sábado, 10 de julho de 2010

o rei miserável


as pessoas do novo reino começavam a esquecer as acções do malvado rei. o novo soberano, este eleito pelo amor do povo, após liderar a revolta dos trinta dias, era tudo o que o anterior nunca fora. a preocupação que tinha pelos seus súbditos era lendária, não se limitava ao seu estômago e outros prazeres.
outrora, existia uma imponente estátua do antigo governador no centro da praça maior. recolocada, serve agora de pelourinho para implementar a lei àqueles cujo peito alberga uma rocha ao invés de músculo. uma nova figura será revelada dentro de dias, tomará o seu lugar como marco da cidade e do reino no centro da praça, esculpida no mais belo mármore para imortalizar o bondoso rei. esse visionário inexperiente tem um dom peculiar.
o jovem rei tem o coração no lugar certo, mas a sua mente ainda não está madura. decidira doar o seu dom às gentes do seu reino - queria torná-lo uma utopia, um lugar onde, para os seus súbditos, a mágoa fosse uma temível lenda. assim, todos os dias, o povo apresentava-se diante do seu senhor, carregando pequenos ou grandes sacos para onde haviam previamente espantado as suas misérias pela voz, até restar nos seus pulmões uma só réstia de fôlego. isto porque, este rei, tinha o poder de, no seu coração, aprisionar as tristezas de outrem.
com o passar dos anos, o reino tornou-se um campo verdejante de sorrisos silvestres, onde não se encontrava uma única erva daninha. era, sem dúvida alguma, o pedaço de terra mais feliz que já se vira. toda a gente era feliz. toda a gente, menos o rei, mais infeliz que todos os povos vizinhos. doença encontrou o jovem rei no seu quarto ano de reinado e havia piorado constantemente. este já não saúda as multidões, já nem recorda o calor do sol ou o cheiro das mulheres a lavarem os trapos. a cada novo dia, mais e mais gordos sacos chegam às portas do castelo. as suas barrigas aumentam mais que o consumo de álcool no reino inteiro. as pessoas tornaram-se intolerantes e gritam nos sacos todo o calafrio ou arrepio que sintam. tudo era levado diante do seu rei, até o frango que chegou à mesa cinco minutos mais tarde que o grunhido de fome, com pouco molho. a doença do rei agrava e aflige todos os seus sentidos.
aproxima-se o décimo ano de regência, o desespero atinge o ponto sem retorno. pergunta-se o rei sonhador todas as noites, na sua fútil tentativa de adormecer pela primeira vez desde há muito "mas porque me preocupo eu com esta gente egoísta, mentirosa e depravada?". ao raiar do primeiro dia, ouve-se ecoar por todos os corredores do castelo "chega finalmente o dia em que beijo o sono eterno. abraça-me contra o teu peito, minha amada, com o teu melhor vestido negro".