tenho o silêncio como ruído de fundo,
um cão a ladrar algures distante
e alguém a deambular pela rua lá de baixo.
oiço os sapatos de uma mulher segura de si,
sozinha à meia noite num deserto nocturno
que nada mais tem para dar do que chuva,
chuva essa que ainda está por vir.
no meio de tanta calma, a sua falta —
quem sabe mesmo, o seu excesso —
carrega aos ombros mensagens esquecidas
no preciso instante seguinte à sua criação,
são as palavras que ficam na garganta
presas, como as espinhas do peixe do jantar —
um lembrete para ter mais calma a comer.
uma porta abre-se e quem vem lá?
eu sei, se a experiência não me engana,
pelo ranger da água entre os canos da casa.
são as rotinas do homem que vive ali ao lado,
que eu aprendi a conhecer contra a vontade
e me fazem falta de cada vez que não está.
oh! mas ele nunca vem — apenas anda por lá.
falta-me pensar, sim. criar algum tipo de ideia
é o que alguém faz, quando está na cama.
pensa no dia que passou e no que está para vir,
mas esquece-se de pensar no momento em si,
porque o desperdiçou a pensar fora do tempo.
e é neste vai e vem de coisas incorpóreas
que uma vez mais nos entregamos aos sonhos.