incorporada pelas fronteiras portuguesa e espanhola situa-se a estranha cidade de olivença. não é bem espanhola e não é bem portuguesa, é um misto que ninguém sabe caracterizar ao certo ou se preocupam o suficiente com isso. o guadiana atravessa bem perto daquele lugar, onde inês e pedro em pequenos iam brincar. agora, já crescidos e cientes do amor, passam os dias a discutir o fascínio de pedro pelas suas raízes manuelinas e a tendência de inês pelas terras dos filipes. eram sete horas e quarenta e três minutos da tarde no dia vinte e dois de agosto do ano passado quando ambos gritaram, cada um da sua margem do rio, que aquele seria o único lugar para eles. teimosos e orgulhosos, conhecem-se perfeitamente para saber que algum jamais irá ceder. por essa razão nunca poderão sair de olivença, mas não importa. quem quer ir para outro lugar quando a felicidade bate levemente à porta todas as madrugadas com cheiro a pão quente? nasceram num ano bissexto com precisamente cento e oitenta e três dias de diferença a vinte e sete, ele em abril e ela em outubro. assim que aprenderam a contar os dias do ano e a vislumbrar as estrelas do céu, imaginando constelações com nomes de doces, souberam que o universo os tinha unido com a força de um dos fantásticos buracos negros que o professor marcelo lhes falara. certo dia, ninguém sabe precisar exactamente quando, mas algures entre a largada das jangadas e o voo das borboletas, beijaram-se. beijaram-se pela primeira vez e nunca mais houve pedro e inês. a partir desse momento foram um e um coração apenas, a bater como a água do guadiana nas rochas por baixo da ponte da ajuda, suavemente e outras vezes com fervor. mas sempre para sempre, para sempre.