sexta-feira, 6 de maio de 2011

perdido na estação de graz

foi na estação de comboios de graz, capital do estado da estíria na áustria, que philipe viu raquel pela primeira vez. na manhã de doze de dezembro, enquanto viajava para encontrar uns amigos em milão, o comboio que o transportava parou brevemente naquela cidade. philipe pousou o livro que o acompanhava, canções de inocência e de experiência por william blake, esfregou os olhos e pestanejou vorazmente. ao espreitar pela janela não conseguiu evitar que o coração disparasse como se de um enorme susto se tratasse, raquel saíra do mesmo comboio onde ele seguia. naquele momento o tempo abrandou, ele aproveitou cada milissegundo para decorar o seu contorno, os ínfimos pormenores do seu cabelo, o jeito de vestir, a maneira de caminhar e, finalmente quando ela se voltou para observar a carruagem partir, a doçura daquele sereno olhar. correu à porta, mas o comboio já havia iniciado a marcha. acompanhou a plataforma, percorrendo vagão a vagão num êxtase crescente, olhando desesperadamente pelas janelas, até que não havia mais solo para percorrer. e ali ficou, colado ao vidro da última carruagem a morrer enquanto lá no fundo raquel desaparecia entre a multidão. o tempo retomou o seu ritmo de passagem e philipe fez uma promessa. "de hoje em diante tenho o meu coração vendado. não descansarei até encontrar aquela mulher! enquanto for vivo e restar em mim um sopro de força irei regressar a este lugar, neste preciso dia e esperarei por todos os comboios, inspeccionado meticulosamente todo o passageiro que pousar pé na plataforma", e assim foi. durante os nove anos seguintes, philipe chegou à estação de graz no dia onze de dezembro e ao virar do dia sentou-se no banco do centro, virado para as linhas. ali ficou a comparar todas as caras que passavam com a fotografia que havia memorizado de raquel até as doze badaladas da meia noite marcarem o fim do dia doze e o começo do dia treze. com o passar do tempo, os trabalhadores vieram a conhecer a sua história e a passa-la como folclore. queriam ajudá-lo a encontrar a mulher que o havia enfeitiçado, mas tudo o que ele sabia sobre ela era sempre a mesma resposta que dava, "eu não sei onde nasceu, os seus gostos e interesses ou mesmo o primeiro nome. sei que veste uma pele cor de neve, um sorriso vermelho vivo, o seu cabelo é de um tom escuro hipnotizante e olhos são pintados de cor de alface. mais importante do que isso, eu sei que um dia um comboio a trouxe a este lugar e desde esse dia eu a amo perdidamente." diziam-lhe que não era saudável ou até mesmo lógico todo aquele amor inexplicável por alguém que nem conhecia, que podia muito bem ser casada. philipe estava consciente das dificuldades que enfrentava, mas tinha de tentar ou arrepender-se até ao último suspiro em vida. foi então que, finalmente, ao novo ano da sua espera, raquel saiu do vagão e pisou a plataforma de graz uma vez mais. estava deslumbrante como ele a lembrava, como se a tivesse visto ontem e nove horas haviam passado ao invés de anos. raquel estava voltada, aguardando a partida do comboio, para o observar a seguir o resto da sua viagem. com o coração a querer irromper do peito, philipe levantou-se devagar, pegou no seu casaco e cautelosamente aproximou-se de raquel. inspirou profundamente, contou até dez e quando se preparava para expirar ela voltou-se, sentindo a presença de alguém. "posso ajudá-lo?", questionou raquel intrigada com philipe. ao longo de todo o tempo que havia esperado, preparou todo um discurso maravilhoso que desvaneceu completamente naquelas melodiosas palavras. sem querer perder mais um segundo, improvisou e falou directamente do coraçao. "olá, o meu nome é philipe e é muito provável que não me conheças. neste mesmo dia, há nove anos atrás eu encontrava-me no comboio com destino a milão. quando parou nesta plataforma, pousei o meu livro, esfreguei os olhos e, quando olhei pela janela, vi-te sair do vagão. voltaste-te para a linha e ficaste a observar o comboio partir. eu tentei sair ali mesmo, mas já se encontrava em marcha. então percorri todos os compartimentos a procurar-te pelas janelas e quando cheguei ao último fiquei a sentir-te partir, cada vez mais longe de mim. desde então que tenho vindo à estação de graz todos os anos neste mesmo dia, na esperança de te reencontrar."