não foi, de todo, coincidência alguma. nasceram no mesmo dia e no mesmo hospital porque helena e beatriz sempre o desejaram, desde a promessa que fizeram quando tinham treze anos. "um dia iremos encontrar aquele rapaz especial e faremos amor na mesma noite, durante a lua cheia. nove meses depois estaremos a segurar mutuamente as nossas mãos, com a força de duas mães. os nossos filhos, ambos rapazes, irão ser mais do que irmãos. serão inseparáveis, como a terra e a lua." assim se passou, o momento idêntico ao sonho de criança. rui e lucas nasceram com apenas cinco minutos de diferença um do outro, sem suspeitar que a ligação entre eles seria, um dia, de carne e sangue. contra todas as encrencas de lucas e emoções de rui, os rapazes sempre foram o mais próximo humanamente possível. no seu décimo terceiro aniversário, os dois acordaram bem cedo. a promessa de uma celebração inesquecível era demais para manter as suas mentes em estado hibernativo. enquanto helena e beatriz se perdiam nas tarefas da cozinha, os rapazes foram brincar para o pinhal atrás da casa. ao ouvirem os seus nomes ecoar pelas árvores, o lucas pediu ao rui para fazerem uma promessa vitalícia. "não importa as pedras que nos atirem para o caminho, juntos iremos sempre arranjar maneira de as remover. não importa as pessoas que se interponham entre nós, jamais nos conseguirão dissolver." talvez por ter ansiado o manjar que o esperava a semana toda, rui nunca se apercebeu do verdadeiro significado daquele pacto. dois anos depois, lucas apaixonou-se por inês. a rapariga de pele cor-de-neve, cabelo negro como a noite e olhos fundo de lago a quem se entregou cegamente. daí em diante, os três tornaram-se um grupo. faziam tudo em conjunto, como um só. terminado o secundário, era altura de partir para a universidade. o plano consistia em ir para a mesma cidade e partilhar um só apartamento. lucas foi estudar física para a faculdade de ciências da universidade do porto, mas o rui e a inês ficaram colocados na universidade de coimbra. quando confrontados, admitiram nunca ter amado outra pessoa que não ambos - mutuamente. inês conheceu o rui antes do lucas e apesar de sempre estarem cientes do sentimento que nutriam um pelo outro, rui nunca conseguiu agir. foi neste contexto que inês encontrou um porto seguro em lucas. no entanto, durante o verão do seu décimo oitavo aniversário, a tensão tornou-se insuportável. combinaram não agir até partirem para cidades diferentes, pensando que a distância facilitaria a separação para lucas. a verdade é que, os três, nunca mais se falaram. inês e rui construíram a sua vida, desistindo completamente de incluir lucas, que se tornou um proeminente solitário. nada mudou nos vinte anos que se seguiram, apenas os ponteiros do relógio concluíram ciclo após ciclo. numa chuvosa noite de verão, surge à porta de lucas uma inês envelhecida de roupas ensopadas. enquanto acumulavam níveis de álcool elevados a percorrer nas veias, lembravam-se do tempo em que namoraram. fugindo de um marido abusador, inês reencontra refúgio em lucas. nessa noite fizeram amor, como se fossem de novo adolescentes. lucas acorda, de manhã, ao som das lágrima de inês. "o rui está doente. precisa urgentemente de um transplante de rins ou morre. está há um ano a fazer diálise por máquinas, mas já não é suficiente. vocês partilham o mesmo grupo sanguíneo e pensámos que poderias doar um dos teus. ele não abusa de mim, seria incapaz! também está ciente das condições em que me ofereci a ti, por isso não tens de sentir remorsos. a lista de espera é enorme e não temos mais ninguém..." admitiu, sem conseguir erguer a cabeça. sentindo-se usado, traído e novamente enganado, lucas só conseguiu proferir "vai-te embora imediatamente e jamais ousem aproximar-se de mim, doravante". passaram-se semanas e nada parecia aliviar a angústia crescente no seu coração. dirigiu-se a coimbra, onde os médicos confirmaram que satisfazia todas as compatibilidades para um transplante com rui. antes de entrarem na sala de operações, os dois rapazes - agora homens - olham-se. deitados nas suas macas, sentindo a anestesia a surtir efeito, rui estende a mão. lucas hesita, mas agarra-a. rui quebra um silêncio de vinte anos, dizendo "sabes que faria o mesmo por ti". lucas sorri e responde, antes de perderem os sentidos, "não, não sei".