sexta-feira, 24 de agosto de 2012

minha

já tive ideias maravilhosas
sobre o possível fim do mundo,
o meu nome não é edmundo
e jamais ofereço rosas.

são os desagradáveis cheiros
que mais me trazem recordações,
essas coisas que no cabelo pões
p'ra olhares tão grosseiros.

na algibeira levava eu
moedas de prata p'ra menina,
cartas de amor em tinta fina
e um pássaro que morreu.

o tremor na espinha - frio,
ao imaginar ser algo real
ouvir-te cantar tal pardal
enquanto te despias pelo rio.

se sou demente, perguntas tu,
sou doente e delinquente,
um rapaz bem diferente
daquele que esperas ver nu.

perco-me em vagas promessas
expressas, mas nunca feitas,
são apenas olhares que deitas
de verdades que nem começas.

só me falta um copo de vinho,
o último beijo e abraço,
mais um café com bagaço
e ponho-me a caminho.

os teus olhos são nevoeiro
e translúcido o meu peito,
mas, com todo o respeito,
fui eu que te vi primeiro.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

os homens de anizestão - prólogo

ao ouvir as palavras "sociedade moderna", não se pode deixar de imaginar todo o tipo de automatismos para facilitar a vivência de uma espécie como a nossa. não só procuramos máquinas de trabalho bruto, para substituírem o nosso esforço muscular, como também queremos a designada inteligência artificial, que venha poupar a nossa querida matéria cinzenta.
o crescimento de uma sociedade moderna, nestes termos, é suportado pela produção em massa de todo o tipo de bens e serviços que, sem tais automatismos, seria totalmente insuportável. além disso, são económicamente viáveis, programáveis a gosto e não apresentam os defeitos de um organismo frágil como o nosso.
existe a ideia de que seres inteligentes como nós são o culminar da evolução, principalmente pela capacidade de criar máquinas de replicação. mas travar a evolução é impossível, há sempre algo a melhorar e defeitos para eliminar.
o que nos torna diferentes e tão especiais? a inexplicável capacidade de sentir coisas tão abstractas como a compaixão, pena, alegria ou tristeza. é, também, a nossa maior fraqueza. existe uma razão porque se desenvolvem armas cada vez mais tecnologicamente avançadas, algumas até com inteligência artificial, mas nenhuma com capacidades empáticas. isso seria criar um paradoxo, um instrumento redundante. se temos problemas em magoar os outros, vamos atribuir essa tarefa a coisas emocionalmente inertes. evoluímos da forca para a guilhotina, passando pela câmara de gás e a cadeira eléctrica para chegarmos à injecção letal, como forma de aplicar uma pena capital. porque o fizemos? certamente, não foi a pensar no homem ou mulher que tem os segundos contados, mas nos espectadores que, apesar de apreciarem o espectáculo, não se sentem tão bem em relação à personificação da morte através do corpo do condenado. podemos pensar em mais um exemplo, em relação aos seres que consideramos inferiores. se atribuíssemos sentimentos aos instrumentos utilizados nos matadouros, incorríamos no risco de estes se recusarem a fazer o seu trabalho.
a inteligência artificial tem como objectivo principal a simulação da inteligência da espécie criadora e, talvez até, criar a capacidade de fingir sentimentos, para ser mais fácil interagir com essas máquinas. no entanto, nunca iremos realmente transmitir sentimentos reais a algo que pretendemos que efectue um trabalho que não desejamos para nós. fariam greves, formariam sindicatos e criariam robôs que trabalhassem por eles. é um ciclo redundante e que a evolução tende a evitar.
a sociedade moderna irá condenar-se a ela própria a transmitir todo o seu legado a seres artificiais, mais perfeitos e que olharão para os seus criadores como essa sociedade encarou as espécies inferiores que estiveram no ramo da sua evolução.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

pária

minha afamada sociedade,
há muito me julgas tu,
tinha eu tenra idade
e vestia-me de nu.

quem te fez júri e juiz
pensava menos que eu,
que muito de bom fiz
e de nada me valeu.

trago a alma marcada
e o coração corrupto
pela tua cruz amada
que fez de mim bruto.

há passado e futuro,
um certo e um incerto,
o inocente paga duro
pelos crimes a descoberto.

infiltrei-me na noite negra
para esconder o que vês
e estuprar a tua regra
na minha sóbria embriaguez.

já nada me dá conforto,
nem a prostituta de farda,
o homem em mim está morto
e este corpo não tarda.

se sentiste compaixão,
foi delírio com certeza,
trocaste o sim pelo não
e o cruel por gentileza.

pobre de mim - coitado,
tenho tudo e tenho nada,
sou um vadio abandonado
numa berma de estrada.

cerra esses olhos demónios,
esquece-te deste vil animal
que destruiu mil matrimónios
e os repudiou sem igual.

hás-de ver o teu fim chegar
em murmúrios de traição
e quando a faca te apunhalar
ninguém te levantará do chão.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

a ilusão do tempo e um contador de histórias

imagine-se sentado numa sala sem janelas, uma lâmpada e uma mesa rectangular com dois livros em cima. cada livro encontra-se encostado numa das extremidades da mesa. a lâmpada apaga-se e, passados alguns instantes, reacende-se. ao observar o redor, nota-se que nada mudou. a posição da mesa e dos livros permanece inalterada. quanto tempo passou? podemos dizer que toda a experiência foram duas fotografias e que, entre cada uma, passou uma unidade de tempo. mas, se nada se alterou e ignorando a acção da lâmpada, podemos considerar que ambas as fotografias são idênticas e, portanto, a mesma.
repita-se a experiência anterior excepto que, ao reacender a lâmpada, observa-se que ambos os livros se encontram empilhados e encostados a uma das extremidades da mesa. não há dúvida que os momentos anterior e posterior, neste caso, são fotografias diferentes e, portanto, não podem ser a mesma. temos a noção de diferença entre um momento anterior e um momento posterior e à diferença, ou distância, de um ao outro chamamos de tempo.
deste modo, podemos considerar que o tempo é nada mais do que uma medida das diferenças entre universos estáticos. admitindo a existência de um número infinito de universos, um por cada combinação possível de toda a materia e energia que existe. a nossa consciência funciona como um organizador que continuamente atribui uma ordem cronológica a todos estes universos, de modo a criar uma história coerente e fluída, ou seja, sem mudanças drásticas.
na segunda experiência, claramente os acontecimentos não são fluídos e, portanto, representam universos que a nossa consciência não irá relacionar directamente. entre os momentos com os livros separados e empilhados, juntar-se-ão fotografias de alguém a entrar na sala e a empilhar os livros antes de se retirar. assim, a história faz sentido e tudo parece fluído.
o famoso paradoxo do gato de Schrödinger faz-nos questionar sobre quando o que nos rodeia é um facto e não uma superimposição de estados possíveis, descritos pela equação de Schrödinger. até se efectuar uma observação, existem vários estados que podem definir o mesmo sistema quântico. no entanto, quando uma consciência interage com esse sistema, os vários estados colapsam e um só subsiste - aquele que é observado.
todo o universo é composto por matéria e energia que, no seu estado mais fundamental, se resume ao modelo padrão. um electrão na terra é idêntico a um electrão no sol e, por sua vez, idêntico a um electrão na galáxia de andrómeda. de facto, não há maneira de saber a quem pertencem se observarmos os electrões fora de contexto. o que nos permite saber que um electrão pertence ao sol é a passagem do tempo em que este fez uma viagem no vento solar e atingiu algum detector na terra que estaria a estudar esse fenómeno.
temos a sensação que o tempo é contínuo porque a nossa consciência liga todas as fotografias, que constituem o filme da vida, em sequência. seja o tempo discreto, ou seja, por impulsos e a nossa maneira de observar o universo é em nada diferente daquela num eixo contínuo. tal como um osciloscópio digital, que apresenta um sinal aparentemente contínuo sem o ser, isto porque a amostragem é feita por impulsos. seguidamente, os algoritmos do osciloscópio juntam os fragmentos e suavizam as transições. o nosso cérebro faz algo semelhante a todo o instante, quando processa a informação audiovisual dos nossos sentidos. de facto, este tratamento é obrigatório para tornar a nossa percepção de imagem e som congruente, uma vez que a velocidade do som e da luz são muito diferentes, tal como as velocidades de processamento, por parte do cérebro, da informação sonora e visual.
em toda a verdade, estamos constantemente rodeados pelo passado e o presente é apenas uma sensação. toda a informação que atinge os nossos sentidos demora algum tempo para o fazer, dado que a velocidade de propagação não é infinita (para isso o tempo tinha de ser nulo). todas as imagens que vemos e todos sons que ouvimos foram produzidos algures no passado, ora muito distante no caso dos astros, ora menos distante no caso das pessoas com quem interagimos. o nosso universo individual é um vislumbre de tudo o que já aconteceu e a janela temporal aumenta com a distância a nós próprios. o brilho das estrelas no céu é uma fotografia de como elas eram há milhares de anos atrás, algumas das quais já nem existem. de certa forma, tudo é eterno. a imagem do nosso sol irá continuar a propagar-se pelo universo, muito depois da humanidade cessar de existir.
o tempo é uma consequência do aumento da aleatoriedade total, ou entropia, do universo. o facto de o número de estados possíveis para a matéria e energia aumentar, ou o número de universos parecidos com o nosso e que diferem na posição de um electrão, por exemplo, uns dos outros, faz com que seja necessário criar uma ligação. essa ligação é o que chamamos de tempo e é divergente, uma vez que, para cada estado possível de uma partícula, existem todos os estados possíveis das partículas que interagem com ela e cada consciência cria a o seu caminho através deste emaranhado de universos. contudo, consciências próximas devem influenciar-se mutuamente. se chover numa determinada cidade, varias testemunhas irão afirmar que esse fenómeno metereológico aconteceu a uma certa hora.
o que rege a evolução do universo tal como o vemos? um contador de histórias, um algoritmo num supercomputador, uma consciência global, uma entidade superior - um deus, em certas crenças religiosas, o puro acaso ou a tendência para o estado de energia mínimo. o tempo pode ser uma ilusão, pode ser multidimensional ou ainda mais bizarro. eu só sei que, se me faltasse, não divagava tanto.