há muitos milhares de milhões de anos atrás, como quem diz no tempo antes do tempo, um pequeno e inocente rapaz livremente brinca com membranas vibrantes de dimensões exóticas. à sua volta flutuam estranhos universos paralelos, cada um com as suas próprias leis da física que regem algo a que jamais chamaríamos de matéria. que nome dar ao espaço onde se emaranham tão divergentes universos? se cada diferente universo tem as suas próprias filosofias sobre a química, tão peculiares entre si, existirão leis supra-universais que organizem toda a imensidão de tal lugar? isso fica para outra altura, deixemos de lado os mistérios do quarto desse rapaz.
num instante, um lapso da atenção, as membranas com que o pequeno se diverte tocam-se. colidem e ecoa um tremendo som inaudível, tão imaginável que os universos que ali flutuam próximo, como bolhas de balão, estremecem. assustado, o pobre menino largou tudo e escondeu os olhos. um segundo apenas e tudo assentou, já nada se sente daquele perturbante horror. ao descobrir a visão, um novo universo cresce onde nada existia antes. um universo bebé, um universo engraçado.
no espaço de um segundo apenas, gerou-se uma singularidade na matriz do multiverso de onde brota o tempo, o espaço, a energia e a matéria como que se de uma nascente cristalina se tratasse. a temperatura desceu, o tempo abrandou, a energia condensou e a matéria acalmou. naquele profundo esquecimento negro surgem minúsculos pontos brilhantes. a pouco e pouco, um e outro foco de luz aparecem no horizonte distante. são as estrelas! nascem e cintilam em todo o seu esplendor, povoam o que fora outrora um antro de vazio e falta de memória, um pano negro de eterna solidão. olha para as horas, estamos milhões de anos atrasados! já planetas giram em torno das amigas fornalhas de hidrogénio, cada um mais peculiar que o anterior. algures pelo universo se aventura na calada da noite a capacidade para amar no coração de um ser dócil, gentil e inteligente.
por entre a névoa da madrugada, alguém grita um bom dia aos céus. ainda que mais ninguém te oiça, eu recordo a tua melodia na minha caixa de segredos. um dia, ao acordar triste demais, vou abri-la e deixar escapar essas tuas palavras. vou fingi-las de minhas na falta de força para erguer a voz.
é assim a história do universo, igual a qualquer outro. são todos iguais aos seus demais, espelhos quebrados no eixo do tempo. estão espalhados no chão os reflexos de ontem, hoje e amanhã.