segunda-feira, 10 de julho de 2023

depois de um bagaço

sentes que um pouco de espaço
era tudo o que eu queria,
mas eu sei tão bem
e tu sabes também
que, um pouco de espaço,
é como uma azia
depois de um bagaço.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

esquecido

quem me dera ser o vento de inverno,
só p'ra poder tocar a tua cara,
sentir-lhe o sabor da pele doce e clara
o travo que levarei p'ró inferno.

sou uma gota de água no oceano,
largada à costa que te viu às dez,
onde paraste p'ra molhar os pés
e, com um olhar, me deixar insano.

ainda sinto o teu sabor nas margens,
espalhado pelos cantos recônditos
das minhas efémeras viagens.

deixas os meus sentidos oprimidos,
fazes das memórias miragens
e esqueces-me entre os restantes perdidos.

sábado, 6 de julho de 2019

uma fotografia

ela pediu que lhe capturasse uma fotografia,
como se uma imagem algum dia fosse capaz de capturar a verdadeira essência do seu ser,
como se não fosse óbvio que qualquer maquinaria só iria conspurcar
aquela que seria, de outro jeito, uma beleza em bruto indomável.

acedi ao pedido, porque longe de mim negar o seu desejo,
mais rápido concedo às minhas crenças que entristeço outro ser,
mas por mais experiência que tenha atrás da objectiva,
para sempre me marcará aquele momento
em que fui incapaz de capturar a verdadeira essência do ser.

e o ser, tão depressa como surgiu, se desvaneceu da vista,
da vista talvez, mas não da memória ou do registo gravado,
que tão mal gravado ficou, nem me ouso pronunciar,
haja um outro momento, em qualquer instante da existência
que surja ser de igual esplendor diante dos meus olhos, para jamais desgrudar.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

imperfeito

a minha imperfeição eternamente a amar a tua.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

um, dois, três

há quantos dias me odeias,
há quantos dias me repudias,
há quantos bichos na algibeira
e quantos truques de magia?

fazes tudo à tua maneira,
fazes tudo como a primeira,
fazes tudo à moda antiga
ou só o fazes por brincadeira?

já não sei o que te diga,
já não sei essa cantiga,
já não há aqui mais encanto,
o que há fica p'ra outro dia!

deixa-me viver no entretanto
deixa-me estar no meu canto,
deixa-me tapar a luz dos dias,
que eu não deixo... espanto!

quarta-feira, 27 de março de 2019

dormir

dormir sem ti é um farol ao demo,
respirar sem ti... pujante agonia!
num mundo sem ti, o que é que eu faria?
levem-me daqui, senão eu blasfemo!

mente danada, sai prisão de mim,
fica calada! congelem as horas,
sai p'la madrugada — que ainda demoras —
e não digas nada — diz só que sim.

tu, que das minhas noites és história,
enches-me o indomável pensamento
que já não me é fiel à memória.

haja quem me termine este tormento,
quem busque toda a fama, toda a glória!
que eu, sem ti, sou ar — apenas o vento...

segunda-feira, 11 de março de 2019

és

um traço de magia, um encanto,
o meu raio de Sol ao fim do dia,
a melhor possível companhia,
tudo o que preciso no meu manto.

as garras da coruja no meu coração,
o negrume do peito quando te ausentas,
o indomável lume, se me esquentas,
o papel em que escrevo a confissão.

a minha declaração de amor,
a minha declamação sem coragem,
a minha grade ao chegar à margem,
as minhas asas, o meu conductor.

um dia de inverno ausente de frio,
o verão que teima em não terminar,
a escuridão que cessa com o luar,
a brisa que me deixa em arrepio.

sexta-feira, 8 de março de 2019

morreu algo em mim e não eu

eu já não sou eu, não me sinto eu,
não sei quem sou, aqui e agora,
somente quem fui lá e outrora,
que esse algo, aqui e agora, morreu.

maldita hora, atrevida felicidade...
bendito infortúnio, onde andas tu?
traz-me o fado mal passado — cru —
que eu já passei da tenra idade.

eu não sei ser feliz e não sei,
eu não quero ser feliz e não quero,
já nem sei por quem eu espero,
já nem lembro por onde errei.

salva-te a ti, salva até a tua mãe,
chama os deuses do Olimpo e além,
leva a felicidade que só cego tem
e deixa-me ser sozinho — ninguém.

quarta-feira, 6 de março de 2019

monstro

já não sei quem foi, me arrastou até aqui,
o que dói em mim e eu não senti,
porque me pesa a alma com um fardo não meu
e, quando te mataram, fui eu quem morreu.

levas a minha mão ao fogo no teu peito —
a mão que tens é a minha por defeito —
que mal se nota por entre a tua calma
e o que arde, na verdade, é a minha alma.

já não sei quem foi, me roubou a alegria,
se foi ela que partiu para melhor companhia —
alegria que sempre foi um engodo,
para mim, para ti e o mundo todo.

leva-a contigo para perto do teu sorriso,
esse nectar, esse milagre, esse tudo o que eu preciso,
essa veste floral em pleno inverno,
esse pecado carnal — meu inferno.

sábado, 3 de novembro de 2018

sara

tortura é ter-te comigo tão perto
e não poderes estar mais distante,
os teus olhos reflectem um amante,
os teus lábios — oásis no deserto!

p'ra infortúnio das mulheres — essas
que passam à minha frente na rua —
oh! meu coração, não pares... recua,
se por ela as paredes atravessas!

já não me lembro de sentir as veias
trepidar sob as camadas de pele —
esta pele que tu e só tu incendeias.

e o meu corpo, que tanto te é fiel,
sucumbe ao amor que tão bem doseias
em dose que sempre será cruel.