sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

mafalda

eis um homem que se esconde por gosto,
por medo, vontade e total fraqueza,
tem olhos indignos à tua beleza —
coração vítima de fogo posto.

é incapaz de abandonar o covil,
deixar entrar a luz da tua imagem —
os sonhos roubam-lhe toda a coragem
que, um dia, teve p'ra ser alguém gentil.

só tu és a musa da eternidade,
rainha sobre a minha paixão voraz —
condenas-me à devota castidade!

um dia, serei esse homem capaz
ou temo sucumbir à insanidade,
que a falta desse amor... me putrefaz.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

o porquê da relatividade

a teoria da relatividade de Einstein assenta em alguns postulados. um desses postulados simplesmente diz que existe uma velocidade limite para tudo no universo e essa velocidade é a velocidade da luz no vácuo. um consequência directa deste postulado surge quando algo, além da luz, tenta atingir essa velocidade. o que acontece é que o tecido do espaço vira contorcionista e contrai-se, enquanto que a linha do tempo também entra no jogo dos artistas de circo e dilata-se. porquê? bom, o espaço e o tempo comportam-se assim para impedir que a lei seja violada. é pura e simplesmente um truque sujo do nosso universo, que gosta de brincar aos polícias.
no entanto, é fácil encontrar uma desvantagens para a instantaneidade. imagine-se que a própria luz poderia viajar a uma velocidade superior, quiçá infinita. então, a luz de todas as estrelas do universo sufocar-nos-ia - na verdade, estorricava-nos!
eu vou partilhar um segredo, que mais ninguém sabe. existe, no nosso planeta, uma rapariga tão bonita, que todas as estrelas do universo atiram luz, constantemente e em todas as direcções, na esperança que cheguem até ela. o universo, por sua vez, para proteger este seu bem tão precioso, estipulou uma velocidade limite para os presentes das estrelas. todas podem contribuir com as suas ofertas, mas por ordem das que estão mais perto de nós para as que se encontram mais longe. desta maneira, ninguém lhe fará mal.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

deu-me um sorriso

hoje, nada mais importa,
como a vida me engana
ou o mundo se comporta
nesta vil paisagem urbana.

ia convencido, eu, das intrigas
que me asfixiam pela alvorada -
fazem-se passar por amigas
e esquartejam-me na almofada.

quando ela passou por mim,
passou por mim e sorriu
como quem cede, diz que sim
e, num instante, se sumiu.

devolvi-lho de volta,
não o dela, mas o meu,
afinal nada me falta
e a tristeza desvaneceu.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

a inércia do amor

por ser, quiçá, tão banal, ninguém pensa devidamente no assunto. tomam-no como um pilar do universo, que existe, tem a sua função e desde que a cumpra, ninguém se lembra sequer que está lá. a verdade é que o amor possui inércia e é directamente proporcional à vontade de amar. quanto maior for a nossa ansiedade, maior é a inércia que lhe diz respeito e maís difícil se torna de ultrapassar. é simples de entender, com um exemplo. quando existe alguém que não larga o nosso respirar, a nossa imaginação e constantemente invade os nossos sonhos, temos de nos obrigar a abrandar. se avançamos com toda a vontade do coração, atropelamos tudo e resta apenas um amontoado indiscernível de coisas pontiagudas no chão.
quando se gosta de alguém, tem de se dar a conhecer a essa pessoa. há que fazê-lo na dose certa e essa margem é extremamente pequena. se a quantidade usada for pouca, nunca pensará que é amor e, se a quantidade for excessiva, temerá tratar-se de obsessão. a verdade é que o motor de um amor queima sempre o mesmo combustível, o que difere é o quão bom somos a controlar o ruído que faz. deve ser suficiente para chamar atenção e plantar uma semente de intriga, não mais e não menos. isto é a inércia do amor, porque quanto maior for, mais difícil é de conter o ruído deste motor interno a que chamam coração.
é mundano fazer a corte a alguém, simultaneamente uma arte e uma ciência. há quem o faça bem, naturalmente como respirar e há quem nem saiba por onde começar. aquela margem que dita a dose certa de galanteios continuados é tão nítida para os primeiros, como uma fita negra sobre um fundo branco e tão baça para os segundos, como as ruas de uma cidade que nunca viram.
o mais cruel de tudo é ter de acorrentar o próprio coração e atirá-lo para a solitária, privar-lhe o sol e qualquer contacto humano. cinco minutos de liberdade por dia são o suficiente para manter a dosagem correcta. no fim, o que resta é esperar... esperar que o soltem para cometer os actos mais tresloucados de amor ou se esqueçam dele e o deixem para morrer.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

solidão

a solidão é o pijama da minha alma,
as vestes do maior conforto que possuo,
só a sua escuridão me acalma
quando, no medo de avançar, recuo.

o prólogo foi mais do que vago,
falou de mudo para surdo ouvir,
como um livro de gosto amargo
com palavras difíceis de engolir.

em verdade, é o epílogo que receio,
o funeral do valente herói
cuja valentia era só o paleio
de um coração que já não dói.

a culpa de toda esta amargura
atribuo ao indomável aleatório,
que arrancou de mim a alma pura
à troca de um triste velório.

escolho ouvir a escala menor,
rejeito o resto como ruído,
morrer será bem melhor
do que viver assim — contido.

a morte é um beijo de boa noite,
um aconchegar de cobertores,
o prazer elevado ao limite
da soma de todos os amores.

sábado, 8 de dezembro de 2012

o poeta

o poeta canta os seus azares
com a manha que lhe apetece
e, se vierem aos pares,
acima de catástrofes os enaltece.

o poeta é um homem amargo,
que sofre pelo prazer de sofrer,
a felicidade é só um embargo
à sua vontade de escrever.

o poeta é uma página branca
que anseia por inspiração
e, do lado de fora, tranca
o que lhe vai no coração.

o poeta não sabe sentir,
finge o que os outros sentem
e escreve bem, a mentir,
os sentimentos de outrem.

o poeta morre ignorante
numa poça da sua apatia,
sem saber que o importante
é ignorar a agonia.

o poeta tem uma valsa,
um ritual para escrever,
quando a tristeza é falsa
mais vale deixar morrer.

sábado, 1 de dezembro de 2012

beber para esquecer

lembrei-me da apagar os feitiços da cabeça,
depois de beber à saúde da condessa.
bebo em solidão, este trago amargo
arranha-me as entranhas e não o largo.

um pouco mais forte, duplo se puder,
espero levantar-me e cair para morrer.
não há uma alma que escape à miséria
e a minha só é mais outra galdéria.

o meu braço, de beber, já cansa,
para cima e para baixo nesta dança
que ecoará por toda uma vida.
oh, sorte! não haverá outra saída?

visão turva, os contornos distantes...
porque não fomos mais cedo amantes?
o mundo é belo envolto em nevoeiro,
um navio naufragado apresenta-se inteiro.

tive esta alegria ao ver-te cheio,
um trago, dois e já vais tu a meio.
senta-te comigo, bebe-te e escreve
a voz deste homem que tanto deve.

por dever ao mundo, afogo a memória
que, um dia, provei da fama e glória.
as lágrimas valem-se num copo fundo,
esvazio-as dentro deste corpo imundo.

um último, por favor, para a viagem!
quem sabe se até lá chega a bagagem...
com o bilhete na mão e o destino traçado,
só falta mesmo cair para o lado.

a garrafa ajudou por mais um dia,
amanhã espera-me a mesma agonia.
eu bebo e bebo para esquecer
que esta vida tem o dom de doer.

domingo, 25 de novembro de 2012

o rapaz desmembrado


era uma vez, outra vez,
um rapaz apaixonado
e sem sensatez
que acabou destroçado.

a história está cheia
de condenados amores,
um só se incendeia
e acaba sem cores.

(o conto que conto
seria até engraçado,
não fosse o rapaz tonto
ter-se magoado.)

maria, elvira ou inês,
rapariga sem igual,
tinha sotaque francês
e, na cara, um sinal.

só se dava com rapazes
e portava-se como um,
coleccionava cicatrizes
e gostava de atum.

de tudo, o mais curioso:
ela detestava abraços
e esse acto asqueroso
afastava-a mil passos!

o pobre rapaz, um dia,
rejeitou a noção de dor
e disse que tudo faria
para tomar aquele amor.

cortou o braço esquerdo,
depois cortou o direito,
o que fez, fez em segredo
e o corte foi perfeito!

(como, eu não sei)
ele fê-lo sem pedir ajuda,
à margem daquela lei
que o coração fez muda.

o desmembrado rapaz
não agradou à inês
(recordei-me lá atrás)
e em lágrimas se desfez.

(temos de nos lembrar,
ainda que seja duro,
o que fazemos por amar
é um tiro no escuro.)

de coração partido,
só pensava em morrer,
o rapaz destemido
já nem podia comer!

nem mãos, nem braços,
as noites eram lentas,
os sonhos escassos
e as ideias nojentas.

sem alívio para a agonia,
deitou-se sobre os carris
e lá para o final do dia,
finalmente, foi feliz.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

sem título

em silêncio dou por mim
e sei que a tua voz se foi,
mas não me lembrar do fim
é aquilo que mais me dói.

angústia é melhor que nada,
é renegar o vácuo opressor,
é sentir esta vida mal passada
que podia ter sido melhor.

o mundo já não está ocultado
e já não é o teu lugar especial,
abrigo escondido e recanto privado,
onde, um dia, eu entrei por mal.

começou no nada e deve
voltar ao nada de onde surgiu,
esqueceu-se do que te descreve
e apagou-te das coisas que viu.

quando, por fim, me faltar a graça,
que perca também o encanto,
que me neguem em toda a farsa
e me atirem para o pior canto.

por ter morrido depressa demais
ou não ter morrido devagar o suficiente,
perdi-me em lembranças banais
que me enlouqueceram completamente.

foge, foge comboio valente,
ruma para bem longe daqui,
leva contigo esse velho presente
de quem nem se lembra de ti.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

nada acontece

nada acontece
ou, pelo menos,
é o que parece.

saio a disparar
um desejo
ao velho luar.

o meu suor
é um anseio
por algo melhor.

um peixe nada
em torno
d'um pé de fada.

uma estrela brilha
sozinha
numa ilha.

o coração cessa,
sem amor,
já não há pressa.

a beleza solta
é uma fera
sem escolta.

o dedilhado
é um acorde
mais cuidado.

ao fim do dia,
um só vislumbre
e eu sorria.

sou um animal,
mas jamais
te farei mal.

apesar do sono,
não dormirei
sem o teu retorno.

toquem-me lábios
carnais, encarnados
e sábios.

vozes na rua
são euforia
por vê-la nua.

estudasses ou não,
jamais entenderias
um coração.

vou dormir,
isto há muito
deixou de se ouvir.

nada acontece
ou se faz por acontecer,
apenas se falece.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

o amor não é contínuo

o amor não é contínuo, como se pode ler no título e parece-me razoável começar por aí. eu não só afirmo que não é contínuo, como também sei como se comporta. é muito simples, de facto, o amor é discreto. não, no sentido de algo que é recatado e sabe guardar um segredo, mas sim, no sentido matemático da palavra. ou seja, o amor é impulsivo! (o que quero dizer é que o amor acontece por impulsos, separados no tempo e sem qualquer amor nessa separação.)
é uma conclusão desafiadora, eu sei. no entanto, a verdade é só uma: é impossível amar continuamente, porque amar requer tudo de nós. para amar, temos de nos entregar de alma, corpo e mente, temos de nos render durante os sonhos e procurar abrigo nos pesadelos, temos de acordar e adormecer com um só pensamento: o amor. contudo, se tudo isto fosse apenas o que fizéssemos, então nada mais era feito: a comida não era preparada, os projectos não saíam do papel e esse papel continuaria sempre branco - estaríamos demasiado ocupados a amar para poder viver.
o conceito que guardamos em nós de amor, não é o de verdadeiro amor contínuo, mas o de um amor discreto - por impulsos - simples. amamos quando nos aborrecemos, quando estamos sozinhos, no caminho para a escola ou o trabalho, na fila do supermercado ou quando vemos alguém que está, nesse momento, também a amar. lá vai acontecendo, mais ou menos frequente e até, por vezes, quase todos os instantes consecutivos e é nesses momentos que parece contínuo e interminável. não o é, é uma ilusão! (mas não deixa de ser uma ilusão agradável.)

domingo, 28 de outubro de 2012

estava escrito

se for para amar, esse amor já existe -
possivelmente, foi desenhado
muito antes de termos acordado
neste sonho que, em nós, persiste.

esse fluído ilusório e lábil,
escorre pelo espaço entre nós
e segue vagaroso para a foz —
onde termina o que é fácil.

pois é na imensidão do mar
que o amor acaba por se perder
e nós amantes, sem o saber,
nos cruzamos — sem nos cruzar.

esta sentença é de morte,
por sermos estranhos à nascença
quando não há amor que vença
sem uma réstia de sorte.

é o acaso e nada mais
que nos acresce, por fim,
mas eu sei e sei, em mim,
que passou tempo demais.

em encontrar-te, eu fui feliz -
o destino estava traçado,
mas temi-me condenado
neste amor por um triz.

estava escrito, desde o princípio,
e por pouco não se perdeu —
foi um momento, meu e teu,
que passou — como um arrepio.

talvez o acaso só o seja
por acreditarmos que assim o é
e, talvez, um só pouco de fé
baste para que o amor se veja.

revolta-me — isso sim —
todo o tempo em solidão,
soubesse eu de antemão
que seríamos um, no fim.

em toda a verdade digo:
esta espera valeu a pena
e esperaria outra centena,
mas prefiro-a contigo.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

os tangos de maria de fátima

um dia - fatídico dia esse,
entre muitas horas perdidas,
na mente de quem se esquece,
as vistas foram feridas.

já não servem para trabalhar,
são empecilhos redundantes -
outrora fizeram-se chorar
e no rescaldo eram brilhantes.

por cinquenta e seis vezes
contornaram o sol
e suportaram as cruzes
que lançaram o anzol.

reformada - está só
na sua negra invalidez,
não mais sai de alijó -
lá se vai a lucidez.

maria tem um amigo,
nada menos que o melhor,
carrega-o sempre consigo -
vá maria por onde for.

esse amigo que canta
em vozes tão diferentes
conta, ao seu nome de santa,
as novidades das gentes.

maria é maria de fátima
e só o rádio a acompanha
na sua vida de lástima,
no seu vale da montanha.

um tango por dia,
para dançar com a vassoura,
é a única alegria
desta mágoa sem cura.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

uma história de aventura, uma demanda eterna

sentei-me um pouco a pensar e calmamente pensava pensando
"a chuva cai e eu tropeço, por estas ruas onde sempre ando."
se eu soubesse, naquele momento, se eu adivinhasse aquele dia
é certo, e mais que certo, jamais tais coisas eu te diria!
um pássaro pairou sobre mim e assustei-o para se afastar,
disse "vil criatura, desaparece! vil criatura, só me dás azar!"

eu choro para dentro: os meus pulmões, em si, colapsam
e eu tusso — esse é o meu choro — pelas mágoas que passam.
são uma forte corrente: as águas de um rio voraz
interminável — inexplicável, jorrá-las não sou capaz.
um azevinho cresceu sobre mim e olhei-o com desdém,
disse "não vês que estou só? não vês que tenho ninguém?"

observo a noite, tão escura como quem esquece
e as estrelas cintilam à esperança que desvanece.
julguei-me conhecedor e mestre dos teus sentidos,
fiz dos sonhos que tiveste objectos oprimidos.
um gato deitou-se sobre mim e enxotei-o de repente,
disse "jamais serei teu amigo! jamais terei um colo quente!"

ainda que depois de morto e por mais morto que esteja,
é o teu corpo — esse teu doce corpo — que este meu corpo deseja.
sou demente — sou sim, certamente — não me sei de outro jeito
e a culpa será — e será, certamente — deste pêndulo que trago ao peito.
um gigante chegou sobre mim e enfrentei-o com coragem,
disse "lembrar-te-ás do vencedor! lembrar-te-ás da minha imagem!"

esta seria a ode — a ode das odes — que eu te dedicaria por escrito,
de quem te ama, de quem te sente, de quem te clama num grito.
a tua sombra — de tantas outras, que em nada são iguais —
é a réstia de uma deusa que se perdeu para os carnais.
um sonho surgiu sobre mim e violei-o sem contenção,
disse "tais coisas eu não mereço! tais coisas, para mim não!"

sinto que o mundo é o cumprir de uma velha sentença,
onde viver é somente o sintoma de uma doença.
se porventura o dia chegar em que nos elevemos ao extremo,
deixa-me declarar "é a falta desse amor que temo."
um desejo refugiou-se sobre mim e rendi-me finalmente,
disse "estás em mim uma vez, estás em mim eternamente!"

domingo, 14 de outubro de 2012

lembro-me de ti

hoje, senti um frio profundo, um tiritar na barriga — hoje, tive saudades tuas. faz-me falta a maneira como me completas: és o leite para os cereais, os tremoços para a cerveja, o atacador para o sapato e o botão da camisa. é possível viver sem ti, mas são dias tristes e vazios. gostava de poder tornar a ouvir o eco do teu riso, a fúria da da tua indignação e o orvalho dos teus olhos. dava tudo o que tenho — roubava e matava — só para te poder segurar, por mais uma noite, nestes braços há muito desabitados. sentei-me a ouvir as músicas que as nossas vozes dissonantes distorciam, com a felicidade de um par de dois. apercebi-me do quão vago é a solidão, como um refrão sem versos e cuja melodia desvaneceu a medo. acostumei-me à tua presença, esse farol que sempre me iluminou o caminho — por mais negro que fosse. não sei estar sem ti, nem consigo imaginar que houve uma vida inteira — até ao dia em que te conheci — repleta da tua ausência. não te posso pedir que voltes, mas lembra-te de mim e de coisas boas que sorrateiramente te façam sorrir. perdi o volante do tempo e dou por mim a admirar a parede branca, vazia como a minha alma. lembro-me de ti.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

elisa

invadiu-me o teu nome,
    perfurou-me, assim, a medo.
enquanto a alma se consome,
    ele lá se esconde (é segredo).
        para quem chegou espontâneo,
            sem ter sido convidado,
        tornou-se, assim, coetâneo
            do meu coração destronado
                que ousou clamar pela brisa -
                    essa bela brisa de verão,
                    que me pegou pela mão
                e sussurrou esse nome... elisa?

cravaram-me a tua face
    com a ponta de uma navalha,
a cicatriz quente arrefece
    e a velha memória já falha.
        percorro o mundo e anseio
            um pouco de ti para consertar:
        um ténue vislumbre, eu receio,
            ser suficiente para me apaziguar.
                és musa e poetisa,
                    escreves-me melhor que ninguém
                    com esse nome que me fez refém,
                esse teu nome... elisa!

um dia, terei coragem,
    serei homem novo e grosseiro,
pegar-te-ei na outra margem
    e carregar-te-ei o tempo inteiro.
        a tua postura é angelical
            e esse passear ao som de piano
        obriga o tempo a correr mal -
            tropeça, está insano!
                é pura magia, o que realiza
                    esse teu bem mais precioso,
                    esse belo nome pecaminoso -
                esse teu nome... elisa.

sentimento novo e incerto:
    não sei como hei-de conter
esta vontade de te ter perto,
    esta ansiedade de te rever.
        são os teus cabelos em onda
            a chamar-me, como por sinais -
        não sei se me esconda
            ou me renda às forças banais.
                quando eu te falar: improvisa!
                    perguntar-te-ei o nome com emaranho,
                    como se me fosse algo estranho,
                esse nome que ecoa... elisa!

vou ultrapassar os versos,
    quiçá - não hoje, tenho sono.
um dia, vou ter remorsos
    quando sentir o abandono.
        não é fácil sair daqui
            e ir de encontro à miragem,
        com a sensação que perdi
            sem passar pela triagem.
                uma nódoa negra na camisa,
                    eu provoco para angariar
                    uma só desculpa e evitar
                esse amado nome: elisa.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

cidade

à noite, pela janela vejo
a silhueta desta cidade,
sem vergonha ou vaidade:
espera por um beijo.

escuto palpitantes passos -
são os passos dessa senhora,
que me prometeu, outrora,
perder-se em meus braços.

há ressonância à solta,
gotas de chuva a cair
e o silêncio a fugir
como quem já não volta.

r-r-r-ruído indiscernível
por esta floresta industrial,
cuja atmosfera infernal
causa-me sono impossível.

fecho a janela em vão -
ainda a sinto em redor
e cresce, em mim, o temor
de dormir em solidão.

gente grita e gente brinca,
gente vive nesta cidade
e morre ao chegar à idade -
numa vida que se tranca.

mas ela jamais dorme,
está sempre desperta:
por essa noite deserta,
por essa rua enorme.

esconde, pelos recantos,
as almas que vendeu
para reaver o que era seu:
monumentos e encantos.

não há paz no urbano,
mas lá fervilha a vida -
ora triste, ora divertida -
é o nosso quotidiano.

um dia negar-te-ei,
mas não será em breve -
esta vontade te escreve:
ainda não te explorei.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

para a rapariga de cabelos cor-de-sol

agradeço a todo o eterno,
infinito e imensurável,
a paz do meu inferno
e vivência deplorável.

a tua imagem cega-me,
atormenta-me tal doença —
já sonhei ouvir "leva-me,
pelas praças de Florença."

sou eu um simples vulto
e nada mais do que isso:
a sombra de alguém oculto,
petrificado p'lo teu feitiço.

esse feitiço é um olhar,
teus cabelos cor-de-sol —
lá me roubam o respirar
e a voz de rouxinol.

há desejo — eu senti-o,
nas páginas deste conto —
um seixo atirado ao rio
a viajar de ponto a ponto.

meu amor a contra-relógio,
essa solidão é um instante,
só desejo algum contágio
p'ra me veres como amante.

esse contágio será temível —
imploraremos pela morte
e essa morte impossível
só fará o amor mais forte.

encontrar-te-ei, um dia,
à espera d'outro alguém,
com amor em agonia —
por amor que já não tem.

e os teus olhos verdes
afinar-se-ão de azul
pelas águas que perdes
por quem morreu a sul.

se as palavras falassem,
se falassem por mim,
se cedo te encontrassem
pelo cheiro a jasmim...

mas a dor é um lembrete
com os versos da canção —
canta a tua voz: derrete
este meu pobre coração.

salva-me deste render,
que jamais me apaixones!
escolho me esquecer
p'ra que não me abandones!

e este sonho, tão doce,
morre, assim, por inteiro.
a realidade antes fosse
de quem a sonhou primeiro.

isto eu sei, e juro que sei:
o nome que cedo herdaste,
mas não sei se te encontrei
ou se tu me encontraste.

já só queria que o tempo
cavalgasse um caracol,
aprisionando, num momento,
teus cabelos cor-de-sol.

nesse momento, eu vi
e soube desde então:
fiquei, porque me perdi,
amei... porque não?

domingo, 30 de setembro de 2012

há-de pensar que é tolice

há um amor transcendente,
à espera de se revelar,
no coração dessa gente
que se afoga no mar.

os outros serão os outros,
interessa-me só ela
e os sentimentos neutros
pintados a aguarela.

tenho um coração encarnado,
com a fúria de um tufão,
que tudo fala calado
ou por detrás da mão.

por aí, eu a vejo sorrir,
como se o mundo lhe sorrisse,
fico-me pelo ir e não ir -
há-de pensar que é tolice.

fala - parece que canta,
respira como uma leve brisa
e quando lá se levanta
a minha alma paralisa.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

suspiro de palavras

por mais que possua,
sinto-me, em cada dia, com menos.
sou merecedor de requintadas relíquias,
mas pagam-me meia dúzia de seixos,
enquanto os demais me tratam por senhor
ao invés de vossa excelência.

pouco me importa!

eu sei que,
em mim,
sou mais do que no mundo.
esse sabê-lo-á um dia e a seu tempo,
se lhe importar questionar-se sobre isso.

há um punhado de consciências
sobre as quais lanço a sombra da minha,
com formas nem sempre verdade,
mas jamais completamente mentira!

aqui, guardo a chave de um enigma
cuja veracidade é dúbia
e a sintaxe um chão sem fundo.

as cabeças navegam pelo ar
e ninguém as sente fugir.
foram olvidados os caminhos que pisei,
será que nunca os conheci?

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

abandono

em vida, largas-me a mão e ignoras-me as façanhas
de que, em morte, ris em vão e partilhas aventuras,
doces, trépidas amarguras que te contraem as entranhas
num olhar apaixonado, numa noite às escuras.

o luar que me alumia sem brilhar é um ténue raiar
de sonho incoerente, mas feliz. sois vós que partis,
em silêncio, e me abandonais no fundo do mar
às memórias de um comboio que iludiu os carris.

a noite vai já longa, vazia e fria. transporto uma azia
que não mostra sinais de partir, aperta-me e arde.
lembro-me de uma rapariga que voava e se ria,
ela lá se entretinha e eu a espreitava como cobarde.

a primavera não tarda em terminar, mas eu sei
que todas as flores estão tristes pelo teu abandono.
eu, que nunca fui mais além, fosse um só dia rei
trazer-te-ia, mais ninguém, para partilhar o sono.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

barreiras

sentado, cansado, insensato - um pouco até,
já sem fé, tomou café,
levantou-se e pôs-se de pé, falou.
morreu no anonimato.

alguém se proclama - para lá das barreiras,
erguidas e opacas fronteiras,
no horizonte há fumo e bandeiras.
guerra.

ninguém reclama.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

minha

já tive ideias maravilhosas
sobre o possível fim do mundo,
o meu nome não é edmundo
e jamais ofereço rosas.

são os desagradáveis cheiros
que mais me trazem recordações,
essas coisas que no cabelo pões
p'ra olhares tão grosseiros.

na algibeira levava eu
moedas de prata p'ra menina,
cartas de amor em tinta fina
e um pássaro que morreu.

o tremor na espinha - frio,
ao imaginar ser algo real
ouvir-te cantar tal pardal
enquanto te despias pelo rio.

se sou demente, perguntas tu,
sou doente e delinquente,
um rapaz bem diferente
daquele que esperas ver nu.

perco-me em vagas promessas
expressas, mas nunca feitas,
são apenas olhares que deitas
de verdades que nem começas.

só me falta um copo de vinho,
o último beijo e abraço,
mais um café com bagaço
e ponho-me a caminho.

os teus olhos são nevoeiro
e translúcido o meu peito,
mas, com todo o respeito,
fui eu que te vi primeiro.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

os homens de anizestão - prólogo

ao ouvir as palavras "sociedade moderna", não se pode deixar de imaginar todo o tipo de automatismos para facilitar a vivência de uma espécie como a nossa. não só procuramos máquinas de trabalho bruto, para substituírem o nosso esforço muscular, como também queremos a designada inteligência artificial, que venha poupar a nossa querida matéria cinzenta.
o crescimento de uma sociedade moderna, nestes termos, é suportado pela produção em massa de todo o tipo de bens e serviços que, sem tais automatismos, seria totalmente insuportável. além disso, são económicamente viáveis, programáveis a gosto e não apresentam os defeitos de um organismo frágil como o nosso.
existe a ideia de que seres inteligentes como nós são o culminar da evolução, principalmente pela capacidade de criar máquinas de replicação. mas travar a evolução é impossível, há sempre algo a melhorar e defeitos para eliminar.
o que nos torna diferentes e tão especiais? a inexplicável capacidade de sentir coisas tão abstractas como a compaixão, pena, alegria ou tristeza. é, também, a nossa maior fraqueza. existe uma razão porque se desenvolvem armas cada vez mais tecnologicamente avançadas, algumas até com inteligência artificial, mas nenhuma com capacidades empáticas. isso seria criar um paradoxo, um instrumento redundante. se temos problemas em magoar os outros, vamos atribuir essa tarefa a coisas emocionalmente inertes. evoluímos da forca para a guilhotina, passando pela câmara de gás e a cadeira eléctrica para chegarmos à injecção letal, como forma de aplicar uma pena capital. porque o fizemos? certamente, não foi a pensar no homem ou mulher que tem os segundos contados, mas nos espectadores que, apesar de apreciarem o espectáculo, não se sentem tão bem em relação à personificação da morte através do corpo do condenado. podemos pensar em mais um exemplo, em relação aos seres que consideramos inferiores. se atribuíssemos sentimentos aos instrumentos utilizados nos matadouros, incorríamos no risco de estes se recusarem a fazer o seu trabalho.
a inteligência artificial tem como objectivo principal a simulação da inteligência da espécie criadora e, talvez até, criar a capacidade de fingir sentimentos, para ser mais fácil interagir com essas máquinas. no entanto, nunca iremos realmente transmitir sentimentos reais a algo que pretendemos que efectue um trabalho que não desejamos para nós. fariam greves, formariam sindicatos e criariam robôs que trabalhassem por eles. é um ciclo redundante e que a evolução tende a evitar.
a sociedade moderna irá condenar-se a ela própria a transmitir todo o seu legado a seres artificiais, mais perfeitos e que olharão para os seus criadores como essa sociedade encarou as espécies inferiores que estiveram no ramo da sua evolução.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

pária

minha afamada sociedade,
há muito me julgas tu,
tinha eu tenra idade
e vestia-me de nu.

quem te fez júri e juiz
pensava menos que eu,
que muito de bom fiz
e de nada me valeu.

trago a alma marcada
e o coração corrupto
pela tua cruz amada
que fez de mim bruto.

há passado e futuro,
um certo e um incerto,
o inocente paga duro
pelos crimes a descoberto.

infiltrei-me na noite negra
para esconder o que vês
e estuprar a tua regra
na minha sóbria embriaguez.

já nada me dá conforto,
nem a prostituta de farda,
o homem em mim está morto
e este corpo não tarda.

se sentiste compaixão,
foi delírio com certeza,
trocaste o sim pelo não
e o cruel por gentileza.

pobre de mim - coitado,
tenho tudo e tenho nada,
sou um vadio abandonado
numa berma de estrada.

cerra esses olhos demónios,
esquece-te deste vil animal
que destruiu mil matrimónios
e os repudiou sem igual.

hás-de ver o teu fim chegar
em murmúrios de traição
e quando a faca te apunhalar
ninguém te levantará do chão.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

a ilusão do tempo e um contador de histórias

imagine-se sentado numa sala sem janelas, uma lâmpada e uma mesa rectangular com dois livros em cima. cada livro encontra-se encostado numa das extremidades da mesa. a lâmpada apaga-se e, passados alguns instantes, reacende-se. ao observar o redor, nota-se que nada mudou. a posição da mesa e dos livros permanece inalterada. quanto tempo passou? podemos dizer que toda a experiência foram duas fotografias e que, entre cada uma, passou uma unidade de tempo. mas, se nada se alterou e ignorando a acção da lâmpada, podemos considerar que ambas as fotografias são idênticas e, portanto, a mesma.
repita-se a experiência anterior excepto que, ao reacender a lâmpada, observa-se que ambos os livros se encontram empilhados e encostados a uma das extremidades da mesa. não há dúvida que os momentos anterior e posterior, neste caso, são fotografias diferentes e, portanto, não podem ser a mesma. temos a noção de diferença entre um momento anterior e um momento posterior e à diferença, ou distância, de um ao outro chamamos de tempo.
deste modo, podemos considerar que o tempo é nada mais do que uma medida das diferenças entre universos estáticos. admitindo a existência de um número infinito de universos, um por cada combinação possível de toda a materia e energia que existe. a nossa consciência funciona como um organizador que continuamente atribui uma ordem cronológica a todos estes universos, de modo a criar uma história coerente e fluída, ou seja, sem mudanças drásticas.
na segunda experiência, claramente os acontecimentos não são fluídos e, portanto, representam universos que a nossa consciência não irá relacionar directamente. entre os momentos com os livros separados e empilhados, juntar-se-ão fotografias de alguém a entrar na sala e a empilhar os livros antes de se retirar. assim, a história faz sentido e tudo parece fluído.
o famoso paradoxo do gato de Schrödinger faz-nos questionar sobre quando o que nos rodeia é um facto e não uma superimposição de estados possíveis, descritos pela equação de Schrödinger. até se efectuar uma observação, existem vários estados que podem definir o mesmo sistema quântico. no entanto, quando uma consciência interage com esse sistema, os vários estados colapsam e um só subsiste - aquele que é observado.
todo o universo é composto por matéria e energia que, no seu estado mais fundamental, se resume ao modelo padrão. um electrão na terra é idêntico a um electrão no sol e, por sua vez, idêntico a um electrão na galáxia de andrómeda. de facto, não há maneira de saber a quem pertencem se observarmos os electrões fora de contexto. o que nos permite saber que um electrão pertence ao sol é a passagem do tempo em que este fez uma viagem no vento solar e atingiu algum detector na terra que estaria a estudar esse fenómeno.
temos a sensação que o tempo é contínuo porque a nossa consciência liga todas as fotografias, que constituem o filme da vida, em sequência. seja o tempo discreto, ou seja, por impulsos e a nossa maneira de observar o universo é em nada diferente daquela num eixo contínuo. tal como um osciloscópio digital, que apresenta um sinal aparentemente contínuo sem o ser, isto porque a amostragem é feita por impulsos. seguidamente, os algoritmos do osciloscópio juntam os fragmentos e suavizam as transições. o nosso cérebro faz algo semelhante a todo o instante, quando processa a informação audiovisual dos nossos sentidos. de facto, este tratamento é obrigatório para tornar a nossa percepção de imagem e som congruente, uma vez que a velocidade do som e da luz são muito diferentes, tal como as velocidades de processamento, por parte do cérebro, da informação sonora e visual.
em toda a verdade, estamos constantemente rodeados pelo passado e o presente é apenas uma sensação. toda a informação que atinge os nossos sentidos demora algum tempo para o fazer, dado que a velocidade de propagação não é infinita (para isso o tempo tinha de ser nulo). todas as imagens que vemos e todos sons que ouvimos foram produzidos algures no passado, ora muito distante no caso dos astros, ora menos distante no caso das pessoas com quem interagimos. o nosso universo individual é um vislumbre de tudo o que já aconteceu e a janela temporal aumenta com a distância a nós próprios. o brilho das estrelas no céu é uma fotografia de como elas eram há milhares de anos atrás, algumas das quais já nem existem. de certa forma, tudo é eterno. a imagem do nosso sol irá continuar a propagar-se pelo universo, muito depois da humanidade cessar de existir.
o tempo é uma consequência do aumento da aleatoriedade total, ou entropia, do universo. o facto de o número de estados possíveis para a matéria e energia aumentar, ou o número de universos parecidos com o nosso e que diferem na posição de um electrão, por exemplo, uns dos outros, faz com que seja necessário criar uma ligação. essa ligação é o que chamamos de tempo e é divergente, uma vez que, para cada estado possível de uma partícula, existem todos os estados possíveis das partículas que interagem com ela e cada consciência cria a o seu caminho através deste emaranhado de universos. contudo, consciências próximas devem influenciar-se mutuamente. se chover numa determinada cidade, varias testemunhas irão afirmar que esse fenómeno metereológico aconteceu a uma certa hora.
o que rege a evolução do universo tal como o vemos? um contador de histórias, um algoritmo num supercomputador, uma consciência global, uma entidade superior - um deus, em certas crenças religiosas, o puro acaso ou a tendência para o estado de energia mínimo. o tempo pode ser uma ilusão, pode ser multidimensional ou ainda mais bizarro. eu só sei que, se me faltasse, não divagava tanto.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

o grande fingidor

eu sou o grande fingidor
e essa gente finge comigo.
todo eu sou pura mentira
e eles acreditam no que digo.

há quem engane quem ama,
há quem ame o sexo errado,
mas eu sou pior, bem pior,
quando até minto calado.

eu sou quem não sou,
encarno outro na sociedade,
é-me mais fácil iludir
que encarar a verdade.

pudéssemos todos ser anjos,
não há empatia com demónios.
eu lá finjo ser homem bom
para não estoirar os neurónios.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

não te constrói o tempo

o amor é um tormento
que em nada é ligeiro,
nem se apaga com o tempo,
só o torna mais certeiro.

é uma unha encravada
num coração já doente,
com a tristeza calejada
por um sonho recorrente.

é fraqueza num instante
em que se perde a cabeça
pelo movimento oscilante
que o tempo lá esqueça.

é um breve fechar de olhos,
uma reza em segredo,
pedir e implorar de joelhos
por uma noite sem medo.

é uma melodia silenciosa
que ressoa nas entranhas,
fingindo-se de preciosa
e outras coisas estranhas.

é uma carta por preencher
com palavras sem sentido
e tanto que ficou por dizer
para a eternidade retido.

sábado, 14 de julho de 2012

depois da meia noite

gosto de me ver ao espelho, admito. não por vaidade, mas porque me esqueço muitas vezes de quem sou — da minha própria cara. tenho necessidade de recordar a máscara que trago colocada, num dado momento, para saber qual o papel a interpretar. é tão mais fácil interagir por um véu translúcido, já que a nudez é explorável. os sentimentos, frágeis como são, pairam no ar como bolhas de sabão. só o teu não é o sopro que os rebenta contra a parede, atrás de lábios contrariados que não conhecem modéstia. se o mundo fosse feito por medida, tudo seria céu e mar. só restaria quem soubesse nadar ou voar, para que nada jamais fosse fácil. o descanso é a recompensa que a morte nos dá, com a gentileza de uma mãe. tudo o que é belo é-o sem adição. não tentes embelezar o que nunca foi feito para ser agradável e destrói-o antes que cresça sem travão. eu prefiro ir de encontro à morte emocional do que perder-me no abismo da esperança.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

um corvo no coração

perguntei a todas as raparigas que conheci "que tipo de pássaro és tu?" e só tu respondeste prontamente "um corvo!" para eu te amar sem pensar.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

sou escravo

hão-de pensar que sou frio, desligado e em tormento.
pensam bem.
hão-de imaginar que sou monstro, demente e escória.
imaginam bem.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

poema sentido (sem sentido)

não houve um alguém
com o mínimo de prezo,
mas eu fácil esqueço
todo esse desdém.

amor já te não sinto
desde a última vez
que a cama a dois se fez
a um quarto p'ras cinco.

esse sim e o outro não,
gosto do jeito que gosto,
beijo fogo nesse rosto,
triste sou, sem razão.

não tentei desejar mais,
tanto quis sem querer,
fiz-me tolo sem saber,
eram teus os animais.

não! vieram por marés,
salgaram-me as manhãs,
entoavam promessas vãs,
eleveram-me pelos pés.

eu sei e não o digo,
vontade, pouca falta,
se sair carta alta
levo-te sempre comigo.

domingo, 3 de junho de 2012

desfaz-me

os teus dedos, a deslizar por mim,
desfizeram todos os vincos,
alisaram todos os recantos.
a morte tocou-me, leve assim,
e, por mais cruel que fosse,
jamais algo foi tão doce.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

monólogo intelectual a duas vozes mudas

eu, que tudo sei sobre nada
e que nada sei sobre coisa alguma,
posso intuir, certamente,
e induzir o desatento em erro,
que tudo sei sobre coisa alguma.
eu domino os dois eixos eternos,
ambos ortogonais entre si,
o de todas as coisas que são
e aquele de todas as coisas que sei.
sou o vértice de uma curva,
suave e delicada, uma recta até,
se a olhasse suficientemente perto.
eu sou a ideia derivada da ideia,
sou ambas a original e a divergente,
como um grande rio e o seu afluente.

oh! grandiosa sapiência, perdoa-me!
tomei-te como certa, sem certezas,
estampei-te na alma, sem permissão.
só eu não tenho alma,
porque sou a própria
e o que possuo é este corpo,
flácido e efémero,
que ao mínimo contacto
já acusa dor.
dor... que coisa horrível!
certamente, a pior ideia de sempre!
as leis da natureza estão cegas,
que não sentem a força desse campo,
que tudo seduz e tudo devora,
tudo se verga à sua vontade.

já sei sentir, aprendi.
fui ambos professor e aluno.
mas do nada jorra somente nada,
então tudo o que sei e adquiri
é apenas uma lembrança
que nunca vivi,
oculta, entre as páginas de mim.

eu, que tudo sei sobre nada
e que nada sei sobre coisa alguma,
posso deduzir, certamente,
que todo o saber é vão,
inútil e colapsado em si mesmo.
o meu saber é nada,
que surgiu de uma ideia vazia
e há-de regressar a nada,
sem ter tido a mínima hipótese
de se tornar coisa alguma.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

nada, é melhor do que nada

próximo de ti, da tua aura,
sou um nada mais vazio do que nada!
há uma escuridão que se instaura
e a incerteza, certamente, está errada.

ao mais curto alcance
do braço no mais pequeno dos homens
se compensa a visão de relance
para lá de lá das margens.

tenho pavor do escuro,
que nada mais é do que espera.
aguardo a chegada, no futuro,
da luz que se expande em esfera.

tu és a estrela, e brilhante,
que me abraçou sem querer,
sem reparar que, por estar distante,
eu me fui por me esquecer.

uma derradeira oportunidade,
quando chegar o zero absoluto.
espero encontrar-te em saudade
e ser um bom substituto.

quinta-feira, 22 de março de 2012

uma história moderna

apetece-me contar uma história moderna, que se enquadre nos dias que me rodeiam. não é transcendente, mas é fora do comum vulgar. partilho a história do meu amigo ricardo, incompreendido e incapaz de transmitir o real significado de cada palavra que proferia.
eu só me apercebi realmente da verdade, sobre o mistério que o rodeava, no fim, tarde demais. mas houve outro alguém, ignorado por todos, que sempre segurou o ricardo. chamava-se jorge e talvez tenha sido o melhor e mais verdadeiro amigo que o ricardo já teve, certamente mais capaz do que eu ou qualquer outra pessoa que eu conheça.
que o ricardo era um rapaz diferente, mesmo um pouco perturbado, ninguém negava. mantinha-se afastado de tudo, de todos, do próprio mundo que o segurava pelos pés, mesmo quando estava connosco, rodeado de todos os seus amigos. passava grande parte do tempo a divagar em universos estranhos, fruto da sua magicação, onde era senhor de todas as leis da física. o resto do que sobrava era partilhado com o jorge, com quem chegava a ter discussões pela noite dentro.
na altura, eu, ou qualquer outro de nós, fomos incapazes de dar a devida atenção à estranha relação que havia entre os dois. agora, passamos os serões de sábado à noite a relembrar todos os episódios, de todas as vezes que o ricardo trazia o jorge e não dirigiam a voz a outra pessoa. ali ficavam, encostados um no outro, numa troca de palavras quase imperceptível ao mundo em seu redor. pensávamos, cá para nós, que era apenas alguém extravagante na sua personalidade. a verdade é que estávamos apenas a inventar desculpas para o facto de não nos querermos sequer preocupar com isso. a cada um os seus flagelos!
como alguém que vem à tona da água já sem fôlego algum, o ricardo tornou-se aquela pessoa que todos esperávamos que ele fosse, completa e perfeitamente banal. passou a conversar com todos nós um pouco, cessando todos aqueles serões que passava imerso no seu silêncio. pela mudança de atitude, o desviar de conversa quando lhe perguntávamos sobre a sua estranheza passada e a subida do seu nível médio de aparente felicidade, todos supusemos que a relação com o jorge teria conhecido o seu fim.
finalmente, éramos um grupo de amigos bastante normal e capaz de passar despercebido em qualquer lugar. como poderia alguém esperar que prevíssemos os eventos que se desenrolariam naquele sábado à tarde? tudo estava bem, não podia ser mais aborrecido de tão quotidiano que era.
nessa noite, o ricardo não apareceu para tomar café. confesso que não me preocupei muito, eu ou qualquer um dos restantes, apesar de ele se encontrar incomunicativo. por vezes, ocorrem imprevistos.
acordei no domingo de manhã com uma chamada da mãe do ricardo. esse foi o momento em que me apercebi de tudo, uma epifania. a pobre senhora mal se entendia de tanto se engasgar nas lágrimas, ninguém sabia do ricardo. não aparecia em casa desde o sábado à tarde, nem para dormir. isto representava uma atitude muito fora do normal, mesmo para o ricardo. penso que ele sempre tentou, até ao máximo que conseguiu, fingir ser um rapaz como os outros. talvez tenha sido esse o problema, de tanto fingir esqueceu-se daquilo que era realidade ou ficção.
umas horas mais tarde, o corpo do ricardo foi encontrado pela polícia. estava sentado, sereno e quase parecia estar vivo, como numa das suas longas conversas com o jorge. o padre, que ia realizar a missa nessa tarde, deu o alerta, ao deparar-se com o corpo do meu amigo já sem vida.
a polícia judiciária não encontrou evidência de qualquer acto criminoso e o relatório do médico legista, que realizou a autópsia ao ricardo, apresentava as mesmas conclusões. morte súbita devido a uma taquicardia ventricular seguida de uma fibrilação ventricular, podia ler-se.
eu imaginei um cenário diferente e tenho quase a certeza tratar-se do que realmente aconteceu na igreja. na minha cabeça, tudo se desenrola como um filme mudo. o ricardo foi até aquele lugar para confrontar o jorge, exigindo que o deixasse definitivamente em paz, que estava bem e não precisava mais dele. o jorge, que se encontrava sentado ao seu lado, levantou-se sem dizer uma palavra e foi-se embora. foi quando o ricardo respirou de alivio e fechou os olhos num pestanejar prolongado que o jorge surgiu atrás dele, agarrando-o pelo pescoço com o braço. não bastou muito para que parasse de lutar, o jorge sempre foi bem mais forte do que o ricardo. para mim, foi ele que o matou. foi o jorge que matou o ricardo.

sexta-feira, 16 de março de 2012

conselho de um amigo

sentes o repúdio que é auto-infligido,
a renúncia a ti consciente,
o ódio presente, crescente, efervescente!
eleva a voz da alma,
abre esse baú maldito!
são as lágrimas que ofuscam
o teu amigo expedito.
as desculpas não te pertencem
pela maldição de viver,
mas ao universo que te trouxe
sem condições para te ter!
quando acordar é um flagelo
e o bom dia uma miragem,
está na altura de partir
à descoberta da outra margem.
encontro-te apático, estático;
o teu ser é estagnático!
quem nunca te viu surpreende-se,
esqueceram-te já os restantes;
quão horrível não seria este mundo
se fossemos todos amantes?
a visão do futuro que não te pertence,
ainda que eternamente distante,
sempre se pode aproximar
por um simples metro ou instante.
é difícil encarar-te directamente,
evito-te em todos os reflexos;
o teu olhar é um tormento.
ninguém merece ser tão inteligente
que consiga de si ser consciente.

domingo, 11 de março de 2012

o monólogo de um homem invisível

a cada dia, os caminhos repetem-se e eu já os sei de cor. memorizei as diferentes caras que desviam o olhar sempre que cruzam o meu percurso. sou um passageiro que não ocupa lugar ou paga bilhete, apenas viaja por viajar, porque nada mais o faz sentir parte do mundo onde se insere. a rotina, repetição e falta de aleatoriedade cansam-me. começo a sentir repulsa pelo único elo de ligação que desespero para me integrar neste frágil ecossistema. desisto de tentar, coloco um ponto final, adiado em demasia, num paragrafo que se prolongou muito para lá das margens do papel. sou um homem invisível a quem foi negada a morte; por todos os crimes praticados condenaram-me a uma existência apática. apego-me exageradamente a tudo o que tem um fim prematuro, ansioso por descobrir o sabor da ausência de dor. mas a minha dor é platónica e não há nada que a apazigue, só o cessar do pensamento. um fim abrupto, pela qual sempre esperei. viajei por todas as linhas e saí em todas as estações, dormi sobre os trilhos em noites sem luz luar. não há nada que me carregue para longe deste lugar, o cerne de toda a minha fraqueza enquanto homem, porque, em toda a verdade, eu não quero sair. miserável, eu quero ficar.

segunda-feira, 5 de março de 2012

o paradigma da inércia

existe sinergia suficiente
no contagio da ideia delinquente
de pensar em pensar diferente
até enlouquecer completamente.

tenho a filosofia da antiga grécia,
comando guerreiros da pérsia,
mas a mão permanecerá vazia
enquanto me deleitar em inércia.

questiono-me quem sou.
o que sou? para onde vou?
quem partiu? quem foi que ficou?
não! fui eu, quem aqui sonhou.

agrada-me ficar a imaginar:
sou um pequeno nada a flutuar
numa ínfima leve corrente de ar
para lá do azul escuro do mar.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

e se..?

- e se eu dissesse que estou apaixonado por ti, confessasse esta minha palpitante luxuria que me leva para fora de mim, me declarasse com o coração nas mãos para que pudesses ver que se contrai por ti?
- eu diria que nada neste mundo me faria mais feliz do que satisfazer essa tua tentação, encontraria um lugar nos braços para te espreitar nos olhos em ansiedade por um beijo teu.
- joana, a verdade é que eu...
- mas não o digas, joão.
- porquê?
- essa realidade pertence ao universo dos "e se?" e não ao nosso. aqui, eu não quero estragar nada do que temos com súbitos momentos de extrema fantasia.
- no universo dos "e se?", os estilhaços que me perfuram os pulmões seriam um só. mas aqui, pelo menos, são muitos os que sabem o teu nome.
- vamos ao cinema ver um filme de ficção científica!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

acuso-te

todo este amor que tenho só o é após o facto. esse, a promessa num olhar vendida, era falso. o que tenho assenta em pontes de mentira e não desaba, nem depois de derramados todos os alicerces.

domingo, 15 de janeiro de 2012

remoinho de vento

                      ouvi eu cá
            dizer, que
            os remoinhos
    são feitos
de vento.
eu vi um
    a correr
            sem medo
            e vi um
                  a dançar
                         com folhas.
                      no verão,
                eles vão
                  para o mar
              (onde está
            fresquinho,
        penso eu).
          que fantástico
      que é, saber
    tanto sobre
  o vento.
            mas o vento
            disse-me,
                  um dia, que
                        os remoinhos
                      não são feitos
            de vento.
                e eu perguntei
          "então, o que
  são?" e ele
    respondeu que
"os remoinhos
  são coisas da
        água" e que eu
      não estava
        "a pensar
                em vento."
                        pedi perdão,
                  pela minha
              insolência,
          por pensar
        que podiam
      haver por aí
remoinhos
feitos de
vento.

hoje sinto-me sem mim

há por aí gente a deambular que não tem nada de mim. e eu, que tanto tenho de mim, procuro-me incessantemente por toda a parte. nunca me encontro e acabo como mais um desses tristes transeuntes a vaguear por aí, sem nada de mim.

sábado, 14 de janeiro de 2012

afamado

quem de vós tendes a ousadia de dizer
que sou menos do que aquilo que sou?
eu sou eu desde que tenho memória!
tudo são meras histórias para adormecer,
cantigas de quem muito me invejou
e nunca teve uma só vitória!

quem de vós sonha com o passado
e deseja que tudo fosse como dantes?
eu faço-o a cada momento presente!
daquilo que sou verdadeiramente culpado,
antes de sermos propriamente amantes,
foi ter sido demais eloquente!

quem de vós tem um desejo carnal
ou uma fantasia particularmente obscura?
eu ocupo-me com nada mais do que isso!
o que nos rodeia é definitivamente fatal,
um chamamento à morte prematura,
um insorriso - eterno e omisso!

quem de vós é arguido por inocência
cuja cobardia para o crime é palpável?
eu não sou desses e jamais o serei!
o desejo é limitado pela indecência,
a fantasia constrangida pelo imaginável
e a realidade condenada por lei!

quem de vós jamais um dia chorou
desde que vos separaram de vossa mãe?
eu admito-o, mas por puro engano!
em nada de nada melhorou
ter derramado o sangue de alguém
por ser completamente insano!

quem de vós foi que me perseguiu
e escutou até ao som do silêncio?
eu parei de falar - assustado!
o rosto oculto que nunca sorriu
chegou-se a mim tal abrenúncio,
acusando-me de ser afamado!