quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

o rapaz que adorava espreitar

 
que rapaz mais traquina, aquele que mora no quinto andar,
ninguém o ouve, ninguém o vê, mas ele está lá a espreitar.
sozinho nos arrumos do prédio, sem pai, sem mãe, sem avô,
uma vez, a meio da tarde, a porteira a sua história contou.
no início da construção, a mãe era advogada e o pai engenheiro,
a criança ia com os trabalhadores imaginar um recreio.
a esconder, a espreitar, o rapaz quis um pássaro apanhar,
e lá bem no alto, numa viga se começou a empoleirar.
aquela imagem dramática, chegou aos olhos do chefe pedreiro,
instalou-se o pânico e todos gritaram "não é o filho do engenheiro?"
num vozeirão muito imponente, ouviu-se "sai já daí, bernardino!"
mas aquele som estridente fez tremer o menino.
o pai chamou, a mãe desmaiou, o menino chorou, o pássaro voou,
do bolso, a porteira um lenço tirou e o seu nariz assoou.
empolgados, os inquilinos inclinaram-se para ouvir,
então a porteira disse "ele está aqui e está a sorrir!"
muitos foram os que subiram para tentar acudir o rapaz,
mas verdade seja dita que já não há homem audaz.
despe o pai o fato, pega no capacete, faz-se ao terreno,
entra na brincadeira e diz "vem soldado, eu te ordeno!"
o senhor do terceiro direito interrompe "foi só o que aconteceu?",
a porteira reclama "tenha calma, é óbvio que alguém morreu!"
o menino nos braços, sorrisos nas caras, a viga era insegura, o pai cai,
a mãe, de esgotante desgosto, é internada e nunca mais sai.
esta é a triste história do rapaz que adorava espreitar lugares,
ele costuma dizer "podem mentir e enganar, mas nunca com olhares!"
os curiosos ouvintes inquiriram "mas não mencionou a sua avó!"
e a simpática porteira retorquiu "também nunca disse que estava só."