terça-feira, 28 de dezembro de 2010

maldito

o mundo em que vivo é maldito,
a distância entre nós um grito.

sábado, 25 de dezembro de 2010

perto de casa

tornaste-te um porto seguro,
a corrente no calcanhar.
nem para me salvar,
saltaria este muro.

só quero aqueles lugares
com as ruas todas iguais.
perto de casa e nada mais,
longe de outros olhares.

aprendi a adormecer contigo,
ganhei gosto ao teu cheiro.
quem chegou a ti primeiro,
quem te beijou o umbigo?

a primeira vez que te vi,
lá de longe, ser belo avistei.
logo, de fraco, me entreguei
neste obsessão que não previ.

quis este mundo me massacrar,
dar a conhecer essa existência.
juro que vou sem prudência,
se num momento te puder agarrar.

mas quem segurou foste tu,
acorrentaste, e depois abandono.
sentes-te rainha nesse teu trono,
trincas este coração assim cru.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ergue-te!

outrora foste sem igual,
dos teus homens imensa coragem,
já nem pareces portugal,
nem pessoa, nem mensagem.

tanta lição, aprendeste nada,
maus exemplos preenchem a tua história,
nem a fraca força armada
te consegue elevar a glória.

que império outrora teu,
resta agora nos confins do mundo,
nem um amigo te valeu,
maldita hora, atingiste o fundo.

as tuas manhãs de nevoeiro
sempre enfeitaram a tua costa,
e os pescadores do carvoeiro
que não te deixam sem resposta.

em tempos de el-rei eras tu forte,
caíste em desgraça na infame ditadura,
lá fora, teus aliados gritam "morte!"
e enchem-te os bolsos de serradura.

o teu povo não aguenta mais,
os alicerces estão em ruína,
palavras vãs as que aclamais
por salvação ao virar da esquina.

imponente cultura em decaimento,
a tua palavra vale tostão nas outras terras,
este povo em vão sofrimento
está pronto para novas guerras!

ergue-te e desembainha a espada,
grita em memória dos teus avós,
a estrada desde então preparada,
sem medo, avancemos nós!

domingo, 19 de dezembro de 2010

eternamente incompatíveis

porque eu nunca vou ser são o suficiente para te compreender,
sou doido em demasia para te estudar lúcidamente.
jamais serei insano como tu para me acolheres,
no teu estado de ofegante psicose,
esse mundo onde só entra quem tem a chave da perfeita loucura.
o teu medo não é só teu,
às vezes,
é mais meu.

sábado, 18 de dezembro de 2010

amor igual a silêncio

és a mais bela mulher e nunca o saberás.
eu to prometo, de mim nunca ouvirás.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

à espera

- o que estás a fazer aqui sozinho?
- estou à espera.
- à espera de quem?
- da morte.
- ainda é cedo, penso.
- não estamos todos?
- sim, todos morremos.
- a diferença é que a maior parte das pessoas tem coisas a fazer até ela chegar, eu não. então, espero.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

homem

homem.
porque homem é homem
e homem algum deverá ser mais do que homem.
homem nenhum deverá ser menos do que homem.
ser homem é ter a liberdade para ser homem
e nada mais do que isso.
mais do que pessoa,
é estar claramente definido
e ter um significado junto do nome.
dar sentido à obra escrita por alguém,
alguém que é homem,
que só o homem sabe escrever.
apenas o homem pode ler
aquilo que o homem escreveu.
deve haver tantos homens que leiam
quantos aqueles que escrevam,
para que no meio deles
não haja um que fale.
é maior a distância que separa o pensamento da letra,
que aquele que separa o mesmo da palavra.
o mérito do homem é tanto maior,
quanto maior for a distância que percorre.
porque homem é homem
e deve sempre tentar ser melhor homem.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

mais uma que nunca lerás

estonteante mulher,

diz-me de uma vez por todas, por favor explica-me. eu exijo saber porque não fui capaz de resistir àquela força que me assolou, de uma maneira que nada me havia afectado de igual antes. esboça-me um esquema que simplifique a razão porque me senti obrigado a sorrir-te tão estupidamente. é que já dei mil voltas à cabeça, e depois de toda a lógica, matemática e física estarem aplicadas ainda há algo que não está correcto. vinhas tu na minha direcção, nem sei porque razão, não era suposto estares ali. porque te encontravas tu ali, exactamente ali, naquele momento? era para eu me cruzar contigo, era isso? para eu sentir esta força a que apelido de estúpida manipulação que não tem razão de ser? o que significou aquela fracção de segundo em que os músculos que envolvem os meus lábios se desligaram de mim e ganharam vontade própria? porque não foram capazes de permanecer estáticos como lhes ordenava o meu comando? que efeito é esse que tu produzes sobre mim, e de certo sobre todos os outros homens? mas eles são nada comparados com a minha pessoa. eu tenho forças idiotas a dirigirem-me, como um imenso campo espectacular, que me força a sorrir-te desesperadamente. mais do que sinapses, são os impulsos eléctricos que fizeram sorrir também o coração. mais do que este mundo, extasiaste a minha alma para bem longe, como uma overdose de heroína. penso que irás entender melhor o quão extraordinário este acontecimento é, se souberes que odeio sorrir, repugno! ainda assim, por ti, não fui capaz de me conter. jorrou para fora, quando deixaste cair no meu calmo lago essa pérola que é a visão de ti.
se soubesses o que pensei naquele momento, provavelmente expatriavas-te para imensamente longe. mas talvez, só mesmo talvez, ficasses, quiçá gostasses! detenho dentro de mim um desejo imensamente luxurioso, não o nego. a minha vontade animal era roubar-te deste mundo e desonrar-te no outro, aquele para onde arrebataste a minha alma. que terás tu a dizer sobre tudo isto? é quase certo que seja o desejo em ver a minha pessoa envolva numa camisa de força, eu compreendo. mas existe uma ínfima possibilidade, ainda que leve todo o tempo do universo, de sonhares o meu sonho.
senti os teus olhos espremer este órgão que insiste em continuar vivo e a tremer, como se de uma laranja carnuda se tratasse. como se te banqueteasses no sumo que escorre do meu amor, colhido pela fúria do teu sorriso. esses dentes que me trincaram a pele, deixaram esta cicatriz escarnecida de porta escancarada às doenças deste mundo infestado. por aqui entra e prolifera dor, angústia, temor, negação, desejo carnal. na minha memória permanece unicamente a imagem do beijo que não te dei, já não me recordo do momento real. algo belo e simples que distorci e depravei com esta ambição maldita, que abomino. abomino mas é-me essencial à existência, como a carne putrefacta a uma larva de mosca. sem este temível sentimento que me sustem a vitalidade, desço ao mundo dos mortos sem amor. também eu, sem o teu amor, continuo seguro a este mundo pela corda da minha pervertida ilusão que é a tua resposta a sentimentos que nunca recebeste.

sinceramente,
aquele que te deseja louca e anonimamente.

domingo, 12 de dezembro de 2010

queria ser

quis ser astronauta,
quis ser cientista,
quis uma flauta,
ser capa de revista.

quis ser médico,
de título senhor doutor,
brincar com arsénico,
singrar por onde for.

quis uma bonita namorada,
uma alma caridosa,
uma casa abençoada,
longe da vida ruidosa.

quis ser engenheiro,
quis ser economista,
quis muito dinheiro,
quis ser alquimista.

quis ter uma estrela,
quis andar de cometa,
quis uma cozinha amarela
p'ra cozinhar malagueta.

quis estudar a física,
com a matemática brincar,
um pouco de música
também não ocupa lugar.

quis ser poeta,
quis ser pintor,
desenhar uma recta,
brincar ao amor.

quis até ser mendigo,
no meio da rua acordar,
experimentar o perigo
antes de ir trabalhar.

quis ser tanta coisa,
experimentar de tudo,
quis um pássaro que poisa
na secretária de estudo.

ainda não sei o que quero
ou quem desejo ser,
na verdade eu espero
nunca mais crescer.

sábado, 11 de dezembro de 2010

o medo

- tens medo?
- medo de quê?
- qualquer coisa. há algo que te dê medo?
- não sei, creio que não. quando era miúdo tinha medo do escuro, mas hoje acho que já não, até gosto.
- não tens mesmo piada nenhuma, bolas! que aborrecido que és.
- aborrecido, porquê?
- se tivesses medo de alguma coisa, aposto que tinhas uma ou outra história embaraçosa para contar.
- é possível, sim.
- se não tens histórias para contar, és aborrecido.
- tu és horrível, quando queres.
- e tu não tens piada, nem quando queres.
- afinal já sei do que tenho medo.
- o intrépido joão tem medo de quê, então?
- tem medo da malvada bruxa joana.
- como te atreves, maldito?!
- sim, tenho medo que desapareças como que por magia.
- és tão lamechas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

eduardo cabeça de alfinete e inês mãos de coração

existia, uma vez, um estranho rapaz -
não era inteligente, mas era audaz.
chamava-se eduardo cabeça de alfinete -
um pouco peculiar, um pouco diferente.
as temíveis gentes, lá da sua aldeia,
gostavam de fazer troça da sua pequena ideia.
nasceu com o cordão umbilical ao pescoço
e, desde então, a vida não passou do esboço.
condenado a desistir, sem oportunidade de tentar,
nunca provou da doce doçura de ganhar.
vagueava as ruas com as orelhas retraídas,
as gentes não se entretêm com as próprias vidas.
no cerne do peito existe um lago de coragem,
que, de um lado, não se avista a outra margem.
só uma pessoa se dignava a doar-lhe atenção,
de seu nome e beleza: inês mãos de coração.
trazia sempre um laço na cabeça - a rapariga,
trazia sempre ele no bolso uma pequena formiga.
houve algo que geminou - bem no fundo,
era uma semente - do tamanho do mundo.
os olhos de inês, como raízes incrustaram,
aquele coração que as outras não amaram.
amor que é amor - jamais se derrota,
nem desdenhado em terrível chacota.
inês mãos de coração: perfeita, mas com um defeito -
é que, para cantar, não tinha qualquer jeito.
quando estava triste, desanimada e sem cor,
ia eduardo à chuva e colhia-lhe uma flor.
à noite, por vezes, era difícil dormir -
abraçavam-se e perdiam as forças a rir.
no sangue não corre somente biologia,
existe algo que pode muito bem ser magia.
quando feriu a perna a apanhar peixe para o jantar,
ela correu para ele e beijou-o até sarar.
foi então que, numa gélida noite de inverno,
tiveram eduardo e inês de provar o inferno.
primeiro tempestade e depois a terra tremeu -
inês soube no seu coração que eduardo morreu.
não chegou para jantar, como era normal,
atacaram-no como a um selvagem animal.
bernardo cauda de escorpião foi o culpado,
em amor de inês, apaixonada por eduardo.
ferrou-lhe o espigão, encheu-o de veneno,
abandonou-o sem vida, pálido e sereno.
para a bela inês nada disto é claro,
gozar do fruto proibido sai tão caro.
em três semanas apenas, também ela se ceifou -
do fétido sabor da angústia que na sua alma entrou.
é assim que chega ao fim, a trágica história
de que somente dois corações guardam memória.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

não é feliz

tenho um amigo que tem tudo,
não é feliz.
tenho outro amigo que tem nada,
não é feliz.
tenho uma amiga com ilusões,
não é feliz.
tenho-me a mim com um pouco disto e daquilo,
não é feliz.
qual o teu requisito, a tua depravada exigência oh vil felicidade?
eu já te percebi, sei-te de cor.
já enganaste o que tinhas para enganar.
regalas-te com a demanda do homem enquanto
permites que se aproxime infinitesimalmente de ti,
sem nunca te alcançar.
maldita sejas oh desgraçada!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

este mundo

o mundo que me rodeia é um gelado sem sabor.
é frio, húmido e não tem bolacha.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

e se?

e se inventássemos o partir?
inventávamos o sofrer e o destroçar.
e se inventássemos o regressar?
inventávamos o desaprender.

domingo, 5 de dezembro de 2010

entrar por aí

quero amor - esse belo encanto,
a meio da tarde, finais de noite.
tenha graça, faça favor, acoite
este meu órgão em teu quente manto.

não só, para nosso grande espanto,
ela lá cede como mais nenhuma.
cheirosa pelos seus banhos de espuma,
está pronta a fingir que me ama tanto.

cede-me o cerne da tua fruta,
homem paga p'ra não se esforçar,
sentir o sabor que não se refuta!

quando esta copula terminar,
enxuga essa ousada conduta
p'ros outros que a venham desfrutar!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

tanto sono e tanto frio

tanto sono e tanto frio,
chega ao coração um calafrio.
tanto espaço em vazio,
na cama - que lugar sombrio!

vem aqui, chega bem perto,
puxa a manta que estou a descoberto.
usa o teu calor como for mais certo,
na cama - sem ti, um deserto!

leva daqui a podre solidão,
empesta a vasta imensidão.
traz surpresa para um serão,
na cama - entre dedos, a mão!

tudo gélido, austero lá fora,
sair de casa - não é boa hora.
aproveitar o tempo da demora,
na cama - não vás embora!

faz sentido aos miúdos,
para isso nem é preciso estudos.
pela sala jogos absurdos,
na cama - são filmes mudos!

toda a água deste mês,
corre na obra que o homem fez.
a hora é de contar até três,
na cama - e dorme-se de vez.

quando estiver para terminar,
é só querer, poder e voltar.
que uma noite sem luar,
na cama - foi sonhar, sonhar, sonhar!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

conto contado e não cantado

um conto não é um conto se não tiver mais do que um ponto.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

fica a saber

que o coração que te deram era meu,
de mais ninguém, mas meu.
roubaram-mo e regalaram-to,
era meu e agora é teu.
nunca quis que o recebesses assim,
nunca desejei que soubesses a quem pertence.
é teu,
é teu,
é teu.