eu, que tudo sei sobre nada
e que nada sei sobre coisa alguma,
posso intuir, certamente,
e induzir o desatento em erro,
que tudo sei sobre coisa alguma.
eu domino os dois eixos eternos,
ambos ortogonais entre si,
o de todas as coisas que são
e aquele de todas as coisas que sei.
sou o vértice de uma curva,
suave e delicada, uma recta até,
se a olhasse suficientemente perto.
eu sou a ideia derivada da ideia,
sou ambas a original e a divergente,
como um grande rio e o seu afluente.
oh! grandiosa sapiência, perdoa-me!
tomei-te como certa, sem certezas,
estampei-te na alma, sem permissão.
só eu não tenho alma,
porque sou a própria
e o que possuo é este corpo,
flácido e efémero,
que ao mínimo contacto
já acusa dor.
dor... que coisa horrível!
certamente, a pior ideia de sempre!
as leis da natureza estão cegas,
que não sentem a força desse campo,
que tudo seduz e tudo devora,
tudo se verga à sua vontade.
já sei sentir, aprendi.
fui ambos professor e aluno.
mas do nada jorra somente nada,
então tudo o que sei e adquiri
é apenas uma lembrança
que nunca vivi,
oculta, entre as páginas de mim.
eu, que tudo sei sobre nada
e que nada sei sobre coisa alguma,
posso deduzir, certamente,
que todo o saber é vão,
inútil e colapsado em si mesmo.
o meu saber é nada,
que surgiu de uma ideia vazia
e há-de regressar a nada,
sem ter tido a mínima hipótese
de se tornar coisa alguma.