quinta-feira, 31 de março de 2011

palavras

poesia não é nada,
nada mais do que mera poesia.
são as palavras de um bonito rosto,
próprio ou emoldurado.
como um pequeno rapaz,
desejando ser mais do que é,
assim são as frases declamadas.
em torno da vogal mais sonante,
da sílaba mais cantante,
do provérbio aliciante,
sou eu a falar discordante.
apresento estas palavras em branco,
onde colori com o meu pincel
uma bela imagem muda.
palavras, e nada mais do que isso,
que ousaram atravessar o meu caminho.
agora, falo sozinho
para paredes entorpecidas
onde já não se sente textura alguma.
como a minha voz,
que se despiu dos seus tons estridentes,
jazem perdidos nos meus versos - latentes.
para que um dia,
quando nada mais restar,
toda a poesia acabar,
esta minha voz vazia
possa finalmente ecoar.

quarta-feira, 30 de março de 2011

uma lição no supermercado

ia eu distraído, provavelmente com alguma beldade, enquanto empurrava o meu sobrelotado carrinho de supermercado em direcção à saída. de repente, oiço uma voz em tom elevado aproximando-se mim:
- cuidado, miguel! olha que não estás sozinho no mundo!
tanto eu como o aventurado rapaz íamos tão entretidos com as nossas coisas que, por pouco, não tentámos ocupar o mesmo espaço e tempo, resultado em algum desconforto físico para as duas partes. contudo, não pude deixar de comentar com os meus botões:
- este pequeno já aprendeu, no entanto há muitos crescidos que ainda não repararam em tal facto.

terça-feira, 29 de março de 2011

entre a largada das jangadas e o voo das borboletas

incorporada pelas fronteiras portuguesa e espanhola situa-se a estranha cidade de olivença. não é bem espanhola e não é bem portuguesa, é um misto que ninguém sabe caracterizar ao certo ou se preocupam o suficiente com isso. o guadiana atravessa bem perto daquele lugar, onde inês e pedro em pequenos iam brincar. agora, já crescidos e cientes do amor, passam os dias a discutir o fascínio de pedro pelas suas raízes manuelinas e a tendência de inês pelas terras dos filipes. eram sete horas e quarenta e três minutos da tarde no dia vinte e dois de agosto do ano passado quando ambos gritaram, cada um da sua margem do rio, que aquele seria o único lugar para eles. teimosos e orgulhosos, conhecem-se perfeitamente para saber que algum jamais irá ceder. por essa razão nunca poderão sair de olivença, mas não importa. quem quer ir para outro lugar quando a felicidade bate levemente à porta todas as madrugadas com cheiro a pão quente? nasceram num ano bissexto com precisamente cento e oitenta e três dias de diferença a vinte e sete, ele em abril e ela em outubro. assim que aprenderam a contar os dias do ano e a vislumbrar as estrelas do céu, imaginando constelações com nomes de doces, souberam que o universo os tinha unido com a força de um dos fantásticos buracos negros que o professor marcelo lhes falara. certo dia, ninguém sabe precisar exactamente quando, mas algures entre a largada das jangadas e o voo das borboletas, beijaram-se. beijaram-se pela primeira vez e nunca mais houve pedro e inês. a partir desse momento foram um e um coração apenas, a bater como a água do guadiana nas rochas por baixo da ponte da ajuda, suavemente e outras vezes com fervor. mas sempre para sempre, para sempre.

segunda-feira, 28 de março de 2011

a morte do artista

a morte do artista é um desabafo à realidade, um olhar perspicaz sobre a ilusão do declínio da arte. sim, ilusão de declínio, porque um artista que foi capaz de produzir uma boa peça é, certamente, capaz de repetir tal feito. existem diferentes artistas, os mais talentosos poderão ser capazes de criar maravilhas em quase todas as vezes que tentam enquanto os menos virtuosos terão de produzir uma maior quantidade até, finalmente, se poder apresentar uma boa criação ao mundo. o que está em causa é, simplesmente, a capacidade que um autor tem para filtrar aquilo que produz. assistimos a comentários como "ele só era bom quando não era conhecido", que são falsos. o artista ainda é bom. na verdade é um autor da segunda espécie, menos virtuosa, e que precisa de filtrar mais mas não o faz, porque depois de provar do estrelato, onde todos o elogiam, ele torna-se convencido, seguro de si e que tudo o que produz é uma obra admirável. não é, de todo. um bom artista é aquele que se encontra na primeira espécie ou consegue manter aquele filtro pessoal intacto, ainda depois de atingir algum reconhecimento. é assim que assistimos à ilusão da morte do artista, o autor não morreu, o criador não perdeu capacidades, ele apenas se descartou do filtro quando pensou não mais precisar da sua humilde opinião. um artista não devia ter plena consciência do verdadeiro impacto do seu trabalho. por isso, grandiosos são os nomes daqueles que o foram apenas em morte. com dedicação e força de vontade, um artista espezinhado é o melhor dos autores e as suas composições incorporarão os sentimentos mais realistas de sempre.

domingo, 27 de março de 2011

escultora

trata-me como escravo
e escravo serei,
crava-me um cravo
e um cravo terei.

faz de mim bajulador
e bajulações bajularei,
chaga-me chagas
e das chagas cuidarei.

cria-me como besta
e como besta agirei,
afasta-me como monstro
e em monstro me tornarei.

cuida-me com desdém
e desdém eu te darei,
abandona-me aqui, além
e de tudo fugirei.

adorna-me em afectos
e aos afectos me habituarei,
mata-me sem eles
e sem eles morrerei.

olha-me como cobarde
e como cobarde lutarei,
atira-me com estacas
e as estacas guardarei.

pinta-me de inútil
e eu inútil serei,
lava-me em água fria
e de frio tremerei.

esculpe-me de verme
e como verme rastejarei,
mas jamais negues
que eu um dia te amei.

sábado, 26 de março de 2011

pois é, é assim

a verdade sobre a verdade é que raramente esta é realmente verdade.

sexta-feira, 25 de março de 2011

quando éramos pequenos #7

às vezes penso nos momentos em que os outros se fazem passar por nós e nós, por sermos os próprios, arcamos com as consequências, sejam elas quais forem. naquela altura em que andávamos todos no liceu e conhecíamos os nomes de toda a gente, os seus gostos, interesses e actividades do último sábado à noite, o mundo era definitivamente mais reduzido. por aquelas paredes, tão gastas do nosso rotineiro olhar entre as temporizadas subidas e descidas, havia pouco para despertar alegria no coração de um pobre rapaz. havia pouco, mas havia algo e esse algo tinha um nome de quatro letras. encantado como eu andava, agora dou valor à paciência de terceiros que me ouviam palrar constantemente a mesma mensagem intermitente, sem fim. todos me contribuíam palmadas nas costas de apoio e encorajamento, fosse eu algum dia capaz de abordar tal criatura para seja o que fosse. numa fatídica tarde, uma amiga que pertencia à turma da bela impossível teve a brilhante ideia de fazer o arranjinho. ela perguntou 'queres que te a apresente?' ao que prontamente respondi 'não!', mas longe já ela ia. será que tinha o cabelo apresentável, a roupa correcta, a barba feita, as borbulhas escondidas, a t-shirt favorita? nada disso importou, pois a simpática mensageira retornou com a sua humilde mensagem 'ela diz que agora não, tem de ir para casa'. é assim que somos vitimas das palavras dos outros, assombrados por imagens que nunca aprovámos para transmissão. a verdade é que nem me incomoda, afinal de contas eram só coisas de miúdos.

quinta-feira, 24 de março de 2011

resposta

para lembrar porque é que dói.
é que, às vezes, uma pessoa esquece no hábito.

quarta-feira, 23 de março de 2011

no peito

não és a única por quem o amor já se fez sentir. também eu já passei pela realidade crua dessa força que nos empurra contra o solo. os poços de lágrimas que se escondem no meu peito dilataram, romperam e transbordaram, nunca mais foram os mesmos e já não há quem os saiba reparar. daqui em diante há que ter muito cuidado com quem se aproxima, as paredes já não aguentam como antes. um pouco mais de pressão e chegou o fim de tudo, para nunca mais conseguir reter outra dessas gotas salgadas. ignoro as fontes, as torrentes, as chuvas e as nascentes. libertei-me de tudo, libertei-me de mim.

terça-feira, 22 de março de 2011

agora

nunca houve melhor hora do que agora.

segunda-feira, 21 de março de 2011

vazio

deixaste-me uma ferida aberta,
um buraco que tenho tentado preencher
com a força do amor de ninguém.

sábado, 19 de março de 2011

só porque sim, não

não tens de dizer amo-te só porque podes. eu quero que seja mais do que uma simples articulação das palavras que disparas num olhar desviado. uma realização de sonhos contidos, acumulados ao longo de tempos inimagináveis. eu quero que tu queiras verdadeiramente querer e ter vontade de o fazer, para que se torne um dos momentos mais sinceros de toda a tua história. tornas-te assim um imponente monumento a  este sentimento mútuo na minha memória. não tens de o fazer, não exijo de ti algo tão radical quando estamos tão bem neste nosso mar estagnado. mas, a fazê-lo, fá-lo bem! com todo o teu carisma e esplendor, eleva-te à margem do sol e suspira-me melodias. conta-me fábulas maravilhosas de mundos fantásticos, onde só entra quem possui a chave da ilusão e do amor a dois. oferece-me uma caixa de caixas com caixas pequenas, onde cada caixa possui mais caixas e cada vez mais diminutas. que cada uma, se nada mais restar, seja uma bela história que se tornou memória sem qualquer sombra de glória. o teu falar é um beijo, o teu beijo é recordação, a recordação és tu e tu és coração. então fala, a alto e em bom tom, mas fala com a certeza de que a certeza é mais do que uma dúvida na palavra, é uma certeza de que a certeza é a mais pura verdade, nunca a falsa da vaidade.

sexta-feira, 18 de março de 2011

sorrir sem rir

e há quem sorria sem razão para rir,
só sorrir por sorrir,
sorrir para te ver sorrir.
então sorri,
sempre que te sorrirem, sorri de volta.
não imaginas o esforço que é,
por vezes, sorrir,
tantas outras, dói.
mas eles lá sorriem,
sorriem para te ver também a sorrir.

quinta-feira, 17 de março de 2011

vem comigo

volta - sem nunca cá teres estado,
trás contigo uma lágrima contida,
partilha-a comigo e fica por cá,
tenho dois braços desamparados,
a balancear ao sabor do vento,
enche-me o peito contigo,
agarra-te para nunca mais largar,
quando pensas ver em nós o novo dia,
um outro amor talvez,
é verdade o que dizem?
ouvi falar que voas bem alto no ar,
que nunca te deixaste apanhar,
são as gotas de chuva que te engolem
no desértico céu azul.
pé ante pé na vontade de fugir,
não sei mais por onde seguir,
vou em direcção ao horizonte
e vou contigo - para me perder
na face oculta da terra.
maravilhei-me ao ver-te dançar
ao tom do ar a soprar,
são as folhas caídas a pairar
que te envolvem,
me fazem sonhar a dormir.
o respirar é mais bonito
quando fazes parte de mim,
por vezes, até parece valer a pena.
para o infortúnio de te conhecer,
a morte vem no beijo do adeus.

quarta-feira, 16 de março de 2011

só depende de ti, esquecer

se já o foste uma vez, então sabes como se faz. já conheces os truques e os atalhos, os códigos e as passagens, é para ti como andar de bicicleta. quiçá o primeiro, mas não o derradeiro! há um novo dia amanhã, ele espera por ti. só tens de largar o pôr-do-sol a que te acostumaste, que já não lembras o calor da estrela da madrugada ou o cheiro do orvalho. o teu caminho tornou-se insustentável, quando o amor começou a cobrar portagem e não quiseste sair à primeira oportunidade. as paragens são cada vez mais próximas entre si, as saídas escasseiam e perdeste o mapa. segues em frente, sacrificando tudo o que angariaste por mais um quilómetro que  seja. foge! larga tudo e parte para a aventura, corta à primeira saída. ainda não é tarde, guardas as cábulas de quando eras feliz e eu tapo os olhos ao teste. agarra a minha mão, que essa estrada será a tua perdição. quando chegares ao destino terás nada, tudo ficou pelo caminho.

segunda-feira, 14 de março de 2011

olha lá miúdo

olha lá miúdo,
vê por onde andas,
vê onde pões os pés,
leva um guarda-chuva,
não brinques com o isqueiro,
não saltes na lama,
ainda te molhas,
não ponhas isso na boca,
não respondas nesse tom,
não sejas rude,
vê lá se te comportas,
lava os dentes,
não sejas infantil,
lava-me essas mãos,
não corras com tesouras,
deixa que eu faça isso,
vai tomar banho,
diz olá às pessoas,
não me respondas assim,
olha sempre nos dois sentidos,
come o que tens no prato,
pára de amuar,
não tens razão para estar chateado,
pede desculpa à tua irmã,
não fales de boca cheia,
larga isso que não é teu,
vai fazer a cama,
arruma o brinquedo,
não te armes em herói,
tem cuidado,
vê por quem te apaixonas,
eu avisei-te.

espalhou-se na primavera

é a falta de jeito que me leva o amor do peito.

domingo, 13 de março de 2011

seis dias no fundo do oceano

isto de ir sem partir,
chegar e não sair,
tem momento próprio,
um regime abonatório.

quem foge, se esconde,
as palavras confunde,
num mar parado,
é um barco estagnado.

explorar um mundo novo,
abandonar porto covo,
desgraça que se avizinha
para ti, oh rainha!

chove agora e parou,
a ferida que nunca sarou,
a mentira que cresceu,
o homem envelheceu.

alguém fugiu,
o coração não sorriu,
o piano ainda toca,
a câmara já não foca.

faz calor, faz frio,
escreve uma carta ao desafio,
eleva-te à glória,
eterna memória.

é ir e não partir,
ficar e não sair,
coragem sem causa,
dor que não pausa.

jamais verá o adeus,
dançará nos coliseus,
tudo será céu,
o amor adormeceu.

sábado, 12 de março de 2011

não deixam nada

tirem-me as notas de cem,
tirem-me as notas de vinte,
tirem-me as notas de cinco
e até as moedas de dois.
tirem-me tudo o que tenho,
continuem sempre a tirar,
tirem-me as loiças de estanho
e a idade de protestar.

tirem-me as notas de cem,
tirem-me as notas de vinte,
tirem-me as notas de cinco
e até as moedas de dois.
tirem-me tudo o que tenho,
continuem sempre a tirar,
amanhã eu já não venho,
perdi a vontade de lutar.

sexta-feira, 11 de março de 2011

tudo inverso

para ti que me ouves aí,
onde quer que estejas,
quem quer que sejas,
ou o que quer que queiras,
faças o que fizeres,
tomes a forma que tomares,
desde que tenhas esse poder,
podes inverter tudo?
faz o sim não,
faz o não sim,
faz o preto branco,
faz o branco preto,
e por aí em diante.
eu quero que tudo seja diferente,
mas não completamente diferente,
apenas tudo trocado,
às avessas, inverso!

mãe, eu quero que me mates;
pai, eu quero que me odeies;
mundo, eu quero que me lembres;
coração, eu quero que pares;
mulher, eu quero que me ames;
amigo, eu quero-te verdadeiro;
alface, eu quero-te vermelha;
céu, eu quero-te de cor-de-rosa;
estrela, eu quero que pares o brilhar;
noite, eu quero que sejas clara;
lua, eu quero que tenhas vida;
mar, eu quero que sejas doce;
rio, eu quero que sejas quente;
montanha, eu quero que te deixes subir;
bicicleta, eu quero que me carregues;
verdade, eu quero-te praticável;
mentira, eu quero renegar-te;
música, eu quero ver-te;
beleza, eu quero ouvir-te;
tristeza, eu quero sentir-te;
fera, eu quero controlar-te;
amor, eu quero-te possível.

quinta-feira, 10 de março de 2011

larga

trago mais uma chaga no peito,
o regalo de uma donzela calada,
ilustre é esta minha falta de jeito,
que me irrompe o sono p'la madrugada.

saudades são pois fantasias passadas,
porque perdes tu o tempo lembrando?
as cartas todas eram belas rasgadas,
as palavras - um iminente comando!

a dúvida propaga - será medo, será gente?
a resposta é uma melodia tenebrosa,
no meio de tanta - perdida, nem mente.
oh, casa! foste nossa - gloriosa!

sol novo onde descansam os defuntos,
os dedos nas mãos, braços em banalidade.
prometo que todos os sonhos juntos,
eram nossos, e eram bem verdade!

quarta-feira, 9 de março de 2011

dizias que sim?

e se eu dissesse que tenho a chave para devolver o tempo ao teu tempo?

terça-feira, 8 de março de 2011

porque é assim

um dia, o teu dia será repleto de amor.
até lá, vou atirando pedras à tua janela.

segunda-feira, 7 de março de 2011

o café

- isso é que foi demorar, joão!
- tens razão, ficámos entretidos na conversa.
- devia ser um assunto mesmo muito interessante, estou a ver. estiveste com quem?
- só apareceu o renato, os outros não quiseram sair.
- onde foram?
- até ao café na ribeira.
- vocês quando se apegam a um lugar, não largam mais. homens!
- nós gostamos daquilo, tem um bom ambiente e os preços são acessíveis. ah, e não te dão o olhar do café único.
- que olhar é esse?
- é aquele olhar que alguns empregados fazem quando vais a um sítio e só pedes um café.
- tu e o os teus cafés! e posso saber qual era o tema tão cativante da conversa?
- sim, podes. estivemos a discutir os diferentes tipos de regadores de relva de jardim.
- estás a dizer que pediram um café e estiveram mais de duas horas a falar de regadores de relva?
- também mencionámos outras coisas, mas principalmente regadores de relva.
- e gajas?
- não creio que tenhamos abordado esse tópico. devíamos?
- bom, prefiro dizer que o meu namorado fala de gajas com os amigos ao invés de admitir que discute regadores de relva.
- às vezes penso que és a melhor namorada do mundo.
- às vezes penso que és um perfeito idiota.

domingo, 6 de março de 2011

perguntas sem resposta

nunca te aconteceu andares com uma pergunta, uma dúvida presa na cabeça, a balancear de um lado para o outro, confundindo-te e levando-te à loucura? passas as noites de olhos vidrados no tecto a escutar se o vento dá sinais de existência, pensas nas palavras que vais usar e corriges. calculas muito atenciosa e cuidadosamente o exacto momento para abordar o assunto. meticulosamente testas cada ínfimo detalhe da solução encontrada, repetindo-a num ciclo vicioso interminável que aumenta de intensidade assombrosamente. está tudo perfeito e esperas pelo sinal, mas ele nunca vem - se alguma vez tiveste coragem, já era. o problema é que, depois de tudo, já nada te salva, não há como voltar atrás e fingir que é tudo mentira. foste parar a um beco sem saída, um buraco amaldiçoado, perdido e esquecido no tempo onde os desgraçados vão cair mortos. sair de lá? tudo bem, faz a pergunta! livra-te da dúvida insolente que te atormenta constantemente. num movimento brusco das palavras, a fúria é libertada e sentes-te alguém novo - finalmente em paz. agora foges da resposta, temes a besta que sairá de lá. tens o coração partido, mas já os estilhaços abandonaram a dança em turbilhão para encontrar repouso no teu leito de delírios.

sábado, 5 de março de 2011

o amor é ilógico, caraças!

o que associamos ao amor tipicamente? ocorre-me sexo, monogamia, discussões, beliscões, carícias, surpresas, puxões, esticões, noites em claro, jantar fora, cinema, passear, chupões, chorar, gritar, mordedelas, partilha, cama, chocolate, colo, aperto no coração, ciúmes, pôr do sol, cedências, tristezas, mágoas, limitações, dar a mão, lingerie, ofegar, constrições, dilemas, são problemas, beijos e estratagemas. de certo que a outros ocorrem coisas diferentes, não há um amor igual. nunca entendi como se é capaz de dizer algo como 'nunca irás encontrar alguém que te ame tanto quanto eu'. será que fizeram uma descoberta socioantropológica reveladora e descobriram uma maneira fantástica de quantificar um sentimento - e aquele que é o mais confuso de todos? cada amor é único, esquisito e diferente à sua maneira, apenas aceito algo como 'nunca irás encontrar alguém que te ame da mesma maneira que eu'. e não somos o único ser que tem relações sexuais sem o intuito de procriar - apenas porque retiramos prazer de tal acto, outros mamíferos como os golfinhos também o fazem. contudo, somos algo bem peculiar no que toca a este conceito que é tão intrínseco e tão alienígena à nossa espécie: o amor. pois bem, praticamente todo o mundo animal é bígamo, porque precisamos nós da monogamia? é contra-evolutivo. enquanto o resto do reino animal luta e morre para transmitir as suas sementes de macho alfa às gerações seguintes com o maior número de fêmeas possível, prevalecendo a sobrevivência dos melhores genes - segundo um tal senhor darwin, nós queremos o menor número de parceiros. grande parte de nós exige isso do outro, eu incluído. porque somos tão picuinhas? o amor é mesmo irracional, chega a parecer-se com uma balança cega! de cada vez que falamos com o nosso mais que tudo, temos de ponderar dois factores numa razão de proporcionalidade inversa: ser sincero e magoar, não magoar e mentir. a verdadeira angústia centra-se em saber escolher o momento oportuno em que damos prioridade a um em detrimento do outro - sem nunca sair verdadeiramente triunfante, no entanto. quando damos por nós, estamos em paixão. só pensamos naquela pessoa, só precisamos daquela pessoa, só queremos aquela pessoa até ao dia em que para continuar a amar aquela pessoa temos de dar um espaço infinitamente grande de tão pequeno que é. certamente que o amor é algo que nunca vamos entender, intriga as mentes brilhantes enquanto que é apreciado apenas pelos ignorantes.

sexta-feira, 4 de março de 2011

para nunca mais voltar

nunca me digas que queres voltar atrás,
àquela altura, àquele tempo, àquela infância ou àquele momento.
afirmar tal barbaridade é admitir que o passado é uma má memória,
é admitir que o presente é uma angústia,
é desistir do desafio deste e daquele pequeno contratempo,
é viver pelo passado e não para o presente,
é sonhar sem estar contente.
nunca me digas que queres voltar atrás,
prefiro que vás, simplesmente vás,
que me deixes,
eu não quero ir.

quinta-feira, 3 de março de 2011

obscenas

são poemas, certamente dilemas,
coisas pequenas e palermas,
diminutas lanternas, luzes eternas.

quarta-feira, 2 de março de 2011

morre

espero que te arrependas, um dia,
eu quero mesmo que sofras mágoas.
desejo-te imenso mal estar - o pior,
tanto quanto possível sem te matar.

vai ser tão maravilhoso olhar para ti então,
perfurar as fendas que apagas da cara
com as unhas que imundo em terra
antes de as cravar no teu leito de lágrimas.

na rua, onde todos vêem, estás tu,
nos trapos nupciais onde te abandonaram.
imploras decência, dignidade e perdão,
alguém te leve, alguém te eleve novamente.

os outros olham-te de lado - com desdém,
mas eu não, sabes que não sou assim.
passo por ti com um verdadeiro sorriso,
quiçá a minha única felicidade de sempre.

tempo - que imensidão ainda por contar,
onde me agarro à razão de viver.
tudo o resto é banal - um mundo animal,
onde acordo e pergunto se já te dói.

confinem-me a uma eternidade de solidão,
jamais mais um segundo que seja contigo.
leva daqui a tua asquerosa podridão - longe,
condeno-te a amar à margem da sociedade.

terça-feira, 1 de março de 2011

acabou

acabou por ti o meu amor,
já não há mais, já não há mais.
segue-me, segue-me sem razão,
eu guio-te devagar.

deixa-me entrar na tua caravana,
carrega no teu colo a minha cabeça,
acaricia-me o cabelo, aperta-me,
como se eu fosse um pequeno rapaz.

acabou por ti o meu encanto,
já nada sobra, nem míseras migalhas.
vem, vem sem medo, vem comigo,
eu devolvo-te a razão.

abre a porta, abre a janela,
adormece os teus cães de guarda,
vou invadir-te esta noite,
já não sou mais o pequeno rapaz.