tens olhos, como todas as outras,
castanhos, envolventes e esbugalhados.
sei que os usas como as outras
e que choras com eles fechados.
penso usurpá-los enquanto respiras
para espantar de vez as minhas iras.
tens lábios, como todas as outras,
carnudos, apetecíveis e solitários.
sei que os usas como as outras
e que os guardas em sete armários.
quero conquistá-los todos os dias
e ouvir as histórias que deles dirias.
tens mãos, como todas as outras,
suaves, delicadas e pequenas.
sei que as usas como as outras
e que acreditas serem de penas.
vou acorrentá-las ao meu peito,
a liberdade já não lhes é por direito.
tens cabelo, como todas as outras,
liso, escuro e bom de cheiro.
sei que o usas como as outras
e que enfeitiças o feiticeiro.
a mecha que guardo leva-me à demência
e o coração suplica por clemência.
tens noites, como todas as outras,
gélidas, negras e assombradas.
sei que as usas como as outras
e que acordas em vestes rasgadas.
desses cortes, sou o único culpado
de empunhar o punhal dourado.
procurei, sem descanso, de monte em vale,
para te encontrar na madrugada
e ainda que, em tudo, sejas igual,
eu não te trocava por nada.
assim como são diferentes todas as mães,
igual é apenas o nome das coisas que tens.