos para trás. mais um dedo de conversa à porta de casa e vou-me embora. fosse hoje, tinha-lhe roubado um beijo ali mesmo. há coisas que nos arrependemos imenso de ter feito - são as piores -, mas há também tanto que nos arrependemos de nunca ter tido a coragem para tentar - são o nó na garganta que o tempo atou. agora já é tarde, na altura eram só coisas de miúdos.

domingo, 19 de setembro de 2010

o pior é a mediocridade da minha alma

vou fugir daqui — da mediocridade
que me corrompe a própria existência,
me quebra toda e qualquer resistência —
e desaparecer desta cidade.

nasce entre ventres de dor e floresce,
esta inveja que se emerge imponente,
que aquilo que pertence a outra gente
sabe melhor que ao que se merece.

jamais digno de reconhecimento,
a sorte evita-me e passa ao lado,
prefere dar a um outro o meu momento.

eu sou p'ra nunca ser sempre lembrado,
no purgatório sofro do tormento
de nem ser realmente um abandonado.

sábado, 18 de setembro de 2010

quando éramos pequenos #2

recordo-me das situações mais extraordinárias do meu primeiro amor, o que marcou na carne. mas aquele mesmo verdadeiro, que durou anos e me deixou, muitas vezes, fora de mim, de rastos. não foi pela rapariga dos cabelos aos caracóis, saia de pregas e meias de renda. não, não foi por essa rapariga. foi pela outra, a mais simples, a mais branca, cabelo liso e escuro. ainda que, pela rapariga dos cabelos enrodilhados, tenha eu certo dia convencido um amigo que ir estudar para a escola numa manhã sem aulas era boa ideia. mas não, era tudo engenho para ver aquele meu fraquinho bonito que... bom, estava a falar com outro rapaz no intervalo enquanto que eu tremia por todas as extremidades que tinha e continha aquela gota salgada de saltar para fora do olho durante uma conversa discreta e dissimulada com uma das suas amigas. conseguimos nos sentir terrivelmente idiotas quando crescemos e encaramos as situações do passado com o coração de hoje. é mesmo incrível a sensação que ainda me dá para me esconder debaixo dos lençóis da cama por ter agido, enfim, como um inexperiente naqueles dias. não necessariamente que, se fosse hoje, encarasse as situações de uma maneira melhor, apenas diferente. no final de contas, tudo o que há a fazer é espreitar a janela do passado, corar e sorrir enquanto pensamos 'que tontice', são mesmo coisas de miúdos.

sábado, 11 de setembro de 2010

quando éramos pequenos #1

lembro-me do meu primeiro amor. ela era mais velha e muito bonita, acho que nem eu sabia a sorte que tinha. mas algo era certo, todos os dias eu beliscava-me no coração para ter a certeza que a realidade não era um belo sonho. há tantas histórias de quando se é pequeno, na altura significavam o mundo e agora são nada mais que pequenas janelas onde se pode ver um filme que nos trava um leve sorriso nos lábios e que não desaparece enquanto não terminar. as coisas estúpidas que fazíamos, as maldades que falávamos sem pensar com o intuito de magoar. no final, o ser mais atordoado éramos nós mesmos, de tanto arrependimento e aflição daquele mal-estar que desejávamos provocar. caiem no esquecimento enquanto a nossa vida se torna cada dia mais monótona, repetitiva, rotineira, à medida que ganhamos responsabilidades e deixamos de ser crianças para fazer asneiras. esperam tanto de nós e temos de estar ao nível das expectativas, mas no fundo... bem, no fundo todos queremos é brincar e ser pequenos novamente. dizer maldades, partir bens valiosos, esconder das pessoas, viver no mundo inocente. aquele que é fácil quando tudo o nos dizem é 'brinca com cuidado' porque, no fundo, são só coisas de miúdos.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

varreu-se o chão

é que hoje eu caí e ninguém me levantou do chão,
passaram ao lado e ninguém me estendeu a mão,
olharam para a minha sujidade com desdém,
contornaram a silhueta e contaram até cem.

mas o dia passou e hoje eu estou de pé,
de pé porque ainda não me ofereceram o chão,
nesta minha forma bípede em que perco a fé,
aquela que tinha e se estilhaçou então.

cruzei-me contigo por mero acaso,
quando me empurraram ao teu encontro,
e com o nosso breve confronto,
achei vontade para mais um passo.

desejo agora todos os meus dias,
que a ti me sujeitem novamente,
que me submetam dolorosamente,
ao abraço das tuas pedras frias.

é que eu antes estava bem e levaram-me ao chão,
agora que te provei, nada mais quero eu não,
deixem-me na minha miséria a deleitar por aí,
reneguei ao conforto quando daquela cama caí.

de pensar que sempre lá estiveste,
a segurar-me no mundo, com o teu abraço,
mas aquele amor que nunca tiveste,
rego-to agora nas gotas do meu cansaço.

eu só queria o mundo de almas vazio,
um lugar a sós contigo,
deitar a cara no teu ventre macio,
chamar-te o meu único amigo.

digo com a maior das clarezas,
quem me tira o chão, tira tudo,
que esse está lá, sobretudo,
na queda das maiores belezas.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

diálogo moral

- vais sair?
- sim.
- tem cuidado.
- está bem.
- não, a sério. tem cuidado.
- já disse que está bem. vou ter cuidado.
- e vê lá o que bebes.
- o que me apetecer.
- olha o álcool...
- que tem?
- se te apanham é uma chatice.
- não apanham nada.
- e se tens um acidente?
- acontece, não há como evitar.
- as estradas estão molhadas e se beberes é muito perigoso.
- é sempre perigoso, quer beba quer não.
- e se acontece algo mais grave?
- cada um tem a sua hora de ir embora.
- isso não são coisas que se digam!
- é verdade.
- e se és tu a tirar uma vida?
- é um acidente, não se faz de propósito.
- mas é horrível.
- pois é, eu sei.
- podes ter muitos problemas judiciais!
- se todos os problemas fossem judiciais estava o mundo muito bem.
- não digas isso, olha que podes até ir preso!
- e que tem de ser preso por se fazer algo mau? estou farto da sociedade de hoje, parece que as pessoas já só não matam, roubam ou abusam com medo das consequências judiciais.
- que estás para aí a dizer?
- estou a dizer que devia-se evitar cometer crimes não porque são crimes mas porque moralmente, no coração de cada um, ainda seja possível perceber que são actos repugnáveis. mas parece que cada vez mais esse sentimento se esquece, que é tudo medo das represálias da lei.
- não sabes o que dizes.
- será? o melhor polícia é aquele que reside na nossa caixa pensante.
- tu e as tuas teorias.
- não são teorias, é a verdade. revolta-me! e agora vou sair que se faz tarde.
- até logo.