terça-feira, 13 de setembro de 2011

o meu pássaro tinha um nome

uma vez apanhei um pequeno pássaro, estava caído no chão. ao pegar-lhe, dei-lhe um nome e foi meu desde então. não voava, não comia, mal respirava e pouco chiava. nunca soube de que espécie se tratava, nem tive a mínima curiosidade. para mim, era apenas um pequeno pássaro, com penas e bico e o nome que eu lhe dei. ele nunca respondeu ao belo nome que eu lhe dei, mas desde o primeiro dia que foi assim que o chamei. escovei as sebosas penas negras até ficarem suaves como o pêlo dos mamíferos. insisti comida naquele reduzido bico cor-de-laranja. dei-lhe o carinho que me ensinaram e o que eu pensava ser amor. mas o pássaro que eu apanhei do chão nunca respondeu ao nome que eu lhe dei. cuidei dele durante dias e noites, fins-de-semana sem dormir. escutava-o recuperar, enquanto o deslumbrava na gaiola onde o fechei. partia-me o coração vê-lo assim, enclausurado. seria o melhor para ele, eu pensei. se o soltasse fugiria, certamente, tentaria voar e caía no chão. dei-lhe todo o meu amor incondicional, tudo quilo que sei tratar-se do meu bom coração. mas este pássaro que eu colhi do ninho de morte a que apelidam de chão nunca respondeu ao nome que eu lhe dei. tão bonito que era, esse nome que eu lhe arranjei. os meus esforços compensaram, sem desistir um dia ou uma hora. peguei-lhe gentilmente com uma única mão e ouvi-o chiar alegremente. que bem que ele cantava, sem eu pedir ou mandar - não faria diferença ordenar, pois nunca respondeu ao nome que eu lhe dei. no meu maior acto de masoquismo, carreguei-o na minha mão até ao lugar onde o encontrei. sentei-me e abri a minha mão bem junto daquele descuidado chão. o pássaro de penas negras e bico laranja, de quem tão bem cuidei, levantou voo de uma só vez, sem hesitar ou olhar atrás. desde esse dia que eu volto ao lugar onde o achei. ali, sento-me no chão e espero, recordando o pássaro que vislumbrei quase morto no meio do chão. o pássaro que eu salvei, mas que nunca respondeu ao nome que eu lhe dei. uma vez gritei esse nome, o belo nome que eu lhe arranjei. pensei tê-lo visto ao longe, de relance. era uma pomba que veio mendigar alguma coisa - já nem sei. continuei a fitar o céu, à procura do pássaro por quem chamei. mas o pássaro que tanto amei nunca respondeu ao nome que eu lhe dei.