às vezes penso nos momentos em que os outros se fazem passar por nós e nós, por sermos os próprios, arcamos com as consequências, sejam elas quais forem. naquela altura em que andávamos todos no liceu e conhecíamos os nomes de toda a gente, os seus gostos, interesses e actividades do último sábado à noite, o mundo era definitivamente mais reduzido. por aquelas paredes, tão gastas do nosso rotineiro olhar entre as temporizadas subidas e descidas, havia pouco para despertar alegria no coração de um pobre rapaz. havia pouco, mas havia algo e esse algo tinha um nome de quatro letras. encantado como eu andava, agora dou valor à paciência de terceiros que me ouviam palrar constantemente a mesma mensagem intermitente, sem fim. todos me contribuíam palmadas nas costas de apoio e encorajamento, fosse eu algum dia capaz de abordar tal criatura para seja o que fosse. numa fatídica tarde, uma amiga que pertencia à turma da bela impossível teve a brilhante ideia de fazer o arranjinho. ela perguntou 'queres que te a apresente?' ao que prontamente respondi 'não!', mas longe já ela ia. será que tinha o cabelo apresentável, a roupa correcta, a barba feita, as borbulhas escondidas, a t-shirt favorita? nada disso importou, pois a simpática mensageira retornou com a sua humilde mensagem 'ela diz que agora não, tem de ir para casa'. é assim que somos vitimas das palavras dos outros, assombrados por imagens que nunca aprovámos para transmissão. a verdade é que nem me incomoda, afinal de contas eram só coisas de miúdos.