domingo, 11 de março de 2012

o monólogo de um homem invisível

a cada dia, os caminhos repetem-se e eu já os sei de cor. memorizei as diferentes caras que desviam o olhar sempre que cruzam o meu percurso. sou um passageiro que não ocupa lugar ou paga bilhete, apenas viaja por viajar, porque nada mais o faz sentir parte do mundo onde se insere. a rotina, repetição e falta de aleatoriedade cansam-me. começo a sentir repulsa pelo único elo de ligação que desespero para me integrar neste frágil ecossistema. desisto de tentar, coloco um ponto final, adiado em demasia, num paragrafo que se prolongou muito para lá das margens do papel. sou um homem invisível a quem foi negada a morte; por todos os crimes praticados condenaram-me a uma existência apática. apego-me exageradamente a tudo o que tem um fim prematuro, ansioso por descobrir o sabor da ausência de dor. mas a minha dor é platónica e não há nada que a apazigue, só o cessar do pensamento. um fim abrupto, pela qual sempre esperei. viajei por todas as linhas e saí em todas as estações, dormi sobre os trilhos em noites sem luz luar. não há nada que me carregue para longe deste lugar, o cerne de toda a minha fraqueza enquanto homem, porque, em toda a verdade, eu não quero sair. miserável, eu quero ficar.