para determinar a indutância (ou capacidade de induzir) da demência num dado sujeito de estudo elaborei os seguintes passos, que considero fulcrais ao processo. não impossibilita, contudo, a inserção de etapas suplementares.
em primeiro lugar há que dar importância ao historial clínico do sujeito. é estritamente necessário que este se encontre livre de problemas do foro psiquiátrico / psicológico, tanto no presente como no passado. durante o exame de rotina, procurar a existência de tendências (depressivas, obsessivo-compulsivas, suicidas, sociopatas, anti-sociais, fobias, entre outros) que possam adulterar / viciar o processo em estudo. assim que se verifiquem todos os pré-requisitos, o sujeito é doravante considerado uma tábua rasa. uma folha em branco onde se irá escrever as linhas que derrocaram a barreira entre a sanidade e a demência, eliminando todo o contacto humano com o que o sujeito detinha com o mundo real.
o passo seguinte deve ser cuidadosamente estudado para evitar eventuais falhas, descontextualizações, paradoxos e outros problemas. consiste em inventar uma história credível, considerando a experiência de vida do sujeito. para isso é recomendado um conjunto de entrevistas a familiares e amigos mais próximos. esta história será então utilizada na implementação de todo o processo. o objectivo desta situação virtual, que deve prever uma explicação plausível para o facto de o sujeito se encontrar no lugar onde está (internamento psiquiátrico), é o de suscitar a confusão da realidade no cérebro e memória do paciente. ou seja, criar um estado de dúvida tal que, a certa altura, o sujeito perca toda a noção do que é fictício e do que é efectivamente real. é de notar que, os efeitos induzidos pelo estudo podem tornar-se permanentes.
nesta fase do processo dá-se inicio ao estudo, cuidadosamente controlado, esperando-se uma performance artística excepcional por parte de todos os actores e clínicos que entrarem em contacto pessoal com o sujeito.
sendo uma experiência com resultados visíveis unicamente a longo prazo, esta requer dedicação por parte de todos os intervenientes. a última etapa do processo consiste em colher os resultados e estudá-los. tomando como base todas as observações e relatórios parciais realizados ao longo de todo o estudo, é compilada uma dissertação sobre o resultado final e respectivas conclusões a retirar. deve planear-se também o futuro do paciente, considerando a sua, se possível, recuperação ou internamento permanente, devido aos danos induzidos pelo processo ou pelo próprio sujeito em qualquer altura.
proponho um pequeno exemplo prático elucidativo, uma experiência de pensamento que espero que o leitor interiorize colocando-se no lugar do sujeito em causa. suponha-se que se voluntaria neste tipo de estudo / ensaio. a partir do momento que é internado é gerada uma rotina. esta inclui visitas diárias por parte do clínico responsável, uma dosagem de vitaminas e placebos, horas de recreio, entre outras actividades que se considerem relevantes e contextuais. após algum tempo, estando o hábito estabelecido, a atitude das pessoas que lidam com o paciente altera-se sem razão aparente. começam a tratá-lo como louco, demente, insano. o paciente começa a questionar-se a razão de tal mudança, o que poderá ter mudado. com o passar do tempo, a intriga aumenta. nesta fase, a história ficcional começa a revelar-se ao sujeito, é-lhe dado a conhecer a verdade de este se encontrar ali 'preso'. nesta altura a atitude dos intervenientes no processo deve ser cíclica, onde, num dia o paciente é tratado de forma normal e no dia seguinte é tratado como doido, e assim sucessivamente. o objectivo é gerar a dúvida no seu subconsciente até que este não mais consiga distinguir o que ele pensa ser verdade e fantasia. num dia normal, a atitude perante o sujeito será de que este se encontra internado de livre vontade. num outro dia, a atitude perante o sujeito será de que este foi 'condenado' ao internamento devido a um acto atroz por ele praticado. a certa altura, os dias normais diminuirão até se deixarem de praticar. nesta altura é explicado ao paciente que a sua mente inventou a situação do internamento voluntario para não encarar a realidade do acto que cometeu.
imagine-se uma angústia tão grande quando júpiter, o planeta. quando ninguém acredita. mas na verdade, o que, para nós, é real, não passa de verdade reflectida / emitida pelos outros, pela sociedade. considere-se a seguinte situação: todo o ser humano do planeta se reúne para alterar o nome das cores e o leitor é a única pessoa que não foi avisada. passado algo tempo vai a uma loja e pede um metro quadrado de tecido azul e é-lhe entregue um metro quadrado de tecido de cor vermelha e reclama a dizer que pediu azul. toda a gente no mundo lhe diz que aquilo é azul, mas o leitor sabe que é vermelho. é rotulado de doido e, a partir desse momento, nada mais do que diga será levado a sério por alguém. mas tal como no exemplo da mudança das cores, se o mundo inteiro passasse a chamar azul à cor vermelha, esta não mais seria vermelha mas azul. as nossas verdades o são porque nos dizem que o são. se dizemos que não somos dementes.
mas seremos nós realmente capazes de distinguir fantasia de realidade? e se um dia acordamos para descobrir que tudo foi um sonho? ou pior, uma ilusão para ocultar um evento dramático? conseguiremos encarar a realidade? talvez os loucos sejam os únicos verdadeiramente sãos.