- precisamos de falar, joana.
- precisamos?
- sim.
- mas tem de ser agora?
- sim.
- é urgente?
- é de vida ou morte!
- conta-me, o que se passa?!
- estou apaixonado por ti. perdidamente.
- ...o quê?!
- encontro-me nesta aflição horrível! tenho-te cravada no coração como uma espinha grossa de bacalhau atravessada na garganta que, por mais que tente, não se move, apenas piora. desespero por ti!
- explica-te.
- não aguento mais esta dor, boca seca que me custa a engolir. alivia-me com um beijo, aspira-me a espinha pelos lábios ou aperta-me as paredes da garganta e perfura-me desta vida para fora.
- não sei o que te dizer...
- tudo menos nada, por favor.
- oh, joão!
- eu amo-te.
- porquê?
- porque és a estrela mais distante e, no entanto, és, no céu, a mais brilhante. a estrela polar quando me perco.és vénus pela manhã, a minha pedra rosetta do amor. és a nebulosa mais linda do universo, que para admirar a tua verdadeira beleza é preciso distar de ti milhões de anos à feroz velocidade da luz que, de perto, tanto te ofuscas criatura, nas tuas saias sem jeito. mas queres saber? adoro a tua falta de senso, a tua imbecilidade, a tua inocência. credo, como eu te amo! amo tudo o que faz de ti um holofote na multidão. sim, captas sempre a minha atenção, que desprender estes olhos daí nem para salvar a própria vida!
- depois falamos sobre isso. até amanhã!
- até amanhã.
terça-feira, 27 de julho de 2010
sábado, 24 de julho de 2010
só para nós
lembras-te daquela noite?
não?
lembras-te daquela tarde?
também não?
e lembras-te da primeira manhã?
eu não acredito em ti,
eu sei que te lembras,
sei que adormeces nessa imagem.
eu guardo em mim, só para nós,
esse momento.
às vezes apetece-me gritá-lo ao mundo,
até dos meus pulmões jorrar sangue,
a pele descarne da minha garganta.
mas não, não o faço.
se algum dia aquela tua fraqueza viesse a público
seria uma condenação ao apredrejamento,
talvez até morresses!
vou guardar a sete chaves,
carregar na minha cova,
esconder depois no inferno.
sonho que nunca devia ter sido sonhado,
em vontade e angústia no teu peito cerrado,
mas que em verdade é a tua mais bela memória.
sobrevivo sabendo que a história mais bonita
foi contigo e acordado,
ainda que o negues,
testemunha alguma exista,
em mim, corre vivo.
o dia em que nos cruzamos,
trocamos olhares,
não falamos, somos estranhos afinal,
porque nada aconteceu.
mas em mim nasce a lembrança
que se reproduz em ti,
e, por um instante,
voltamos àquela manhã, tarde, noite.
é em mim história,
os teus três melhores erros,
que, aos outros, são nada.
segue para braços alheios
comigo no coração.
eu durmo
onde fizemos amor no chão.
não?
lembras-te daquela tarde?
também não?
e lembras-te da primeira manhã?
eu não acredito em ti,
eu sei que te lembras,
sei que adormeces nessa imagem.
eu guardo em mim, só para nós,
esse momento.
às vezes apetece-me gritá-lo ao mundo,
até dos meus pulmões jorrar sangue,
a pele descarne da minha garganta.
mas não, não o faço.
se algum dia aquela tua fraqueza viesse a público
seria uma condenação ao apredrejamento,
talvez até morresses!
vou guardar a sete chaves,
carregar na minha cova,
esconder depois no inferno.
sonho que nunca devia ter sido sonhado,
em vontade e angústia no teu peito cerrado,
mas que em verdade é a tua mais bela memória.
sobrevivo sabendo que a história mais bonita
foi contigo e acordado,
ainda que o negues,
testemunha alguma exista,
em mim, corre vivo.
o dia em que nos cruzamos,
trocamos olhares,
não falamos, somos estranhos afinal,
porque nada aconteceu.
mas em mim nasce a lembrança
que se reproduz em ti,
e, por um instante,
voltamos àquela manhã, tarde, noite.
é em mim história,
os teus três melhores erros,
que, aos outros, são nada.
segue para braços alheios
comigo no coração.
eu durmo
onde fizemos amor no chão.
esquisso de
poema livre
segunda-feira, 19 de julho de 2010
um dia normal
hoje é um dia normal, corriqueiro.
no final da década de oitenta, nada de especial aconteceu.
ou talvez sim, estrearam os simpson e aboliram o muro de berlim.
mas nesta pequena cidade, a vida continuou.
igual, simples, como um rio que permanece imutável.
a passagem do tempo deixa de ter significado.
foi como a chegada de uma encomenda aguardada,
aguçaram a faca e cortaram as amarras,
libertaram a fera no mundo.
ah, desgraçado de quem o fez!
no final da década de oitenta, nada de especial aconteceu.
ou talvez sim, estrearam os simpson e aboliram o muro de berlim.
mas nesta pequena cidade, a vida continuou.
igual, simples, como um rio que permanece imutável.
a passagem do tempo deixa de ter significado.
foi como a chegada de uma encomenda aguardada,
aguçaram a faca e cortaram as amarras,
libertaram a fera no mundo.
ah, desgraçado de quem o fez!
esquisso de
o rapaz de quem o amor não gostou
sábado, 17 de julho de 2010
deixa tudo, foge comigo
- acorda! acorda rápido!
- o que foi? deixa-me dormir.
- anda lá, tens mesmo de acordar, já há pouco tempo!
- pouco tempo para quê? estás mesmo chato!
- tens de vir comigo.
- mas ir onde, não vês que estou de pijama?
- vem comigo até lá em baixo, quero mostrar-te uma coisa.
- e isso não pode esperar por amanhã? estou mesmo cheia de sono.
- não.
- mostra-me.
- aqui está.
- o que é isto?
- é uma nave espacial.
- uma nave espacial?
- sim, uma nave espacial.
- joão, isto é uma caixa de cartão pintada.
- não, joana, é uma nave espacial.
- não acredito que me acordaste para isto!
- mas não vês que estão a preparar o lançamento? já temos pouco tempo. rápido, entra!
- vou entrar mas é de volta para a cama e amanhã vamos ter uma conversa.
- vamos sim e vai ser em marte!
- em marte?
- sim, esta nave vai partir para marte dentro de 10 minutos.
- deixa de sonhar, vamos dormir.
- perguntaram-me quem escolheria se o mundo acabasse amanhã e eu pudesse fugir para marte só pudendo levar uma pessoa. eu fiquei a pensar e decidi prevenir-me. construí uma nave espacial para nós porque não queria comigo nenhum outro alguém num planeta gélido e deserto que não tu.
- então despacha-te a entrar que já só faltam 2 minutos!
- e vamos ter que repovoar o novo mundo.
- idiota.
- o que foi? deixa-me dormir.
- anda lá, tens mesmo de acordar, já há pouco tempo!
- pouco tempo para quê? estás mesmo chato!
- tens de vir comigo.
- mas ir onde, não vês que estou de pijama?
- vem comigo até lá em baixo, quero mostrar-te uma coisa.
- e isso não pode esperar por amanhã? estou mesmo cheia de sono.
- não.
- mostra-me.
- aqui está.
- o que é isto?
- é uma nave espacial.
- uma nave espacial?
- sim, uma nave espacial.
- joão, isto é uma caixa de cartão pintada.
- não, joana, é uma nave espacial.
- não acredito que me acordaste para isto!
- mas não vês que estão a preparar o lançamento? já temos pouco tempo. rápido, entra!
- vou entrar mas é de volta para a cama e amanhã vamos ter uma conversa.
- vamos sim e vai ser em marte!
- em marte?
- sim, esta nave vai partir para marte dentro de 10 minutos.
- deixa de sonhar, vamos dormir.
- perguntaram-me quem escolheria se o mundo acabasse amanhã e eu pudesse fugir para marte só pudendo levar uma pessoa. eu fiquei a pensar e decidi prevenir-me. construí uma nave espacial para nós porque não queria comigo nenhum outro alguém num planeta gélido e deserto que não tu.
- então despacha-te a entrar que já só faltam 2 minutos!
- e vamos ter que repovoar o novo mundo.
- idiota.
esquisso de
joão e joana
quinta-feira, 15 de julho de 2010
ensaio sobre a demência
para determinar a indutância (ou capacidade de induzir) da demência num dado sujeito de estudo elaborei os seguintes passos, que considero fulcrais ao processo. não impossibilita, contudo, a inserção de etapas suplementares.
em primeiro lugar há que dar importância ao historial clínico do sujeito. é estritamente necessário que este se encontre livre de problemas do foro psiquiátrico / psicológico, tanto no presente como no passado. durante o exame de rotina, procurar a existência de tendências (depressivas, obsessivo-compulsivas, suicidas, sociopatas, anti-sociais, fobias, entre outros) que possam adulterar / viciar o processo em estudo. assim que se verifiquem todos os pré-requisitos, o sujeito é doravante considerado uma tábua rasa. uma folha em branco onde se irá escrever as linhas que derrocaram a barreira entre a sanidade e a demência, eliminando todo o contacto humano com o que o sujeito detinha com o mundo real.
o passo seguinte deve ser cuidadosamente estudado para evitar eventuais falhas, descontextualizações, paradoxos e outros problemas. consiste em inventar uma história credível, considerando a experiência de vida do sujeito. para isso é recomendado um conjunto de entrevistas a familiares e amigos mais próximos. esta história será então utilizada na implementação de todo o processo. o objectivo desta situação virtual, que deve prever uma explicação plausível para o facto de o sujeito se encontrar no lugar onde está (internamento psiquiátrico), é o de suscitar a confusão da realidade no cérebro e memória do paciente. ou seja, criar um estado de dúvida tal que, a certa altura, o sujeito perca toda a noção do que é fictício e do que é efectivamente real. é de notar que, os efeitos induzidos pelo estudo podem tornar-se permanentes.
nesta fase do processo dá-se inicio ao estudo, cuidadosamente controlado, esperando-se uma performance artística excepcional por parte de todos os actores e clínicos que entrarem em contacto pessoal com o sujeito.
sendo uma experiência com resultados visíveis unicamente a longo prazo, esta requer dedicação por parte de todos os intervenientes. a última etapa do processo consiste em colher os resultados e estudá-los. tomando como base todas as observações e relatórios parciais realizados ao longo de todo o estudo, é compilada uma dissertação sobre o resultado final e respectivas conclusões a retirar. deve planear-se também o futuro do paciente, considerando a sua, se possível, recuperação ou internamento permanente, devido aos danos induzidos pelo processo ou pelo próprio sujeito em qualquer altura.
proponho um pequeno exemplo prático elucidativo, uma experiência de pensamento que espero que o leitor interiorize colocando-se no lugar do sujeito em causa. suponha-se que se voluntaria neste tipo de estudo / ensaio. a partir do momento que é internado é gerada uma rotina. esta inclui visitas diárias por parte do clínico responsável, uma dosagem de vitaminas e placebos, horas de recreio, entre outras actividades que se considerem relevantes e contextuais. após algum tempo, estando o hábito estabelecido, a atitude das pessoas que lidam com o paciente altera-se sem razão aparente. começam a tratá-lo como louco, demente, insano. o paciente começa a questionar-se a razão de tal mudança, o que poderá ter mudado. com o passar do tempo, a intriga aumenta. nesta fase, a história ficcional começa a revelar-se ao sujeito, é-lhe dado a conhecer a verdade de este se encontrar ali 'preso'. nesta altura a atitude dos intervenientes no processo deve ser cíclica, onde, num dia o paciente é tratado de forma normal e no dia seguinte é tratado como doido, e assim sucessivamente. o objectivo é gerar a dúvida no seu subconsciente até que este não mais consiga distinguir o que ele pensa ser verdade e fantasia. num dia normal, a atitude perante o sujeito será de que este se encontra internado de livre vontade. num outro dia, a atitude perante o sujeito será de que este foi 'condenado' ao internamento devido a um acto atroz por ele praticado. a certa altura, os dias normais diminuirão até se deixarem de praticar. nesta altura é explicado ao paciente que a sua mente inventou a situação do internamento voluntario para não encarar a realidade do acto que cometeu.
imagine-se uma angústia tão grande quando júpiter, o planeta. quando ninguém acredita. mas na verdade, o que, para nós, é real, não passa de verdade reflectida / emitida pelos outros, pela sociedade. considere-se a seguinte situação: todo o ser humano do planeta se reúne para alterar o nome das cores e o leitor é a única pessoa que não foi avisada. passado algo tempo vai a uma loja e pede um metro quadrado de tecido azul e é-lhe entregue um metro quadrado de tecido de cor vermelha e reclama a dizer que pediu azul. toda a gente no mundo lhe diz que aquilo é azul, mas o leitor sabe que é vermelho. é rotulado de doido e, a partir desse momento, nada mais do que diga será levado a sério por alguém. mas tal como no exemplo da mudança das cores, se o mundo inteiro passasse a chamar azul à cor vermelha, esta não mais seria vermelha mas azul. as nossas verdades o são porque nos dizem que o são. se dizemos que não somos dementes.
mas seremos nós realmente capazes de distinguir fantasia de realidade? e se um dia acordamos para descobrir que tudo foi um sonho? ou pior, uma ilusão para ocultar um evento dramático? conseguiremos encarar a realidade? talvez os loucos sejam os únicos verdadeiramente sãos.
segunda-feira, 12 de julho de 2010
o prometido é devido
eu prometo que,
um dia,
vou parar de prometer.
um dia,
eu esqueço-me de esquecer.
um dia,
vou deixar de procurar.
um dia,
vou amar só por amar.
esquisso de
o rapaz de quem o amor não gostou
sábado, 10 de julho de 2010
o rei miserável
as pessoas do novo reino começavam a esquecer as acções do malvado rei. o novo soberano, este eleito pelo amor do povo, após liderar a revolta dos trinta dias, era tudo o que o anterior nunca fora. a preocupação que tinha pelos seus súbditos era lendária, não se limitava ao seu estômago e outros prazeres.
outrora, existia uma imponente estátua do antigo governador no centro da praça maior. recolocada, serve agora de pelourinho para implementar a lei àqueles cujo peito alberga uma rocha ao invés de músculo. uma nova figura será revelada dentro de dias, tomará o seu lugar como marco da cidade e do reino no centro da praça, esculpida no mais belo mármore para imortalizar o bondoso rei. esse visionário inexperiente tem um dom peculiar.
o jovem rei tem o coração no lugar certo, mas a sua mente ainda não está madura. decidira doar o seu dom às gentes do seu reino - queria torná-lo uma utopia, um lugar onde, para os seus súbditos, a mágoa fosse uma temível lenda. assim, todos os dias, o povo apresentava-se diante do seu senhor, carregando pequenos ou grandes sacos para onde haviam previamente espantado as suas misérias pela voz, até restar nos seus pulmões uma só réstia de fôlego. isto porque, este rei, tinha o poder de, no seu coração, aprisionar as tristezas de outrem.
com o passar dos anos, o reino tornou-se um campo verdejante de sorrisos silvestres, onde não se encontrava uma única erva daninha. era, sem dúvida alguma, o pedaço de terra mais feliz que já se vira. toda a gente era feliz. toda a gente, menos o rei, mais infeliz que todos os povos vizinhos. doença encontrou o jovem rei no seu quarto ano de reinado e havia piorado constantemente. este já não saúda as multidões, já nem recorda o calor do sol ou o cheiro das mulheres a lavarem os trapos. a cada novo dia, mais e mais gordos sacos chegam às portas do castelo. as suas barrigas aumentam mais que o consumo de álcool no reino inteiro. as pessoas tornaram-se intolerantes e gritam nos sacos todo o calafrio ou arrepio que sintam. tudo era levado diante do seu rei, até o frango que chegou à mesa cinco minutos mais tarde que o grunhido de fome, com pouco molho. a doença do rei agrava e aflige todos os seus sentidos.
aproxima-se o décimo ano de regência, o desespero atinge o ponto sem retorno. pergunta-se o rei sonhador todas as noites, na sua fútil tentativa de adormecer pela primeira vez desde há muito "mas porque me preocupo eu com esta gente egoísta, mentirosa e depravada?". ao raiar do primeiro dia, ouve-se ecoar por todos os corredores do castelo "chega finalmente o dia em que beijo o sono eterno. abraça-me contra o teu peito, minha amada, com o teu melhor vestido negro".
quarta-feira, 7 de julho de 2010
o pequeno faroleiro
há dezassete anos atrás, um jovem casal fugia para viver do amor. levavam consigo apenas dois sacos de esperança e uma mochila de força. porque fugiam? ninguém suportava vê-los juntos, a namorar ao pé do rio, em frente à igreja ou a dançar no café. após muito correr, saltar, esconder e fazer amor na arrecadação do lavrador, encontraram um farol abandonado. pareceu-lhes muito bem, decidiram viver lá. ela estava grávida e ele era trabalhador. ela deu à luz meses depois.
ao longo dos anos o farol tornou-se um lugar excepcionalmente bonito. era simples, uma casa de sorrisos. ele consertou tudo o que estava partido, substitui tudo o que faltava, até o velho farol rejuvenesceu e tornou a iluminar o oceano. ela cozinhava empadão e chamava os rapazes para jantar.
sete anos passaram desde que decidiram ser uma família ali, naquele farol à beira mar. o pai desapareceu, a mãe desapareceu, o rapaz ficou sozinho. o que aconteceu? ninguém sabe, é uma história para outra altura. trágica, sem dúvida.
o rapaz, a quem as pessoas da vila chamavam 'o pequeno faroleiro', celebra o seu sétimo aniversário hoje. nem se lembrou, desta vez a mamã não vai acordá-lo com um pequeno-almoço delicioso. no ano passado havia panquecas com mel, leite fresco e cereais que foram usados como projécteis numa batalha feroz, o rapaz escondia-se nos lençóis e a mãe atrás da porta. ainda de pijama, correu pelas escadas e tirou as chaves da mão da pai, uma caça ao bandido que terminou com a mãe a ralhar com os dois rapazes por irem para o mar com a roupa vestida! mas este ano, tudo é diferente.
o pequeno faroleiro desbobina a sua rotina diária pela ducentésima trigésima quarta vez. acorda às 6:43 da manhã, desliga o farol e volta para a cama. acorda de novo às 9:37, passa a cara por água e come um pouco do leite e pão fresco que todos os dias lhe deixam à porta entre as 7 e as 8. durante o resto da manhã patrulha as praias, procura conchas extraordinárias para a sua colecção e gaivotas presas no lixo das pessoas da vila. a rondar o meio dia, abriga-se à sombra debaixo das rochas da falésia das mil mortes enquanto espera que um insensato peixe morda o seu isco. são 14:23 e já há almoço a puxar a linha! uma pequena sesta na erva de pasto ali perto e uma corrida pelos campos dos agricultores. com uma alface aqui, uma batata ali e um ovo acolá faz-se uma alimentação equilibrada. à noite, depois de lavar os dentes e reacender o farol, há tempo para ler as aventuras do pai e acrescentar as suas próprias. quem sabe, talvez um dia, a bela madalena oiça contar lá na vila as suas heróicas histórias contra o feroz caranguejo azul ou aquela em que apanhou o peixe de 5 kilos!
às vezes senta-se no degrau da porta de entrada e olha o caminho que leva à vila, lá em baixo. imagina-se a brincar à apanhada, às escondidas, a escutar a professora com os outros meninos da sua idade. pensa no quão mais bonita será a pequena madalena ao perto. sente saudade do beijo da mãe, do abraço do pai, de se esconder no meio deles nas noites em que a tempestade estava mesmo zangada. mas graças ao trabalho do seu pai, o farol voltou ao activo e o comércio na vila nunca esteve melhor. novamente chegam embarcações com mercadorias fantásticas, provindas de todo o mundo. o pequeno faroleiro é o único a quem o seu pai ensinou a manobrar os complicados mecanismos que fazem aquela luz iluminar o mar. um pequeno génio condenado pela necessidade das gentes.
o rapaz, a quem as pessoas da vila chamavam 'o pequeno faroleiro', celebra o seu sétimo aniversário hoje. nem se lembrou, desta vez a mamã não vai acordá-lo com um pequeno-almoço delicioso. no ano passado havia panquecas com mel, leite fresco e cereais que foram usados como projécteis numa batalha feroz, o rapaz escondia-se nos lençóis e a mãe atrás da porta. ainda de pijama, correu pelas escadas e tirou as chaves da mão da pai, uma caça ao bandido que terminou com a mãe a ralhar com os dois rapazes por irem para o mar com a roupa vestida! mas este ano, tudo é diferente.
o pequeno faroleiro desbobina a sua rotina diária pela ducentésima trigésima quarta vez. acorda às 6:43 da manhã, desliga o farol e volta para a cama. acorda de novo às 9:37, passa a cara por água e come um pouco do leite e pão fresco que todos os dias lhe deixam à porta entre as 7 e as 8. durante o resto da manhã patrulha as praias, procura conchas extraordinárias para a sua colecção e gaivotas presas no lixo das pessoas da vila. a rondar o meio dia, abriga-se à sombra debaixo das rochas da falésia das mil mortes enquanto espera que um insensato peixe morda o seu isco. são 14:23 e já há almoço a puxar a linha! uma pequena sesta na erva de pasto ali perto e uma corrida pelos campos dos agricultores. com uma alface aqui, uma batata ali e um ovo acolá faz-se uma alimentação equilibrada. à noite, depois de lavar os dentes e reacender o farol, há tempo para ler as aventuras do pai e acrescentar as suas próprias. quem sabe, talvez um dia, a bela madalena oiça contar lá na vila as suas heróicas histórias contra o feroz caranguejo azul ou aquela em que apanhou o peixe de 5 kilos!
às vezes senta-se no degrau da porta de entrada e olha o caminho que leva à vila, lá em baixo. imagina-se a brincar à apanhada, às escondidas, a escutar a professora com os outros meninos da sua idade. pensa no quão mais bonita será a pequena madalena ao perto. sente saudade do beijo da mãe, do abraço do pai, de se esconder no meio deles nas noites em que a tempestade estava mesmo zangada. mas graças ao trabalho do seu pai, o farol voltou ao activo e o comércio na vila nunca esteve melhor. novamente chegam embarcações com mercadorias fantásticas, provindas de todo o mundo. o pequeno faroleiro é o único a quem o seu pai ensinou a manobrar os complicados mecanismos que fazem aquela luz iluminar o mar. um pequeno génio condenado pela necessidade das gentes.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
a carta que nunca te enviarei
querido meu amor,
mulher que sempre amarei,
mulher que sempre amarei,
escrevo-te esta carta em pleno desespero. gostava que as circunstâncias fossem outras, que a física se invertesse, que o tempo recuasse, que o espaço encolhesse, a distância entre nós fosse nula e o tempo infinito. mas não. é verão e o calor que nos assola é abrasador, não se pode deambular pela cidade nas horas em que mais me sinto de ressaca. aquele bichinho que morde este meu coração, a vontade de percorrer todos os 507 quilómetros quadrados das nossas 34 freguesias na fútil esperança que te apeteça um gelado. afastas-te da tua casa de morada desconhecida e eu posso apaziguar esta aflição, tormento infernal, ao observar-te, bela criatura, enquanto sacias a tua sede. como eu gostava de me aproximar de ti, olhar-te esses oásis de lágrimas e ler a mensagem que cravaram no teu peito. como eu gostava que essa fosse 'não há mais barreiras, a bandeira é branca e o sinal verde. estou aqui, ouve-me acelerar e leva-me ao limite. sim, dessa maneira'. o beijo que te dou é uma singularidade de gravidade infinita, o horizonte de acontecimentos que nos abraça e protege do universo exterior. aqui só existe amor, lábios e língua. ressoam em sincronia enquanto a força entre nós esmaga e os nossos corações se fundem num só. a conservação do momento que nos acelera à medida que nos colapsamos. daqui, nem a luz consegue escapar!
gosto de imaginar que somos um átomo de hidrogénio, tu és o protão e eu o electrão. somos estáveis, somos auto-suficientes, somos sozinhos e atraí-mo-nos mutuamente sem, alguma vez, nos podermos verdadeiramente tocar. aqueles míseros picometros que nos separam são mais um pesadelo de raio superior ao do universo. mas para o lixo com todas as teorias, quero sentir a repulsão da matéria que compõe o teu corpo de vénus contra mim, a fricção que nos eleva ao ponto de fusão do tungsténio! mas se apenas passar de carro pela padaria nova, espreitar e conseguir te reconhecer, por entre os vultos ensurdecedores, no teu melhor vestido, aquele que tu adoras, eu sou um homem feliz. chego a casa, estaciono o automóvel na garagem e corro para a cama onde me deito a fitar o tecto e a sonhar que te trauteio uma balada. sim, o resultado é inevitável, um sorriso capaz de transformar um ser humano em mil gotas de mercúrio. daquelas que as outras tentam agarrar, mas nem com as unhas!
queria que tudo fosse simples, mas nem esta carta que jamais te chegará às mãos o é. se fosses um botão de inspiração, o meu, eras um bem encravado que nem com o alicate volta ao lugar. que posso eu fazer? condenas-me por libertar de mim todo o português que jorra da fonte que originaste? eu te digo, não te absolvo inteiramente. quem sabe se, no universo complexo, o teu alter ego saltou do eixo real para o eixo imaginário, tocou-me de leve (como que a medo) e regressou ao lugar, como se nada fosse. e eu que pensava ter-me apaixonado por ti. perdidamente!
deves tomar-me por rude. quem escreve cartas de amor sem elevar o destinatário ao trono dos deuses? tu és a criatura mais bela que esta besta já capturou com o olhar. tu és a doçura que leva à diabetes em microssegundos. tu és a suavidade que anula o atrito, cessando o consumo constante de energia. tu és o melhor amor a que este pobre coração foi dado de provar. tu és o meu universo, sejas rainha ou transeunte. sim, mas o que importa o que tu és? em tua casa foram colados espelhos na casa de banho, à tua porta depositadas flores de falsos romeos. estas palavras que te dizem nas cartas de amor, que tomas como certas, que outros reconhecem tão prontamente, não te trazem nada de novo, nada de espectacular. mas eu, de certo, tas direi. então, quem escreve cartas de amor sem a promessa de amor eterno, sem a referência à beleza sem igual? eu cá não, não sou desses. gosto das minhas cartas de amor à maneira tradicional.
diz que me amas, responde que me odeias. tão ténue é a linha que separa estes sentimentos conjugados que eu não me importo. somente te peço, não me ignores.
gosto de imaginar que somos um átomo de hidrogénio, tu és o protão e eu o electrão. somos estáveis, somos auto-suficientes, somos sozinhos e atraí-mo-nos mutuamente sem, alguma vez, nos podermos verdadeiramente tocar. aqueles míseros picometros que nos separam são mais um pesadelo de raio superior ao do universo. mas para o lixo com todas as teorias, quero sentir a repulsão da matéria que compõe o teu corpo de vénus contra mim, a fricção que nos eleva ao ponto de fusão do tungsténio! mas se apenas passar de carro pela padaria nova, espreitar e conseguir te reconhecer, por entre os vultos ensurdecedores, no teu melhor vestido, aquele que tu adoras, eu sou um homem feliz. chego a casa, estaciono o automóvel na garagem e corro para a cama onde me deito a fitar o tecto e a sonhar que te trauteio uma balada. sim, o resultado é inevitável, um sorriso capaz de transformar um ser humano em mil gotas de mercúrio. daquelas que as outras tentam agarrar, mas nem com as unhas!
queria que tudo fosse simples, mas nem esta carta que jamais te chegará às mãos o é. se fosses um botão de inspiração, o meu, eras um bem encravado que nem com o alicate volta ao lugar. que posso eu fazer? condenas-me por libertar de mim todo o português que jorra da fonte que originaste? eu te digo, não te absolvo inteiramente. quem sabe se, no universo complexo, o teu alter ego saltou do eixo real para o eixo imaginário, tocou-me de leve (como que a medo) e regressou ao lugar, como se nada fosse. e eu que pensava ter-me apaixonado por ti. perdidamente!
deves tomar-me por rude. quem escreve cartas de amor sem elevar o destinatário ao trono dos deuses? tu és a criatura mais bela que esta besta já capturou com o olhar. tu és a doçura que leva à diabetes em microssegundos. tu és a suavidade que anula o atrito, cessando o consumo constante de energia. tu és o melhor amor a que este pobre coração foi dado de provar. tu és o meu universo, sejas rainha ou transeunte. sim, mas o que importa o que tu és? em tua casa foram colados espelhos na casa de banho, à tua porta depositadas flores de falsos romeos. estas palavras que te dizem nas cartas de amor, que tomas como certas, que outros reconhecem tão prontamente, não te trazem nada de novo, nada de espectacular. mas eu, de certo, tas direi. então, quem escreve cartas de amor sem a promessa de amor eterno, sem a referência à beleza sem igual? eu cá não, não sou desses. gosto das minhas cartas de amor à maneira tradicional.
diz que me amas, responde que me odeias. tão ténue é a linha que separa estes sentimentos conjugados que eu não me importo. somente te peço, não me ignores.
sinceramente teu,
o rapaz que nunca te conheceu.
esquisso de
cartas a ninguém
quinta-feira, 1 de julho de 2010
o gordo
há um homem na minha rua a quem a gentinha decidiu chamar de gordo. é um senhor antipático e carrancudo, as suas trombas são grandes e conhecidas, dizem eles. este sujeito tem a maior, melhor e mais bem recheada casa cá da terra. o seu interior é repleto dos mais bonitos móveis feitos à mão com o maior detalhe nas mais diversas regiões do globo. as paredes foram deixadas ao encargo dos mais reconhecidos pintores, escultores, todo o tipo de artista. tem quadros lindíssimos, bustos reais, os mais belos espelhos.
fugindo aos ouvidos da gente do meu bairro, vou contar-vos a história do gordo. antónio josé marques e boa vila é um homem infeliz e não sabe porquê. nascido em berços de cetim, babou-se à noite em almofadas de seda e amamentou-se dos seios mais gordos que conseguiram encontrar. mas este desajeitado sujeito, a quem o termo fome significa duas horas após o almoço e seis antes do jantar, nunca teve de procurar na ementa daquele bom restaurante que tanto falam o prato mais económico ou reclamar com o garçon da requintada pastelaria da esquina por ter trazido um eclair recesso ao invés daquele apetitoso que chamava da montra. aquele lugar onde a tia vai tomar o chá da tarde com a fiel esposa da sua companhia nocturna, ouvindo-a lamentar-se que o seu homem já não cumpre os seus deveres conjugais. todas as noites antónio adormece a pensar:
"mandei elevar nesta terra a maior casa que consegui imaginar, um lugar para trazer toda a gente desde o sr. serafim da pequena loja de ferragens à sra. margarida cujos dias são passados à varanda julgando a vestimenta das pessoas que vê. todos os dias peço ao meu chef para cozinhar três vezes o necessário, não vá alguém querer visitar-me de surpresa e com aquela larica! mas ninguém aparece e eu dou por mim a comer por dois. guardo na garagem os mais espaçosos, confortáveis e modernos automóveis porque um dia vou levar o bairro a passear àquele bonito lago onde o meu pai me deixava ao cuidado da ama quando a mamã estava de férias com as amigas. as minhas roupas feitas por encomenda aos melhores alfaiates para que se orgulhem de mim quando me vêem passear diante das suas portas. como pode esta gente desdenhar-me? são loucos, é a única explicação!"
o homem gordo, a quem nunca faltou o papel higiénico nas horas mais críticas, nem percebe ao certo o que é o negócio milionário que herdou do seu falecido pai, mas acha que tem algo a ver com comboios. nem se preocupa, os homens do fato e gravata escolhidos a dedo sabem como o hão-de gerir e contribuir-lhe a sua merecida porção. criado pelas mãos calejadas da mãe do rapaz irrequieto, que morava na rua debaixo antes de ir estudar para engenheiro noutra cidade, antónio não percebe aquele sentimento picado no coração. é o vazio da solidão onde um amigo é a única solução. sim, um amigo foi o que sempre lhe faltou e o dinheiro do pai nunca pôde comprar (ou sequer quis, porque nem reparou que o rapaz precisava). mas como fazê-lo chegar, como cativá-lo? não entende como os outros conseguem, como ninguém quer brincar com ele que tem os melhores brinquedos! ah! ele nunca os convidou. habituado a ver o seu pai receber as visitas bajuladoras daqueles homens e mulheres sempre alegres pelos bens que possuía, por os poderem saborear. pensou que a gente do bairro iria, de maneira semelhante, também gostar que ele tivesse boas coisas. um dia iriam aparecer à sua porta saudando a sua bela fatiota, os aperitivos que a maria fez e a nova mesa de bilhar. tal nunca aconteceu porque, para a gentinha do bairro, este homem não era nada mais que um rico herdado que nada mais sabia fazer além de mostrar aos outros o que ele tinha a mais e eles de menos.
"olhem-me só para ele! tão gordo das refeições triplas daquele chef que mal cabe nas calças feitas por medida! e o tamanho daquela casa que dava para albergar todo o povinho deste nosso pequeno bairro? aposto que o desgraçado descobre um compartimento novo todos os meses! aquelas mobílias em madeira de cerejeira que dizem terem vindo da índia. cá também se fazem boas gavetas para guardar os trousses e as meias! e nem sabe desenrascar-se sozinho com tanto empregado para caminhar por ele, se assim for preciso."
são as palavras do povo, na sua humilde inveja da avareza do gordo, a quem nunca ninguém deu a escolher ser rico ou pobre. nunca foram à sua porta pedir farinha, supuseram de logo que tal lhes seria negado. nunca pediram ao gordo para ser seu amigo porque o seu pai nunca deu gorjeta quando ia tomar o café e ler o jornal na taverna do sr. alberto.
(são estes os problemas daquele pequeno mundo que é o meu bairro e resumem-se a saber dar o braço a torcer e à falta de comunicação, boa comunicação!)
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